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Animal Collective
Cineteatro Capitólio, Lisboa
21-/06/2018


À mesma hora em que os LCD Soundsystem procuravam, no Coliseu dos Recreios, deixar para trás o seu passado para mostrarem que, apesar de tudo, são uma banda que vive no presente (iniciando o último dos seus três concertos naquele espaço, esta semana, com a fabulosa "Losing My Edge", para tristeza de quem os viu nos dois dias anteriores, em que não a tocaram), os Animal Collective subiam ao palco do Capitólio para votar atrás no tempo e a Sung Tongs, álbum que, em 2004, os deu a conhecer a uma boa fatia da população indie - cimentando-os como uma das bandas que marcou a década dos zeros, mesmo que a este se tenham seguido outros álbuns esplendorosos: Feels, Strawberry Jam e Merriweather Post Pavillion, uma tríade que poucas bandas, em especial as que rebentaram no novo milénio, conseguiram igualar.

À mesma hora, dizíamos nós, em que os LCD Soundsystem pisavam pela última vez aquele Coliseu, centenas de fãs, antigos e novos, iam enchendo o recém-recuperado Capitólio para estudar a simbiose perfeita que existe entre Avey Tare e Panda Bear, David Portner e Noah Lennox, mesmo que o medo tenha sido uma constante até à hora do início do espectáculo; medo porque, como alguns bem diziam, os Animal Collective raramente conseguiram mostrar, ao vivo, o porquê de nos fascinarmos tanto com as suas obras de estúdio. Isto, dito de forma simpática. Podemos ser mais honestos: os Animal Collective até então tinham sido quase sempre uma bela merda ao vivo.

Enganámo-nos, fizemos mea culpa, prostrámo-nos diante de Deus e pedimos respeitosamente pela Sua clemência poucos minutos após o início do concerto, Avey Tare e Panda Bear lado a lado, armados apenas com as suas guitarras, as suas vozes em coro processado por efeitos, o simples bombo que ocupava o centro do palco. Enganámo-nos porque bastaram alguns segundos para vislumbrarmos a felicidade em cada rosto que ali se encontrava, que é o que na verdade é o mais importante; dizer que tocaram bem ou mal, assim ou assado, isto ou aquilo, tudo nos parece incrivelmente inútil quando nos damos conta daqueles sorrisos, daqueles olhos marejados, daquele grito - melhor banda do mundo! - saído da garganta de rapazes da Internet...

Tudo nos Animal Collective e no espetáculo que apresentaram esta noite em Lisboa parece uma brincadeira de criança, e se calhar é-o de facto; não é música adulta, não é uma correria desenfreada e pseudo-progressiva, não é tecnicamente nada de especial e musicalmente varia tanto quanto um quadro de Jackson Pollock - sendo também uma gatafunhada colorida, uma explosão de dedos e de tons. As guitarras são dedilhadas de forma pateta, o pé bate no chão, os gritos e guinchos e onomatopeias ecoam pela sala, e no entanto tudo isto resulta e é tão extraordinário que só sentimos vontade de nos sentarmos e apreciarmos e darmos as mãos e, quem sabe, cantar o "Kumbaya", porque apesar de Trump e da Coreia e dos emigrantes e do Sporting este sim, parece ser um mundo decente, um mundo bonito, um mundo em que os Homens vivem em harmonia com os Homens... Um sonho acordado e bucólico que, no fundo, deve ser o Paraíso - se é que o Paraíso existe.

Acreditamos no Paraíso porque vimos os Animal Collective, dois deles, a tocá-lo perante um rol de caras conhecidas - naquilo a que uma fotógrafa fixe e famosa se referiu como "um congresso do Fórum Sons" -, acreditamos porque ouvimos "Who Could Win A Rabbit", acreditamos porque a dada altura o palco é invadido por uma luz escandalosamente branca e Daniel e Noah parecem dois anjos incorpóreos no meio do noise, acreditamos porque são concertos como este que nos fazem lembrar o porquê, exactamente, de gostarmos tanto de música: a comunhão, a surpresa, o som, a cor, a forma, o abraço e o beijo e o sorriso e aquela sensação de que quem trabalha só poderia escrever um texto a exagerar a experiência para quem não lá esteve. Em nome desses ficará a nossa empatia...

(O Eric Copeland, dos Black Dice, fez a primeira parte e deu um concerto entre o ruído e o dançável, espécie de Suicide versão techno que serviu para aquecer um bocadinho em noite ainda mais quente. Mas, valha a verdade, o que é que isso interessa quando comparado com Sung Tongs? Porra nenhuma.)

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
24/06/2018