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NOS Alive 2016
Passeio Marítimo de Algés
7-9/07/2016


Quando em Dezembro se organizar o ano em listas, como invariavelmente acontece, há que deixar um espaço reservado para a Everything Is New. Não que se deva dar demasiado destaque a uma promotora por oposição ao que realmente interessa, a música; mas o facto é que 2016 foi inteiramente seu, não só porque conseguiu "roubar" grandes artistas aos demais festivais - AC/DC, Justin Bieber e The Cure, por exemplo - mas também porque, na celebração da décima edição do NOS Alive, juntou um cartaz de verdadeiro luxo, talvez só equiparável ao mítico Super Bock Super Rock de 2007. Quem no seu mais perfeito juízo pensaria em ver Pixies, Robert Plant, Arcade Fire e Radiohead todos juntos na mesma frase? Se a música se tornou, feliz ou infelizmente, um produto, a EiN soube vendê-lo com o máximo de qualidade possível. Sendo nós capitalistas ou não, há que deixar o elogio.

Dia Um

Ainda não são muitos os que resolvem entrar no recinto à hora a que este abre as suas portas, sendo este o dia que não alcançou o propósito esperado - esgotar -, pelo menos à hora a que se escrevem estas linhas. Já são alguns aqueles que se concentram junto do palco principal e muitos outros os que se vão passeando pelo recinto ou fincando pé nos palcos secundários, onde às cinco da tarde os L.A. começam ao som de uma kösmiche aquática, que de pronto dá lugar a uma folk com sabor a Tio Sam. São poucos os que se levantam, preferindo poupar músculo para outras actividades; mas, quando entra a electricidade, reserva-se um soft spot pelos moçoilos, que com o seu rock radiofónico nos conseguem puxar minimamente para o primeiro momento de deleite. Há quem abane o pescoço em jeito de aquecimento, envergando vergonhosamente t-shirts do Unknown Pleasures em pleno 2016. E, com um "obrigado" bem português, os L.A. mostram ao que vêm: um som que pode não dar sede, mas que também não a mata. Podíamos estar perante algo muito pior. Mas sendo as canções minimamente aceitáveis (recorrendo, até, ao sempre salutar ritmo da "Be My Baby" das Ronettes), fiquemo-nos só pelo desejo de algo mais.

Os The 1975 são recebidos por uma multidão de cocuruto branco, enfeitado pelos chapéus da praxe, e de pronto mostram o seu funk branco que tem feito deles um caso sério de popularidade - não obstante as comparações, elogiosas ou não, com INXS. Coube-lhes a honra de abrir o palco principal e não o fizeram por menos, recorrendo a uma pop bem feita e - perceptível pelos gritos histéricos que brotavam da audiência - destinada, sobretudo, às adolescentes. Não que haja mal algum nisso. Num concerto coeso, destaca-se sobretudo a t-shirt de Michael Healy (Cannibal Corpse, caralho!) e os teclados muito eighties que polvilharam as suas canções com aquele algo mais delicioso. Um problema: talvez tivesse resultado melhor numa sala fechada. Mas deixaram boas indicações, não obstante o sono provocado por I Like It When You Sleep..., o seu novo álbum. (Paulo André Cecílio)

Ainda com o sol a deitar sobre o Palco Heineken, começava o espectáculo dos Vintage Trouble. O nome já traduz bem o que viria de seguida. Eram donos do visual mais elegante da noite, meio britânicos no rigor. Mas era apenas a aparência. A banda despejou toneladas de energia, mais parecia uma Ivete Sangalo de L.A.. Com tantos pulos e intensidade inquestionável, o concerto ainda poderia ser mais. O vocalista Ty Taylor me fez perder as contas de quantas vezes se jogou à plateia. Fez todos virarem-se de costas e revirarem-se novamente, e ficarem tontos. Sem dúvidas, um dos melhores do NOS Alive. (Matheus Maneschy)

Os Bob Moses não surpreenderam, na medida em que do duo canadiano já era esperado algo que se erguesse acima das demais propostas do clubbing de hoje. Perante uma multidão considerável e alguns barretes de Pai Natal, Tom Howie e Jimmy Vallance fizeram da dança o seu mote principal, fundindo pop, house, techno e ainda o embalo suave dos riffs de uma guitarra de forma irrepreensível, puxando às palmas e ao abandono. No final, ficamos com a sensação de que acabámos de assistir aos Underworld, versão século XXI: e melhor elogio do que esse será, acreditamos, impossível. (PAC)

Não houve falta de agito no primeiro dia de NOS Alive, mas um bocadinho mais não faria mal nenhum. Branko deitou abaixo o NOS Clubbing. Com um setlist impecável, fez-me "perder" o concerto do Robert Plant. A surpresa da noite foi um vídeo-arte que Branko mesmo produziu. Cheio de belas imagens, a mostrar cidades como Lisboa, Rio de Janeiro e Nova Iorque. Também passou por ali umas imagens do grande MC Bin Laden a fazer o lendário tranquilo e favorável (momento marcante do festival). Pois, assim é que se começa a bater saudade dos Buraka.

