Linda Martini / The Vicious Five
FLUL, Lisboa
13/10/2005
Bem, era a minha faculdade, não estava à espera de nada de especial, obviamente, mas eram 2 € e as dores nas costas já me estavam a passar, pelo que decidi ir. Na boa, era como se estivesse... errr... "em casa". Chego lá à porta, depois de passar pelo Miguel Ângelo dos Delfins e por um conhecido jornalista da nossa praça que me falou da primeira vez que entrevistou o José Cid, e aquilo, para aí meia hora depois da hora marcada, ainda não está aberto. Adivinhavam-se belos tempos de espera, altura para falar com a malta, discutir isto ou aquilo, pedir desculpa por isto ou aquilo.
Espero, e espero, e espero. Saem dois tipos musculados com credenciais ao pescoço a dizer "Linda Martini / Vicious Five Staff". E não tinham sido escritos com esferográfica em papel quadriculado meia hora antes, tinham sido impressos a cores. O profissional estava desde logo ali patente. Há que dizer que o local era o Bar "Novo", que tem uns 20 anos, ou assim (viva a imprecisão histórica), e que normalmente é um buraco onde os alunos que faltam às aulas jogam às cartas. Já foi capa d'O Crime, com o título: "FOMOS COMPRAR DROGA À FACULDADE DE LETRAS" ("nós não sabemos, mas disseram-nos que era boa e bem aviada"). Qual não é o meu espanto quando finalmente as portas se abrem, pago os 2 € e aquilo parece outro sítio totalmente diferente. Nem acreditei que era a minha faculdade. A sério, o meu pensamento foi: “Isto não é a minha faculdade, não pode ser a minha faculdade.”.
Há um palco no Bar Novo, mas a Associação de Estudantes decidiu que esse palco não ia dar, por isso, numa jogada muito à Lightning Bolt, não havia palco, as bandas iam tocar ao nível do público. Aquilo estava cheio, obviamente, os Vicious Five juntam as pitas do hardcore à malta indie no seu público, o que resulta sempre em, err, gajas. Já tinha sido assim no lançamento de Up On the Walls na ZDB, só gajas. Nunca tinha visto nenhum dos dois espaços assim tão cheios (o Bar Novo e a ZDB). A malta ia buscar mais uma imperial, que estava ao preço de 1 €, e outra, vê-se gente, cumprimenta-se, diz-se mal deste, daquele, a cena normal. O DJ, que era de Belas-Artes e não de Letras, passava Pere Ubu e cenas em alemão, industriais, urbano-depressivas e assim. Passou “Transmission” dos Joy Division, para deleite de, foda-se, toda a gente.
Os Linda Martini começam a tocar para aí uma hora e tal depois da hora marcada (imprecisões históricas outra vez). Aquelas dinâmicas do pós-rock, as guitarras distorcidas e a bateria são interessantes. Era impossível vê-los, obviamente, porque não havia palco. De vez em quando dava para ver uma cabeça com cabelo comprido. Diz-se por aí que a baixista é gira, mas muitos dos membros têm cabelo comprido também. Isso é extremamente frustrante quando só podemos ver o cabelo. A banda escolheu cantar em português, mas não ouvimos muito disso. Talvez ainda bem, porque, apesar de terem uma margem de progressão enorme, as letras ainda são pensadas da seguinte forma: "O que é que o Manuel Cruz [Ornatos Violeta / Pluto / Supernada / Foge Foge Bandido] faria nesta situação?". E a voz não ajuda. Um dia, espero eu, e daqui a bem pouco tempo, estes jovens vão ser grandes. Ou então vão dar uma de Toranja (não me processem, estou a brincar). Ouvimos, então, as partes instrumentais de malta que interiorizou bem os Mogwai, os Slint, os Explosions in the Sky e os Isis. Vou buscar uma imperial, está uma senhora de mais de 40 anos com uma T-shirt de Vicious Five, com ar de quem não se está a divertir muito. Isto dura uns 15 minutos ou mais, mas o quadro vai abaixo. Sim, era o jogo do quarto escuro no Bar Novo. Que experiência alucinante… não havia luz, alguém chama o piquete de emergência e só o baterista dos Linda Martini continua a tocar. As pessoas batem palminhas, gritam, etc., tudo ali. Foi aí que me lembrei: “Ah, afinal é a minha faculdade.”. Foi um misto de desilusão e alívio, uma sensação muito estranha.
Vou lá para fora, o calor aperta quando se é, tipo, gordo. Ouço gente a cantar “Eye of the Tiger”, dos Survivor (sim, “a música do Rocky”). Volto lá para dentro, porque alguém decidiu que devia haver frio em Outubro, assim de repente. Ainda podiam ter sacado de umas guitarras acústicas, feito uma fogueira e juntado toda a gente à volta da mesma, fazendo uma jam free-folk ou assim. Mas não. Toda a gente diz parvoíces, muita gente vai-se embora. Poucos ficam, à espera que tudo seja resolvido. Volto lá para fora. Um dos membros dos Vicious Five diz que é só chegar um segurança com uma chave para abrir uma porta. Eu, claro, digo: “Foda-se, vocês são uma banda de punk-rock, partam essa merda, caralho!” Seria uma situação a recordar, um episódio para os livros de História do rock em Portugal. Mas não, a malta decide esperar pelo tal segurança. Tenrinhos. Passado um tempo, o vocalista dos Vicious Five vem cá fora com um megafone e diz: “Os Linda Martini vão tocar mais 2 temas. Voltem.”. Um gajo volta e parece que vai mesmo acontecer. Mas não, o quadro vai outra vez abaixo. A sorte é que, com menos gente na sala, dá para ver a baixista dos Linda Martini que, sim, é muito gira e, sim, usava um ganchinho no cabelo e, sim, sabe tocar, mas esta última parte não deu para confirmar.
Mais uns copos, mais umas conversas estúpidas, mais calor, mais suor, e, de repente, alguém da Associação de Estudantes saca do megafone. “O concerto foi cancelado, já rebentámos dois quadros, já chamámos o piquete de emergência há meia hora, podem vir cá buscar o dinheiro dos bilhetes.”. Aí o medo toma conta de mim, já que a minha mão tinha sido mal carimbada. Ainda se notava um bocadinho de vermelho, mas tinha medo que não me dessem o dinheiro de volta. Deram. São simpáticos, os tipos da Associação de Estudantes.
As bandas ficaram por lá, chateadas por não terem tocado, mas com pizza e cerveja para compensar, dádivas divinas e irrecusáveis. Não tocar, polegar para baixo, comer e beber, polegar para cima. Das 23h00 até depois das 2 da manhã: um concerto que não aconteceu, mas uma noite do caraças. Mas o concerto já foi adiado para dia 5 de Novembro no Santiago Alquimista, um local que, na escala de punkness, tem um 5 quando o Bar Novo da FLUL tem um 10. Mas pronto, lá terá de ser. Poderei finalmente confirmar os Vicious Five depois de já conhecer bem o disco e ver se a baixista dos Linda Martini traz ou não um ganchinho outra vez. Espero é que o quadro rebente outra vez, senão não terá nem metade da mística, nem metade da piada.