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Telectu
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
25/11/2005


Jorge Lima Barreto e Vítor Rua constituem a mais histórica formação da música improvisada nacional. Desde 1982, ano em que se juntaram sob a designação “Telectu” para actuar na II Bienal de Arte de Cerveira, têm construído uma carreira consistente, onde se destacam álbuns marcantes como Ctu-Telectu (EMI, 1982), Belzebu (Cliché, 1983), Digital Buiça (Tragic Figures, 1990), Theremin Tão (SPH, 1993) ou, mais recentemente, o triplo-cd Quartetos (2003), edição da exemplar Clean Feed. Do currículo deste duo fazem ainda parte colaborações com figuras maiores da música mundial, como Elliott Sharp, Louis Sclavis, Jac Berrocal, Sunny Murray, Gerry Hemingway ou Eddie Prévost.

A actuação na Galeria Zé dos Bois, a casa do Bairro Alto que está a iluminar os caminhos da música actual, assinalou o regresso da dupla à actividade na capital. Jorge Lima Barreto, o musicólogo/performer, havia actuado há poucos meses no Jazz Em Agosto 2005 da Gulbenkian, mas nessa ocasião deu um recital de piano solo (improvisado). O concerto na Zé dos Bois marcou também o regresso de Barreto ao sintetizador. A presença na sala de cadeiras, raramente utilizadas na sala de concertos, prometia “música séria”.

Após o habitual “atraso português” (alguém devia registar isto como trademark), Barreto sentou-se ao teclado e aguardou por Vítor Rua. Rua entrou no palco escondido por um hábito de monge, emborcou um copo de penalty e começou a tocar. A guitarra esquizóide de Rua (oito cordas) começou por criar texturas de baixa intensidade, enquanto Barreto ficava com o protagonismo inicial – os ambientes electrónicos iam variando de exuberância, por vezes em encontrões abruptos, outras vezes transformados em mini-paisagens dormentes, próximas da new age menos aconselhável.

À medida que a peça (única) se ia desenvolvendo a guitarra foi ganhando terreno, passando a experimentação electrónica de Barreto a ser um elemento secundário, face ao desvario sónico da guitarra de Vítor Rua. Aproximando-se por vezes de um certo rock mais rasteiro (lembrando os solos maléficos dos guitar heroes), era também nestas alturas que a energia mais se espalhava pela sala. Cada músico ia desvendando as suas ideias, mas sem perder a orientação, tendo em atenção a música do outro.

A correspondência sonora entre Rua e Barreto revelou-se, mais uma vez, eficaz. Foram (aproximadamente) cinquenta minutos de comunicação improvisada, com ocasiões de especial proveito. Unidos pela electricidade, estes dois músicos provaram que, num momento em que se assiste ao florescer de um certo “movimento” na música improvisada portuguesa, a sua música continua viva (e de boa saúde), convivendo com outros projectos herdeiros da sua ousadia fundadora.

Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
25/11/2005