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Thievery Corporation
Coliseu dos Recreios, Lisboa
15-/02/2017


Agora já todos gostam de Thievery Corporation? Parece que sim, tendo em conta as filas intermináveis que, pouco antes do espectáculo, se iam vendo pelas ruas, numa demonstração de afecto raras vezes vista em concertos na capital. Afecto, sim, mas talvez não tanto pela dupla norte-americana, e mais pela possibilidade de tirar a fotozinha típica para o Instagrã, mais pela cara-metade que no dia antes foi "presenteada" com um bilhete, mais pela ideia de fazer do Coliseu, por uma noite, um gigantesco Sumol Summer Fest... É que só assim se explica tantos braços cruzados, tanta converseta, tanta betalhada a trepar de fora para dentro e de dentro para fora na pista do Coliseu. E os Thievery Corp. não mereciam isto - não só por serem nomes indispensáveis dentro do chill out, mas porque a sua mensagem é uma de revolução, e não de capitalismo simpático e resignado. Faltou sobremaneira um público que quisesse partir tudo com eles. E isso é lastimável.

Naquela que foi a primeira data da sua nova digressão, os Thievery Corporation estiveram sobretudo focados no álbum acabadinho de sair, The Temple Of I&I. Mas também andaram pelas canções que fizeram com que nos apaixonássemos, como "Until The Morning", logo a abrir, repescada a um passado com quinze anos: The Richest Man In Babylon. Durante hora e pouco de concerto, a dupla foi sendo acompanhada pelo seu vasto leque de colaboradores vocais, uns mais reconhecidos do que outros, embora nem o cavalheiro simpático que já havíamos visto em Coura 2008 e Alive 2011 consiga ser David Byrne em "The Heart's A Lonely Hunter".

Porque era a primeira data, também não ficaram de fora alguns problemas técnicos. "Le Monde", por exemplo, foi brevemente escutada ali à terceira canção - ela que só apareceria mais tarde -, sendo de imediato "trocada" por um tema novo. Alguns dos presentes na audiência descruzam os braços e erguem um isqueiro em nome da mudança, mas a grande maioria deixa-se quieta. Nem "Culture Of Fear" em modo dub paranóico fará algo por esta gente, que ainda assim consegue encontrar na sua vontade algum espaço para aplaudir (finalmente) "Le Monde", numa versão mais alargada que a que lhe conhecíamos.

Nos temas mais socialmente responsáveis e politicamente inflamados, os Thievery Corporation - ou, quiçá, os seus cantores - vão lembrando uns Public Enemy via Jamaica. O maior exemplo disto é "Ghetto Matrix", primeiro single do novo álbum, interpretado de forma irrepreensível. Até final, apresentadas as novidades, existirá ainda esse portento chamado "Warning Shots", com três vozes em palco, antes de um encore com "Sweet Tides", um pós-rock a abrir caminho para o que se seguiria: "Lebanese Blonde", naturalmente, e "The Richest Man In Babylon", de novo um saudável regresso a outro passado. Agora é barrar os Sebastiões e Afonsos desta vida de alguma vez voltarem a ver um concerto de Thievery.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
09/03/2017