bodyspace.net


The Boy with a Broken Leg / Final Fantasy
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
03/11/2005


Final Fantasy, o jogo, é dos passatempos mais aborrecidos que podem existir. A sério, no dia antes do concerto de Final Fantasy na ZDB passei a noite a jogar o I, o II e o III num emulador de NES, por isso sei do que falo. É uma quantidade de monstros, de poções e de toda uma parvoíce medieval que mais lembra power-metal. Só faltam dragões que cospem fogo. Talvez existissem, mas só joguei o princípio do I, do II e do III (acho que tenho vagas recolecções de ter jogado o VII para Playstation, mas não confirmo). O que é que isto tem a ver com o cabelo de Owen Pallett, que faz música usando o nome Final Fantasy? Nada, a não ser que tanto a série de jogos como o cabelo são igualmente ridículos. Já tinha visto em Paredes de Coura, aquando da actuação dos Arcade Fire, cabelo à foda-se descolorado que não lembra a quem tem mais de 10 anos (falo dos 10 anos como idade já suficiente para poder fazer frente aos pais e dizer que cabelo à foda-se não é bonito), mas sozinho é outra loiça.

Pronto, posto isto, e tirando o cabelo, Owen Pallett é um rapaz simpático. Tem um curriculum invejável, trabalhou com a nata da cena canadiana, fazendo arranjos de cordas e tocando violino para ilustres como os Hidden Cameras ou os Arcade Fire. Para além disso, é um entertainer nato e um talentoso violinista. A sua única falha é ser apenas um songwriter competente e ter de competir com ter aparecido em Lisboa dois meses depois de Andrew Bird, outro violinista-tornado-cançonetista (esse sim, um excelente songwriter). Faz sentido falar de Andrew Bird, porque: 1) o modo de tocar em palco é semelhante, até, surpreendentemente, tocaram os dois descalços; 2) dá-me um jeito do caraças só mencionar eles os dois porque não fui a Santa Maria da Feira ver o Patrick Wolf, outro violinista-tornado-cançonetista muito falado em 2005.

Voltando aos jogos, eram demasiado rápidos, talvez fosse do meu computador ser demasiado rápido – nunca pensei vir a dizer isto –, mas não sei. Tornava-se difícil jogar, e, mesmo rápido, não deixava de ser chato. O que vale é que o concerto de Final Fantasy não foi assim. Loops de violino, Owen tocava um bocado, loopava, tocava por cima, cantava, gritava para dentro do violino, loopando a sua própria voz. Tudo feito com bom gosto, arranjos interessantes, quase a compensar a falta de grandes canções. Aliás, é esse o maior defeito a apontar na actuação de Owen Pallett. Vai interagindo com o público, diz piadas (confessa que tem mais medo de vegans do que de católicos), faz perguntas, pede pedidos de versões (alguém pede “Homem do Leme” dos Xutos & Pontapés, o artista, obviamente, não percebe, outra pessoa pede “The King of Carrot Flowers” dos Neutral Milk Hotel, Owen confessa que nunca se meteu muito neles, apesar de gostar daquela canção que é assim: “Lalalalala”) e vai-se tornando cada vez mais à vontade. Toca as canções de Has a Good Home, o disco lançado este ano que tem dado que falar mas não é assim tão bom. Não interessa, porque a actuação ao vivo é assim tão boa. Algures a meio do concerto aparece um baterista, um alemão que dá uns ares bonitos à coisa.

Chegamos às versões. “This Modern Love”, dos britânicos Bloc Party, ganha uma nova componente psicótica devido aos gritos esquizofrénicos usados. Metia Kele Okereke (que, aliás, estava totalmente alcoolizado ou mais na cerimónia dos MTV European Music Awards que decorriam na mesma cidade à mesma hora) e os seus meninos a um canto, mesmo no final, a rockar muito mais do que eles (e ainda por cima sem guitarras nem distorção, só violino e bateria). Owen diz depois que vai tocar uma versão do artista que mais vendeu nos anos 90. Pergunta ao público se sabe quem foi. Alguém diz Michael Jackson. Convicto, Owen diz que não. Começa e é “Fantasy”, de Mariah Carey, numa excelente versão. Depois passa a dizer que a versão urbana de Mariah Carey é uma treta. Depois do concerto, cheguei ao pé dele e disse-lhe que isso não era verdade, que havia dois temas com o Twista que eram muito bons (bom, só um deles é que é muito bom, o que aparece no último disco dela e não dele). Ele disse que quase tudo dela era mau, mas que “Fantasy” era uma óptima canção. Já no encore, começam os pedidos de versões, e o tipo tenta “The Fairest of the Seasons” da Nico. Estava a sair-se bem, a lembrar-se daquilo na altura, mas a meio, mesmo antes de “I wanna know / do I stay or do I go?”, decide desistir, dizendo que estava a fazer figura de estúpido. Também tocou "Peach Plum Pear", da belíssima Joanna Newsom, dona de umas belas (discutível) orelhas e de uma bela (discutível) voz que, para o bem ou para o mal, Owen Pallett não tem.

Antes, esteve em palco The Boy with a Broken Leg, ex-membro do Essay Collective e actual membro dos Puget Sound, à guitarra, algo nervoso e agradecendo ao público ter faltado aos EMAs para ir vê-lo. Conseguiu, quase sempre, manter as coisas interessantes, sempre com desafinações e erros, mas nada de especial.

E fez-se assim, a estreia de Final Fantasy em Portugal. Só há a registar a enchente de público que não era o normal da ZDB e que se decidiu, sabe-se lá porquê – e estupidamente, diga-se de passagem –, sentar-se no chão, ocupando metade da sala e deixando gente que tinha pago bilhete de fora. Ainda por cima muitos dos que estavam em pé, entre eles amigos e conhecidos de Boy with a Broken Leg, não se calavam, a falar das suas agências ou dos seus negócios. Haja paciência. Para eles e para a trintona irritante que insistiu em ficar em pé ao meu lado, quase nem me deixando respirar.

Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
03/11/2005