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Papaya / Black Bombaim & Peter Brötzmann - Festival Rescaldo
Culturgest, Lisboa
26-/02/2016


Quando no ido ano de 2008 este que vos escreve se dispôs a enveredar, pela primeira vez, pelos campos do free jazz - e nomeadamente através de Machine Gun, obra máxima do cavalheiro Peter Brötzmann - longe estaria de saber que, oito anos mais tarde e sob a aura gelada de um Fevereiro quase morto, se estrearia em concertos na Culturgest logo pela mão do alemão dotado de um bigode belíssimo; assim como provavelmente não imaginaria que estaria a escrever sobre esse mesmo concerto para uma webzine de renome, assim como provavelmente não imaginaria que Brötzmann tocaria com uma banda portuguesa, assim como...c O passado, ora por ora, volta para nos assombrar. O que o Rescaldo faz, ano após ano e com a sua programação, é mirar o futuro. A sua edição de 2016 estava recheada de coisas absolutamente deliciosas, e essenciais para o futuro que correrá: Filipe Felizardo a mostrar o magnífico Volume IV - The Invading Past And Other Dissolutions, Timespine e Acid Acid, os essenciais HHY & The Macumbas e os Gala Drop eram só alguns exemplos. E, mesmo que não tenha existido a possibilidade de acompanhar in loco todos estes concertos (falta de tempo, de dinheiro, por vezes até de vontade...), reconhece-se que este era, talvez, um dos melhores cartazes do ano no que à fauna festivaleira nacional diz respeito. Porque, sem medos, olhava para a frente.

Olhou, por exemplo, para o potencial escondido que existe nos Papaya, manifesto noise rock escrito a três mãos e com o rosto de Bernie Sanders a iluminá-los (ou, pelo menos, a iluminar a t-shirt de Bráulio Amado). Por vezes deslumbrantes, quando arrancam para aquelas cavalgadas épicas que não nos fazem estar quietos, por vezes dançáveis, consoante o groove que iam mostrando, raras vezes aborrecidos, excepto quando arrastavam demasiado a canção. No seu todo, mostraram óptimos argumentos para que queiramos continuar a acompanhá-los como temos feito até agora; ou, até mesmo mais do que isso, mostraram excelentes argumentos para nos levar a dá-los a conhecer ao mundo. Toca a spammar as páginas de promotoras e festivais extra-tuga com o Bandcamp dos Papaya...

E se não fazemos o mesmo com os Black Bombaim é porque eles já não precisam. Foram à Califórnia recentemente, já actuaram Europa fora em festivais de culto, estiveram em Marrocos; os mais atentos sabem quem eles são e exultam-nos tanto como nós. E, ainda assim, não obstante o poderio do trio de Barcelos, foram completamente ensombrados pela presença de Brötzmann, que se empoleirou nos ombros dos gigantes, arrancou com o seu sopro fortíssimo e não mais deixou de reluzir, até final. O concerto era Black Bombaim + Peter Brötzmann, mas o saxofonista alemão nunca seria apenas mais uma peça na engrenagem do rock stoner; o peso da sua história é tão grande como o peso do seu timbre. E o concerto marcou, ao contrário do que se dizia nas primeiras linhas deste texto, o único momento no Rescaldo em que o passado se impôs ao futuro. Se isto é lamentável? Não, de todo. Nós é que ainda estamos todos na fase de digerir a sopa.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
01/03/2016