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Loosers + Mouthus = Mousers
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
21/12/2005


Loosers. Mouthus. Lisboa. Brooklyn. Duas bandas, lado a lado numa tournée europeia. Que começou e acabou em Lisboa, na Galeria Zé dos Bois, o epicentro da “cena”. No começo eram apenas duas bandas a tocar no mesmo palco na mesma noite, mas a dada altura, talvez por nenhuma delas resultar assim tão bem sozinha, decidiram formar um supergrupo. Loosers com Mouthus dá Mousers. E vale a pena. Para quem não tinha visto o primeiro concerto das duas bandas, sem junções, no mesmo espaço 3 semanas antes, os Loosers e os Mouthus trouxeram revisões da matéria dada. Sets curtos, de mais ou menos 20 minutos, apresentaram ambas as bandas, para depois se dar a apoteose.

A premissa era simples, a de juntar duas bandas num supergrupo da “cena”. A promessa também, a de destruição. Mas a destruição propriamente dita ficou-se pelo set dos Mouthus. Mas antes vieram os Loosers. Alguém me tinha dito antes que agora os Loosers soavam a Gang Gang Dance. Era natural, nunca foram uma banda com uma personalidade muito vincada. Aliás, sempre pareceram ir ao sabor das modas. No princípio, julgando pelo primeiro EP, gostavam muito de Liars. Mas depois os Liars passaram a gostar muito de This Heat e de outros iluminados do pós-punk. Então os Loosers também mudaram. Lançaram outros CD-Rs (outros CD-Rs de ensaios, mal gravados, edições limitadíssimas), muito baseados nas ideias de exploração da percussão dos This Heat. E, depois, os Gang Gang Dance lançaram God’s Money. De repente, como disseram em entrevista ao Bodyspace, os Loosers ficaram mais preocupados em “escrever canções”. Os Gang Gang Dance também. Coincidência? Talvez, ninguém está a julgar ninguém. For all the Round Suns tinha “canções”. E também tinha a obrigatória vontade de ir buscar influências da música do mundo, especialmente do Oriente (também não é nada que não se tenha feito há duas décadas). Quem é que fez o mesmo no seu último disco? Os Gang Gang Dance.

Facto: os Loosers não são propriamente a banda com mais personalidade do mundo. Isto pode ser um problema numa “cena” onde a inovação é rainha (mas a falta dela pode sempre ser disfarçada através da liberdade da própria música). Mas os Loosers fazem o que fazem. E fazem-no bem, ninguém lhes pode tirar isso. Mas os casos da cópia e da falta de originalidade não são apenas dos Loosers. Já quase tudo foi feito, quer se queira, quer não. A tentativa de fuga da norma guitarra-baixo-bateria é, nela própria, um lugar comum. Mas os Loosers continuam a usar essa norma, mesmo que comecem apenas com percussões e loops feitos por uma parafernália de pedais e maquinetas. Claro, é interessante e está bem feito, mas há sempre a redundância. Tiago Miranda começa por tocar flauta, enquanto Rui Dâmaso está de joelhos (é obrigatório na música “livre” alguém estar de joelhos em palco) a brincar com percussões e pedais e Zé Miguel toca bateria. Depois Tiago Miranda toca percussão, pega na guitarra, usando alguns efeitos e loops para criar melodias que lembram uns Black Dice sem a pujança e a frescura e Rui Dâmaso pega no baixo. Passam de This Heat e Gang Gang Dance (sem as “canções” e as melodias) a Black Dice. Mas fazem-no bem, e evitam grandes aborrecimentos.

Depois aparecem os Mouthus, duo de guitarra e bateria de Brooklyn. Há um contraste que salta logo à vista: os Mouthus são infinitamente mais rock’n’roll do que os Loosers. O equipamento deles está colado, partido, velho e a roupa também. E os cabelos. É tudo feito com um amadorismo rock’n’roll. Posto isto, os Mouthus são música de destruição. Mas também conseguem retirar do público uma reacção de apatia e aborrecimento. Brian Sullivan toca guitarra, tem uma mala cheia de pedais, mas a guitarra dele soa sempre ao mesmo (e nada como uma guitarra). E os grunhidos também. Barulho estático constante, duas ou três notas repetidas (que acabam por fazer um efeito interessante) e grunhidos. Resume-se a isto a sua prestação. Mas Nate Nelson, o senhor da bateria, é muito mais interessante. Enquanto Sullivan protagoniza a destruição que acabamos por ignorar, Nelson protagoniza a destruição interessante, que nunca aborrece.

Depois destas mini-apresentações, todos os músicos entram em palco para a performance como ensemble (porque fica bem falar estrangeiro). Os Mousers provaram que o todo é muito maior do que apenas a soma das partes. Aqui não há propriamente barulho, há pequenas melodias, música improvisada, no final há baterias free jazz, Tiago Miranda e Brian Sullivan trocam as guitarras (a do primeiro parece, por vezes, um teclado de brincar) por melódicas, por percussões, por flautas, por outros brinquedos, os outros membros vão brincado com pedais de loops, há cowbell, há toda uma panóplia de sons. Há vozes faladas, Zé Miguel começa por dizer algo imperceptível ao microfone, parece um discurso ou algo parecido, mas ninguém percebe o que ele diz (Tiago Miranda no fim faz o mesmo) e há vozes como nos Black Dice, gritos, brincadeiras vocais não-musicais que evitam o canto. Algures alguém dispara frequências agudas de som que afectam os ouvidos das pessoas e, sejamos francos, são tremendamente irritantes e aborrecidas. Os músicos começam por aquecer, vai andado, até que a coisa engrena e há um crescendo, não se sabe donde vem cada um dos sons, nem os sons são particularmente interessantes sozinhos, mas juntos fazem uma mescla irresistível. O contraste entre os meninos ricos (Loosers) e os meninos pobres (Mouthus) desvanece-se e já ninguém perde tempo a pensar na originalidade da música. Fica-se imerso na mesma, e é-se transportado para outro lado. Tudo acaba, após uns 40 minutos, com Brian Sullivan a suster sons na melódica, Nate Nelson a tocar bateria free jazz e os Loosers a disparar arpejos nas maquinetas. E acaba bem.

O elo perdido entre Lisboa e Brooklyn revelou-se na Galeria Zé dos Bois, mesmo que tenha começado para aí uma hora e meia (ou mais) depois da hora marcada. Um concerto que começa às 10 na ZDB devia começar lá para as 10 e meia. O problema é que o público conta com o atraso. Uma noite destas os responsáveis da Galeria deviam pregar um susto ao público, para ver se as pessoas aprendiam. O todo, muito maior do que as partes, devia lançar um CD-R. É a “cena”, o do-it-yourself, a urgência, não custa nada. É só lançar. Para uma sala a meio gás – o concerto tinha sido anunciado nem uma semana antes - e com um disco ao vivo dos Iron Maiden a passar no Aquário (Max Tundra e Interpol passavam no bar), os Mousers saíram da toca (o nome estava a pedir este trocadilho parvo). E ainda bem.

Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
21/12/2005