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Iron Maiden
MEO Arena, Lisboa
11-/07/2016


Contar o número de t-shirts dos Iron Maiden envergadas pelo público presente esta noite na MEO Arena torna-se uma tarefa tão infrutífera quanto contar os grãos de areia de uma praia. São muitas, milhares. De mangas apontadas ao alto, onde cada braço se fecha em punho ou em corno, como que arremetendo o grito-base: MAIDEN!, para lá do mundo visível, onde só Deus sabe o quanto se suou para aqui chegar. O ritual é transmitido de pai para filho, de pai para filho, e há pelo menos três gerações hoje aqui presentes, sinal claro de que os Maiden, pese a idade, ainda são um nome de respeito... Talvez o *único* nome de respeito da velha escola do metal.

Há motivos para isso. Mesmo que o alinhamento já fosse certo de antemão - na digressão em torno de The Book of Souls, os britânicos têm-se mantido fiéis a uma lista de quinze canções -, um pouco como ir ver um filme ou ler um livro já sabendo o enredo, existe sempre algo passível de nos fascinar: a interpretação dos actores, a interacção entre personagens ou, no caso dos Iron Maiden, a forma como estes simpáticos senhores com quarenta anos de carreira ainda têm vagar para subir a um palco decorado com imagética Maia, fogo muito e, claro, a omnipresente mascote para dar ao seu público mais que fiel duas horas de alguns dos melhores riffs que a humanidade já ouviu. E, numa noite como a de hoje, nem precisavam de o ter feito. Bastava envergar uma camisola da selecção nacional e tecer loas a Cristiano Ronaldo. No primeiro caso até o fizeram...

Era de esperar que entre estas 18 mil pessoas existisse uma grande percentagem de adeptos de futebol. Viram-se uns quantos na Alameda, viram-se vários cachecóis e bandeiras portuguesas na MEO Arena. Mas, mais do que isso, viu-se que o respeito aos Maiden não esmoreceu com o tempo ou com a ressaca; há gritos de "Portugal allez" e de "nós somos campeões" mas é o coro "MAIDEN, MAIDEN, MAIDEN" que provoca um largo sorriso a um sempre em forma Bruce Dickinson, que correu de um lado a outro do palco, puxando pela audiência até cansar, dono de uma voz invejável e saudável tanto tempo depois. O primeiro sinal de que a noite seria memorável deu-se à terceira, com uma prestação incrível de "Children Of The Grave", uma canção que, diz o vocalista, os Iron Maiden escreveram quando muitos dos presentes ainda não eram nascidos. Pouco importa: eram esses que pareciam saber a letra de cor e salteado.

Num concerto em que o mote era o disco novo, acabaram por ser os velhos clássicos - como é normal numa banda com esta longevidade - a despertar ainda mais uma audiência que, durante toda a duração do concerto, se manteve sempre em pé, até mesmo nas laterais. Se "The Red And The Black" se apresenta épica, "Death Or Glory" não é mais do que um bocejo e "The Book Of Souls" só vale pela aparição de um Eddie com três metros, a quem é arrancado o coração, que no final é atirado para o público. Os gritos de verdadeiro deleite estavam reservados para o malhão que é "The Trooper", pelo meio erguendo-se o poema pela via de "Hallowed By Thy Name" e os coros, uma multidão de coros, em "Fear Of The Dark". Estava ganho logo ali; mas, até final, haver-se-ia ainda de ouvir "Iron Maiden" (que só não é um aceno às suas raízes punk porque os Iron Maiden sempre odiaram o punk...) e, já no encore, o Grande Bode olhou a Arena de frente para lhe explicar que o seu número era 666. Depois de tanta festa só nos resta a ressaca.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
13/07/2016