Os primeiros relatos de melancolia da noite chegaram com Wolf Alice, mas foram poucos. O Palco Heineken rapidamente encheu e a quantidades de fãs da banda britânica era assustadora. Certas vezes, os coros ecoavam mais alto que a própria voz de Ellie Rowsell. Alguns até arriscaram levantar a t-shirt em busca de algo que não percebo bem o que seria. A verdade é que os londrinos aqueceram bem cá no verão português, ainda que na ventania daquela noite. Wolf Alice misturam bem a calmaria com um rock bem desenvolvido e, principalmente, em plena sintonia com o público. (MM)

À noite tudo descamba, potenciado pelo álcool ou pelo cansaço. Os Pixies, ao contrário daquilo que fizeram no NOS Primavera Sound do ano passado, não se apresentaram em modo best of; desta feita, há um álbum novo a apresentar e, mais do que isso, toda uma nova juventude que quer provar-se verídica, rejeitar quaisquer noções nostálgicas que (ainda) possam existir. "Monkey Gone To Heaven" e "Gouge Away" ainda nos causam um leve arrepio nos braços, mas para além disso o bocejo sobrepôs-se ao carinho. Uma desilusão que os Soulwax prosseguiram, eles que começam por explicar o equipamento que usam (como se alguém quisesse saber), antes de arrancar para um ritmo tribal que, francamente, os PAUS sabem fazer melhor. Nem valia a pena ter esperado por "E Talking", caso tenha feito parte do alinhamento. Do outro lado, sofrendo com o que saía das colunas do clubbing, John Cooper Clarke metralhava piadas e poemas como um junkie louco e velho, num sotaque mancuniano por vezes imperceptível, ele que é "um minimalista desde 1958" e que tem um flow melhor que muito aspirante a rapper. Os Chemical Brothers, apesar do aparato visual que vale sempre a pena, também não conseguiram escapar à pachorrice e deram ao público do NOS Alive um set bastante previsível onde nem "Hey Boy Hey Girl" ou "Do It Again" conseguiram fazer a festa obrigatória. Foi pena... (PAC)Dia Dois

Há dois tipos de lava quente que marcam o segundo dia do NOS Alive. A primeira sai-nos das goelas, logo de manhã, depois de termos, quiçá, dado demasiado; a segunda sai do astro-rei e torna encarnada uma pele que tem orgulho de ser azul. Mas que importa isso quando Courtney Barnett não aquece mas sim electrifica os corações presentes no palco Heineken, por volta das sete da tarde? Apoiada no seu disco de estreia, a australiana trouxe a Algés uma série de desenhos bizarros, que iam sendo exibidos em palco, por trás da sua banda, e uma guitarra estupidamente grunge que fez as delícias de todos aqueles que ainda sonham com os velhinhos anos 90. Barnett or bust, leu-se num cartaz... E a endiabrada singer-songwriter, por entre a urgência das suas cordas, mostrou ser uma mulher muito perigosa ao longo do seu set - especialmente com "Pedestrian At Best", uma bojarda acima de todas as demais bojardas, que provocou a loucura generalizada e, claro, o crowdsurf.

Os Tame Impala reencontraram o público português pela quinta vez em seis anos, numa altura em que já não existe francamente pachorra para os aturar, queremos batatas fritas, queremos batatas fritas, porra!, mas mesmo com todo o fel que nasce do baço e desemboca nas mãos, o algodão-doce de "Let It Happen" faz a alma crescer três vezes e perdoar-lhes momentaneamente esse atrevimento de parecerem querer enjoar-nos à exaustão. Há braços que sobem e descem numa dança estranha. Melhor ainda, há t-shirts femininas que sobem e descem deixando a descoberto o alimento primário da humanidade. Em pleno pôr-do-sol, os Tame Impala trazem a luz, cores muitas e o tipo de groove psicadélico de que a criançada gosta... É deixá-los viver. (PAC)

