bodyspace.net


Babyfather / CAVEIRA
Musicbox, Lisboa
17-/06/2016


Tal como nos seus discos, Dean Blunt entra em cena debaixo de uma espessa cortina de fumo. Mas, desta feita, não esconde o rosto na escuridão, como se quisesse que nós saibamos que é ele o homem tornado Babyfather, é ele quem dá voz a este hip-hop quebrado e surreal. A alma quer ser carne, o vulto quer ser estático. Em nova vinda a Portugal para apresentar BBF Hosted By DJ Escrow, disco editado este ano pela reputada Hyperdub, Blunt fez-se acompanhar pelo segurança calmeirão da praxe, por um enrolador profissional de charros, por um inflador de balões e por um misterioso DJ Escrow, que se pensava ser o próprio Blunt, e que permaneceu escondido atrás dos pratos durante o espectáculo inteiro sem que o seu carregado sotaque brit negro nos deixasse perceber sequer o que dizia.

Antes de Blunt, os CAVEIRA pisaram o palco do Musicbox para destruir o rock n' roll, tal como têm feito desde há mais anos do que aqueles que nos lembramos. O agora quarteto ergueu uma muralha de som impenetrável, que não respira nem deixa respirar, e de uma violência tal que, ao pé de Pedro Gomes, Gabriel Ferrandini, Pedro Sousa e Miguel Abras, os hooligans russos não passarão de um grupelho de putos do infantário. Andámos nós esta semana a discutir o futuro da música portuguesa quando mais valia termo-nos continuado a espantar com o seu presente...

Mas se é de futuro que queremos falar, eis Blunt, Babyfather, ex-Hype Williams, o futuro da música britânica. O homem de fumo, com a Union Jack bem visível em palco: afinal de contas, this makes me proud to be British, this makes me proud to be British, this makes me proud to be British, mantra repetido ao infinito, é também o mote geral para BBF Hosted By DJ Escrow. O homem de fumo, que durante meia hora se limita a chupar o seu apelido com os lábios, enquanto uma selecção hip-hop e grime se fazia ouvir pelo Musicbox. O homem de fumo, brinco na orelha, olhos contemplando a audiência, que finalmente solta a voz e faz erguer alguns braços.

Se é verdade que BBF Hosted By DJ Escrow é um disco majestoso, há que dizer que este homem não o terá conseguido, quiçá, transpor para o palco - mas, por outro lado, mais que concertos, Blunt dá sessões de arte, gesamtkunstwerk nascido nos subúrbios negros de Londres. Faltaram sobretudo canções - mas houve ruído muito, ritmos dub minimais (como em "War Report", um dos temas melhor recebidos) e, no final, a pièce de résistance que faltava. Blunt ergue o punho direito, grita black power!, deixa cair o microfone e desaparece de novo por entre o fumo, enquanto alguns tentavam perceber aquilo a que tinham assistido durante uma hora e meia, e outros se congratulavam com os balões adornados pela bandeira do Reino Unido. A moral da história? Brexit nem pensar.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
20/06/2016