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Rocky Marsiano / Camarão
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
22/12/2005


Noite da Loop:recordings na ZDB. Sala bem composta, com muita gente. Dois discos de 2005 eram o pretexto. The Pyramid Sessions, de Rocky Marsiano, e The Remixes, de Camarão. Discos da Loop, ambos nascidos das colecções de discos tanto de D-Mars, MC dos Micro e um dos patrões da Loop, no caso de Rocky Marsiano, como de Alexandre Camarão, no caso de (obviamente) Camarão.

A noite começa com Rocky Marsiano. Não vamos questionar o mau gosto extra-musical de D-Mars, que apareceu no jornal Blitz vestido de pugilista, por causa do trocadilho Rocky Marsiano-Rocky Marciano, fiquemo-nos pelo bom gosto musical do mesmo. O jazz e o hip-hop sempre andaram de mãos dadas. Relembre-se as primeiras palavras de Q-Tip em The Low End Theory: “Back in the days when I was a teenager / before I had status and before I had a pager / you could find the Abstract / listening to hip-hop / my pops used to say it reminded him of be-bop”, nada surpreendentemente ditas por cima do contrabaixo do jazzman Ron Carter. Assim, não há nenhuma estranheza quando D-Mars decide dar à sua colecção de discos de jazz um tratamento especial, partindo deles para com outros músicos criar novos temas.

O line-up do projecto ao vivo , que envolve um sampler, um gira-discos, um saxofone e uma guitarra, tem vindo a mudar. Se no primeiro concerto, no Clube Mercado, D-Mars era acompanhado por Nell'Assassin nos pratos, T-One na guitarra e Rodrigo Amado no saxofone, desta vez apenas Rodrigo Amado se mantinha. Era DJ Ride nos pratos e André Fernandes na guitarra. Posto isto, são todos músicos talentosos, e, como D-Mars explicou no seu sotaque luso-croata, juntam-se duas horas ou uma hora e meia antes do concerto e fazem tudo de improviso. D-Mars é o maestro que lança os samples de discos de jazz antigos e batidas, enquanto DJ Ride vai pegando em discos de breaks e fazendo scratch, Rodrigo Amado e André Fernandes vão improvisando nos seus respectivos instrumentos, sendo que a guitarra deste último é processada por uma pedaleira que usa para delay e que vai transformando a guitarra em vários outros instrumentos, algo que por vezes não resulta por causa da falta de bom gosto de alguns dos sons. O seu discurso fluído do jazz funciona muito bem. No palco está sentada D-Fine, namorada de D-Mars, que em dois temas, incluindo um “hino sem palavras”, se levanta e faz scat. D-Mars pede ao público para bater palmas durante um sample de walking bass, DJ Ride pega num disco chamado Gangsta Breaks, André Fernandes usa o pedal para transformar a guitarra num baixo, e há sempre batidas por trás para abanar a cabeça para cima e para baixo e bater os pés.

Camarão é artista plástico e lançou The Remixes em 2005, depois de algumas outras aventuras discográficas. O disco tem sido bem recebido, e passa pela desconstrução da colecção de discos do homem, passando pelo jazz, pelo house, pelo hip-hop e por muitas outras linguagens. Se é assim em disco, ao vivo é um pouco diferente. Como diria uma amiga, ao vivo parecia Boards of Canada dançável. Samples de vozes cortados e colados, batidas fluidas, dois portáteis e mesas de mistura, de Camarão e o produtor DK, com momentos mais duros. O teclado Nord Lead de Camarão estragou-se algures a meio, pelo que muito do que aconteceu foi improvisado. André Fernandes voltou a palco, usando a sua guitarra como um sintetizador espacial, transformando o som analógico em digital, e a dada altura chega um clarinetista, Ricardo Quintas, que faz com ele um jogo interessante. Se em disco resulta, ao vivo e naquela sala, infelizmente, não, por muito bem que corresse o concerto. Resultado: metade da sala mudou-se para o bar da Galeria ou para outro bar. Dois artistas da casa-mãe Loop continuam no Bairro Alto, mas mudam-se por uma noite do Mercado para a Zé dos Bois. Talvez, no caso de Camarão, fosse melhor o Clube Mercado, já que está muito mais orientado para dj sets e para música de dança do que a ZDB. Isto é tudo agravado pela inércia natural mostrada pela maioria das pessoas que frequentam a Galeria em concertos, o chamado “doing the standing still” (Dismemberment Plan).

Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
22/12/2005