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Dealema / Mind da Gap
Cine-Teatro Caracas, Oliveira de Azeméis
27/02/2004


Uma meia hora de carro separava o escriba de Oliveira de Azeméis, pequena cidade, onde, por ocasião do 8º Festival da Juventude, os Dealema e os Mind da Gap iriam tocar. Uma oportunidade para ver dois dos maiores nomes do hip-hop português, autores de dois discos muito apreciados pelo repórter. O preço simpático (2,5€) ajudou à decisão.
Sintomático do momento de fama do hip-hop em Portugal, o Cine-Teatro estava repleto de jovens, certamente impelidos também pelo factor preço. Imperavam as calças largas e os bonés da praxe. Média de idades arriscada: 16 anos. Uma geração ainda nova demais para saber - saberão algum dia? - quem foram os Public Enemy, já para não falar em Afrika Bambaataa. O hip-hop português sofre ainda do "efeito cena", chamemos-lhe assim: vive fechado em si, num jogo de reconhecimento mútuo, convidando ao atrofio criativo e satisfação onanista.

Antes dos Dealema, estiveram no palco os Imaginário, uma banda local, em substituição dos igualmente locais Sound Pictures. O escriba questiona-se: que faz uma banda de covers (começou no "Chico Fininho" e terminou com o indescritível Luís Represas) aqui? Uma ida ao bar e a observação da fauna ocuparam os minutos infindáveis. A casa de banho escondia dezenas de jovens dedicados a actividades psicotrópicas, fugindo à "repressão" do provinciano festival. Um cartaz proibindo fumar, beber e comer dentro da sala de espectáculo foi rapidamente rabiscado com o círculo anarquista.

Os Dealema entraram em palco com o avassalador "Ultimato" que abre também o álbum de estreia do quinteto. Rapidamente se percebeu que o som de DJ Guze estava demasiado baixo e que a acústica do local não ajudava à festa. Mesmo assim, a banda parecia radiante por tocar para tanta gente que rapidamente se esqueceu das cadeiras e se chegou à frente do palco. Os Dealema estão muito bem oleados, fruto de anos de concertos. Cada MC sabe as letras na sua totalidade, permitindo jogos verbais diferentes dos que estão no álbum e - milagre! - raras vezes, as quatro vozes se atropelam. Foram apenas percorridos momentos de Dealema, como "Chave da Saída" e "Talento Clandestino" - ambas com a convidada Marta Ren dos Sloppy Joe em brilho soul -, "B.D.A.P.", com a verve maldizente de Fuse em grande plano, "Dealema (Alta Tensão)" (beats explosivos e rimas à velocidade da luz). No encore, Ace e Presto dos Mind da Gap juntaram-se à trupe numa "Rota de Coalizão", sem particular inspiração.

"Estilus Clássicus" e o seu fat beat, marca registada de DJ Serial, abriu o concerto de Mind da Gap. De roupa desportiva branca e fitinha de gosto duvidoso na cabeça rapada, Ace fazia lembrar Eminem. O humor de Ace alinha pelo mesmo diapasão e as suas intervenções extra-musicais resvalam frequentemente para o regime bronco. A maior parte do concerto foi preenchida com temas de Suspeitos de Costume, álbum de 2002. Os singles "Socializar por Aí" (funk artificial e maneirismos vocais cool em crónica de costumes concentrada) e "Bazamos ou Ficamos?" foram entoados em coro pela juventude presente, tal como os clássicos "Todos Gordos", "És como um Don", "Falsos Amigos" e "Dedicatória". É nos temas mais antigos que os MDG fraquejam - o uplifting descaracteriza os temas e torna-os sombras do que são em disco.
Já as canções de Suspeitos do Costume resultam bem ao vivo. "Esta gente sente" é um daqueles tributos à "cena" que emocionam e teve direito a improvisos felizes e jogos vocais com Ace em regime r'n'b insuspeito. "Pura Riqueza" e "Invicta", ambas negras, densas e plenas de dramatismo são a face do melhor dos Mind da Gap. Fica a dúvida: sendo Suspeitos do Costume já de 2002, porque é que os MDG não tocam nenhum tema novo?

Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com
27/02/2004