Por volta das 21h, assistimos a um momento verdadeiramente estranho, em que há mais gente a tentar entrar no Teatro Politeama para assistir à
República das Bananas do que no Coliseu, para aquela que foi a estreia dos Linda Martini nesta mítica sala lisboeta. Um pensamento assustador percorre-nos o cérebro: será este espaço demasiado grande para os Linda Martini? Será que a
juventude sónica que os acompanha há mais de uma década não respondeu à chamada? Terá sido a chuva, ou o Barcelona x Real, ou o simples facto de ser sábado à noite e mais vale ir ao Bicanela beber uns copos?
Meia hora depois, a hora marcada, tais receios revelaram-se infundados. O círculo do Coliseu foi-se progressivamente enchendo daqueles que decidiram vencer o tempo invernoso, as cadeiras nas laterais também. Filhos, pais, quiçá alguns avós; não faltou ninguém para fazer a festa bonita que a banda merecia. Muito provavelmente,
há dez anos, ninguém esperaria que os Linda Martini pudessem vir um dia a tocar no Coliseu - e ainda para mais a solo. Sim, esta foi uma aposta ganha - e quase nenhuma outra banda portuguesa nascida no século XXI seria capaz de a concretizar.
Porque a noite era (também) de apresentação do seu quarto LP,
Sirumba, é o tema-título que começa a irromper pelas colunas. O disco havia sido lançado no dia anterior. Vinte e quatro horas depois, já há miudagem nas filas da frente que sabe de cor e salteado cada palavra debitada por André Henriques, o poeta transformado em vocalista, ou o fadista - que, sim, a música dos Linda Martini é um brilhante fado eléctrico - vestido de meia estrela rock. Meia, porque para ser completa precisaria de transbordar de arrogância. Os Linda Martini são humildes, trabalhadores, suaram para aqui chegar e não vão estragar o momento com
show-off. Nem a boca expectável a Miguel Araújo e António Zambujo o estragou.
É com "Juventude Sónica", a tal que celebra a balda como os Despe & Siga nunca conseguiram, que se assiste aos primeiros momentos de
crowdsurf, muito por culpa de um moçoilo calvo, e algo encorpado, que a dada altura, parecia estar prestes e preparado para levar no focinho dos seguranças. A violência ficou de parte, por isso exulte-se o amor: "Amor Combate", essa canção maravilhosa, essa dor que arde nas guitarras do quarteto lisboeta,
scorched earth policy adaptada ao rock e que provoca o caos nas filas da frente. Quem não chora não é duro, é só envergonhado.
Admitamos. Não há um concerto mau de Linda Martini; por vezes, pode suceder que a banda se encontre mais ou menos adaptada ao que se passa em seu redor, seja o público, o som ou outra coisa qualquer. Da garbosa "Mulher-A-Dias" que
viu o dia perecer, passamos para "Estuque" e para os isqueiros ao alto, antes de entrarmos de braço dado por aquela "Volta" fora.
O fado agora quer ser samba... E puxa-nos pela mão e faz-nos dançar como quem embala uma criança.
O fado agora quer ser samba... E os casais trocam carícias, juras, memórias.
O fado agora quer ser samba... E o mundo, um moinho, faz da saudade uma revolução.
Se em "Dá-me A Tua Melhor Faca", que nem precisava de ter André Henriques a cantar, faz-nos estranhar o
moshpit entretanto criado, em "Ratos" esse mesmo território em estado de guerra é justificável pelo poder que emana daquela voz, pelo bailado
hardcore de Cláudia Guerreiro, pela frieza profissional de Pedro Geraldes e pela bateria de Hélio Morais, a juventude em baquetas por oposição à
pátria de chuteiras de Nelson Rodrigues. A baixista termina assobiando e a banda despede-se pela primeira vez, antes de regressar para um encore de peso: para além da continuação da
Sirumba ouviu-se a muito bem recebida "Este Mar", os dentes cerrados de "Belarmino" e o graffiti-canção de "Cem Metros Sereia", que já havia sido requisitada pelo público minutos antes pela entoação do seu refrão, e voltou a entoá-lo, aos pulos, como que querendo que esta casa, esta noite ocupada pelos Linda Martini, viesse realmente abaixo. Não veio. Mas deu-nos vontade de foder e amar mais, de sorrir e beber mais, de continuar a ouvir mais e mais a música que estes senhores decidiram colocar no mundo. Vieram para tocar por duas horas. Saíram daqui com lembranças para a vida. E ainda houve tempo para "O Amor é Não Haver Polícia", porque o público tinha que ser inteiramente saciado - ou não faria sentido. Ver para além deles não o faz, aliás.