O dia 8 era, sem dúvidas, o melhor dia do festival. E foi também o dia do melhor concerto. Father John Misty, o autor do que vi de mais intenso por ali. Claro que John Misty está longe de ser o que de melhor passou pelo Passeio Marítimo de Algés este ano, mas o além-música contou muito. A sensibilidade tão grande quanto a barba fez toda a diferença. Logo ao início, veio "I Love You, Honeybear" a dar tudo e mais um pouco. Alguns choros e abraços apertados foram causados, são os efeitos colaterais de algumas melodias. Nada que atrapalhasse a noite. Mas aí veio "When You're Smiling And Astride Me". Aí teve John Misty para toda a gente. Teve mensagem para ex. Teve beijo na pessoa do lado que não se conhecia. Em meio disto, um coro inacabável de "ôôôô", que chegou a parecer um concerto dos Arcade Fire. Father é um grande pai. (MM)

Era dos Radiohead um dos concertos mais aguardados do 2016 musical em Portugal; com A Moon Shaped Pool, os britânicos deixaram de rejeitar o seu passado, na verdade abraçando-o como um amigo há muito perdido, fazendo dessa forma as delícias de quem, saudoso ou estúpido - mais a segunda - clama apenas por "Creep". Que é uma bela canção. Mas não é a única canção bela dos Radiohead. Ouçam "Burn The Witch", a primeira faixa do novo disco, um ataque de pânico a baixa altitude que aqui se apresenta sem cordas mas tão tensa quanto em acrílico. Mais de cinquenta mil pessoas concentradas em Thom Yorke e companhia, até porque àquela hora mais ninguém tocava... E eis que surge "Daydreaming", soberba canção - e de uma solidão atroz; Yorke parece realmente, por momentos, cantar isolado de tudo o que o rodeia. Impressionante.

Nos Radiohead, especialmente nesta versão da banda que não se inibe de vasculhar o baú, ainda há muito que nos surpreende. Há pop electrónica, há krautrock rasgado, e há até quem os compare aos The xx (coitados...), prova cabal de que é dificílimo caracterizar uma banda tão camaleónica quanto esta. Feitas as apresentações de A Moon Shaped Pool, eis o primeiro grande momento de êxtase colectivo: "My Iron Lung", portento de guitarras salva-vidas, afogamento impedido pelas braçadas subsequentes de "Lotus Flower" (e sim, Thom Yorke dançou) e pela enternecedora "Exit Music (For A Film)". Com "Reckoner", o público, talvez mais propenso à rockalhada, volta a espevitar; mas é o momento rave de "Everything In Its Right Place", com o vocalista a bater palminhas e um sintetizador a fazer a festa, que se apresenta como um dos momentos mais interessantes da noite, antes de "Idioteque" testar a paciência desses mesmos rockeirinhos... que talvez tenham ficado bastante agradados com os riffs de "Bodysnatchers".

Do momento de comunhão em "Street Spirit (Fade Out)" os Radiohead saltam para o muito aguardado encore, não porque assinala o fim do espectáculo, mas porque nesta digressão tem guardado dentro de si as maiores surpresas; "Bloom" e "Paranoid Android" erguem bem alto a fasquia (como não entoar rain down, come on rain down on me?...), antes de "Nude" ressoar pelo recinto em todo o seu esplendor. E, de repente, quando alguns já abandonavam e choravam angustiados pela ausência de "Creep", eis que ela surge, grungy, alienada, com toda a gente sabendo os seus versos na ponta da língua, porque infelizmente os Radiohead são uma das melhores bandas do mundo com uma das fanbases mais imbecis. "Karma Police" para terminar e a sensação de dever cumprido. Uma sensação que há quatro anos não tinha existido. Já os podemos ver outra vez? (PAC)

Directamente do Reino Unido e de algumas décadas passadas, os Hot Chip brilharam em excesso no Palco Heineken. Confesso, que não os conhecia bem, ainda bem que um amigo disse-me que era imperdível. E foi. Tantos anos nas costas mas parecem ainda jovens. Com aquela empolgação de fazer o seu primeiro concerto. Foi bom tê-los visto mesmo à frente, e isto basta. Why make sense? (MM)Dia Três

A pedido de muitas famílias, ou na verdade apenas de um indivíduo, abandonamos a fortaleza para ir até ao palco Clubbing picar os Whales, meninos simpáticos da zona de Leiria que talvez precisem de ser salvos. Que a piada tosca com baleias não vos impeça de os descobrir ou redescobrir, contudo. O quarteto pratica um rock ocasionalmente electrónico gostoso, na onda de uns Galgo, onde as guitarras cintilantes se aliam aos ritmos de dança; este é o tipo de concerto que, às 17h do último dia de um festival, nos dá genica para continuar, mesmo que tenha ficado marcado pela estranheza que foi ver gente sentada junto às grades e uma fila considerável a dançar cá atrás... Um pouco mais tarde, e do outro lado, os Calexico dariam um concerto irrepreensível, indie rock latino que muito fez dançar a multidão ali colocada, spaghetti western musicado que terá feito o enorme Bud Spencer sorrir lá em cima. O público aplaude muito e ainda mais abana as ancas; há alguém que diz que compra erva num cartaz; há a magnífica "Cumbia De Donde" a dar vontade de fazer filhos. Podendo... (PAC)

