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Luís Severo
Teatro Ibérico, Lisboa
30-/03/2017


É tão bonito quando acompanhamos um artista desde os seus primeiros passos até à sua consagração. "Consagração", sim, mas com reservas: por um lado é-o de facto, já que ninguém enche por duas noites o mesmo Teatro sendo um músico de nicho. Por outro lado, ao apelidarmos estes dois concertos de Luís Severo no Teatro Ibérico como sendo de "consagração", parece que damos a entender que, a partir daqui, tudo estagnará - ou, pior, cairá. Não será esse o caso. O homem que já foi cão e hoje é monstro tem tão mais ainda para dar.

Percebeu-se isso logo pelo mote do próprio concerto: Severo ao piano, sem qualquer outro acompanhamento, dando uma outra roupagem às canções que só por si já eram belíssimas. Severo sem pausas, correndo a primeira parte do gig de fio a pavio, sem ressalvas, sem larachas, apostando na técnica e na concentração (mesmo que esta falhe por vezes, como em "Cara d'Anjo", o que lhe merece um sonoro e genuíno «foda-se!», proporcionando aplausos e gargalhadas). A canção pop transformada em arte pura.

Transportados e embalados por aquelas peças pretas e brancas, o público foi percorrendo - com Severo - não só as canções do seu novo álbum, homónimo, mas também temas que fazem parte de outras viagens, como "Cabanas Do Bonfim", "resgatada" aos Flamingos dos quais também faz parte. Nada faria prever, contudo, a pungência cálida de "Vida De Escorpião", com um motif semelhante à "Sonata Ao Luar", de Beethoven, com as luzes de palco reduzidas a um mínimo e o verso sobre os demais: «não sou burguês nem do povo / eu nem sei se tenho destino».

Já em modo mais ou menos encore, Severo ainda pegou na guitarra para "Abençoar" o público num sussurro, exclamar que "Ainda É Cedo" e, a pedido de alguém presente na noite anterior, viajar até à maravilhosa "Videmonte", também dos Flamingos. Consagrado ele e aturdidos nós com tamanha beleza. E com boas perspectivas para o futuro, não só o dele como o de Lucía Vives, que abriu com cinco canções de pop de quarto em modo grind (as in: cinco canções em outros tantos minutos). Dela é também este "Céu Azul".

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
31/03/2017