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Ghostemane
Lisboa Ao Vivo, Lisboa
20-/02/2019


Às vezes, basta ler uma ou duas palavras para despertar o nosso interesse por um determinado artista. "Ecléctico" pode ser uma delas. "Fenomenal" não o é tanto. "Intérprete de Xutos & Pontapés" leva-nos imediatamente a deitá-lo para o caixote do lixo de onde nunca deveria ter saído. Mas depois há isto: trap metal. Background: bandas de hardcore e doom metal norte-americanas. Banda-sonora da adolescência: Carcass, Mayhem, Death. Maior influência: Bathory.

Estas últimas descrições pertencem a Ghostemane, rapper da Flórida que se estreou em Portugal com um concerto no Lisboa Ao Vivo, adiado por um dia após ter sido detido em Espanha por uma bronca qualquer que envolveu a destruição de um camarim (ao longo da noite, foram muitos os gritos de fuck the spanish police! ou fuck the police! no geral). Uma estrela rock à antiga, portanto, mesmo que os palerminhas das guitarras torçam a cara de nojo ao fazermos este género de comparações. E é o rock que o alimenta: há a batida típica trap, com o seu chocalhar e minimalismo, mas também existe o expandir dessa sonoridade para terrenos mais próximos dos Nine Inch Nails ou do nu metal que julgávamos morto.

E é inevitável mencionar os Nine Inch Nails. Não só Ghostemane toca ao vivo uma versão de "Head Like A Hole" (que só três ou quatro pessoas dentro de um público sobretudo pré-pubescente pareciam conhecer), como a sua pose em palco, duas mãos no microfone e costas arqueadas, é em tudo semelhante à de Trent Reznor. Ghostemane andou a ver os vídeos certos. E, como Jonas Åkerlund, quer trazer a estética metal para um mainstream que ao longo da história fugiu dela a sete pés.

No entanto, mais que nos levar a queimar igrejas, Ghostemane parece querer apenas dar aos putos um escape, algum ruído num mundo de pop límpida e incestuosa. Dedica canções a metaleiros e punks, pede que se abra o moshpit ou o circle pit (ordens prontamente acatadas, mesmo que o resultado final seja ridículo porque esta gente nunca foi a um concerto desses a sério), traz consigo um guitarrista com corpsepaint que não tocou uma puta de uma única nota e vai oscilando entre o playback e a sua voz real, como quase todos os rappers parecem fazer num contexto ao vivo, mesmo que o concerto em si vá rolando sem pausas de maior (estou a olhar para ti, A$AP Rocky).

Se de vez em quando ainda se vai achando alguma piada ao thrash que ora por ora navega sobre a sala e ao caos que ele quer criar em palco, noutras situações Ghostemane mais não é que o reavivar de memórias antigas do secundário, quando a malta toda ouvia Korn e Eminem e nós só pensávamos em chegar a casa e meter a tocar Burzum. Ou seja, até pode ser giro caso se tenha a idade certa para isto, mas quem já viu de tudo só se irá sentir como um Francisco entre as Bandeiras (ter tido alguém a cravar um cigarro tratando por "você" não ajudou). Não obstante, o norte-americano e sua crew fizeram a festa, chegando mesmo a partir o̶ ̶t̶e̶l̶e̶m̶ó̶v̶e̶l̶ uma guitarra, em palco. Os putos curtiram e levantaram corninhos. Ele saiu e declarou juras de amor a Portugal. Às vezes também é só isso que basta.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
22/02/2019