O último dia de festival começou a trazer a melancolia saudosista de sempre. José González foi quem a trouxe primeiro. O Palco Heineken estava lotado como nunca, não era possível nem amarrar os atacadores, nem os cabelos. Com aqueles acordes calmos de uma guitarra cansada e frouxa, era também impossível não entrar na vibe proposta por José. Era a calmidão a apoderar-se de algum agito, como em "Crosses". E quando o sol começava a se pôr, a banda dava uma ajuda a mais na manutenção dos corações pulsantes. José González é belíssimo, e deve ser ainda mais num concerto intimista. Palmas para o sueco, que esbanja tanta latinidade que faz-nos duvidar a sua origem. (MM)

Primeiro escuta-se "Ready To Start", tema que dá o mote para que 55 mil pessoas juntem as mãos e orem colectivamente em honra dos Arcade Fire, sublinhando uma vez mais o amor que Portugal tem por eles e vice-versa; fomos um de três países a acolhê-los em 2016 e, não fosse Éder fazer disparar corações no dia seguinte, já teríamos aqui um motivo para gritar bem alto "campeões, nós somos campeões". Do casal Butler e Régine não se ouviu muitas palavras, mas ouviu-se sobretudo um concerto coeso e repleto de bons momentos, um concerto que deu continuidade à magia de há dez anos, quando Funeral deu uma sova emocional a muito boa gente.

De "Suburbs", uma canção "sobre saudade", passamos a "Reflektor", em modo house: teclados melódicos, ritmo gingão e o verso na boca, uma dança que "Afterlife" prosseguiu. "Normal Person", um dos temas menos celebrados de Reflektor, surge vestido à Talking Heads, levando milhares de gente a pular antes da magnífica "Intervention", que começa com Nirvana e acaba com "God Save The Queen", dos Sex Pistols, statement não se sabe de quê... Brexit, talvez. Mas que interessa o Brexit quando há o estrondo de "My Body Is A Cage", casais abraçados em juras e a brancura das vestes de Butler a dar o tom religioso de que a canção precisava? A vida são dois dias e o êxtase uns segundos. "No Cars Go" é emocionante, mas não chegou nem perto; "Ocean Of Noise" vê-los trazer a palco os Calexico para dar uma pequena ajuda.

A sequência "Neighbourhood" e "Rebellion (Lies)", salutar encontro com esse primeiro disco que os tornou num culto antes de se tornarem estrelas, puxou pela memória dos fãs mais antigos; "Here Comes The Night Time", depois do vocalista ter descido ao público e depois de uns quantos gigantones entrarem em palco para dançar um sambinha, amenizou as hostes até à chegada da chuva mágica de confetti. Mas não era a chuva que valia a pena. Era, isso sim, "Wake Up", onde alguém ganha uma pandeireta e outros milhares ganham mais uns quantos anos de vida. Mesmo que tenha sido um dos concertos menos bons dos Arcade Fire em Portugal, não foi menos que perfeito. E há tão pouca gente capaz de fazer isso.

Para o grand finale, o NOS Alive reservou a estreia da canadiana Grimes, que surge rodopiando em palco juntamente com as suas bailarinas, num concerto em que ainda estamos a decidir se foi absurdamente genial ou apenas um valente balde de merda - e o facto de parecer funcionar em playback não ajudou. Trazendo às costas uma capa de super-heroína do Tumblr, Grimes começou com a j-pop filtrada de "REALiTi" perante um público enormíssimo e entusiasta, que lhe há-de ter perdoado todas as falhas. Como a de "Be A Body" ter sido reescrita quando já era incrível antes... O melhor de Grimes é ver como é que uma pequena pinypon é capaz, a certa altura, de espalhar noise fodido pelo éter e gritar como muitos meninos do black metal gostariam de conseguir; o pior é quando o eurodance em ácidos começa a enjoar severamente. Talvez tenha sido arte performativa e nós não sabemos. (PAC)

Foi para o final, lá pelas uma e tal da manhã, que surgiu a dupla Ratatat. E foi mesmo para despedir em grande deste cartaz impecável. Pois, os nova-iorquinos trataram de fincar o público ao chão e era impossível de lá sair. No calar da noite, o som fez-se mais intenso e absurdamente alto. Era hora da ressaca de Arcade Fire e também hora de "Cream Or Chrome". As batidas se este deram aos novos temas de magnifique, e também à alguns clássicos mais antigos. Os Ratatat selaram com louvor. (MM)