Não há como não rir à gargalhada quando os
Sunflowers arrancam o seu concerto - e, por conseguinte, dão o mote para a segunda semana do Jameson Urban Routes - com um
snippet de "Take Me Home, Country Roads", de John Denver, em estilo de trocadilho piadético para com "UFO, Please Take Me Home", que surgiu logo a seguir. Um momento tão estupidamente punk que nem o grito
NÓS SOMOS DO PORTO, CARALHO! o suplantou. Aliás, não há como não rir à gargalhada da postura em palco de Carlos de Jesus, guitarrista
extraordinaire e irmão de sangue nestas coisas de odiar profundamente aranhas. Mas, e fora de merdas, os Sunflowers são das bandas mais essenciais do Portugal actual -
garage rock sem espinhas onde cabem canções fantásticas como "Mama Kim" ou "The Witch", onde os Ramones são relembrados através de uma versão da "Blitzkrieg Bop" e onde até os "convidados" La Femme não conseguem evitar o
mosh. Perto do final, receberam em palco o amigo Fred, dos 800 Gondomar, que a eles se juntou no baixo para uma música que
é fixe e cuja cavalgada
levou um alien a fazer
crowdsurf. Do caralho.
E já que falámos dos
La Femme e de punk, permitam-nos isto: a banda parisiense é a coisa mais punk a sair de França desde os Métal Urbain ou a "Lemon Incest" do Gainsbourg. Poucas foram as vezes em que o Musicbox esteve tão louco - se calhar até nunca aconteceu - como durante o concerto da banda, que se estreou em Portugal dois anos após a edição do seu álbum de estreia, eles que detêm um culto considerável por cá, prova disso ter sido este o único dia do Urban Routes que esgotou atempadamente. Três teclados em palco, um baixo, uma guitarra, uma bateria, e trezentas pessoas a dançar e a saltar e a sentir que a vida é bonita durante mais de uma hora, dentro da qual se ouviram canções como "Télégraphe", "It's Time To Wake Up" e, evidentemente, "Sur La Planche", a tal do anúncio da Renault.
Surf, psicadelismo, muita pop e uma
coolness característica que fizeram deste um dos melhores concertos do ano,
hype inteiramente justificado que terminou em apoteose - e com muito álcool despejado nas bocas da primeira fila - com "Antitaxi", que vistas bem as coisas deve ser uma canção pró-Uber. O problema: o segundo
encore, com "La Femme Ressort", feito forçadamente a martelo, estragou um bocado aquela que podia ter sido uma noite perfeita, à semelhança do concerto dos GY!BE no Amplifest em 2012. Mas que se foda; os La Femme chegaram, viram, venceram e ainda ficaram para tirar
selfies com fãs no dia seguinte.
Para fechar em grande o festival,
Ricardo Remédio subiu ao palco na noite de Halloween para começar a preparar os ouvidos alheios para a edição do seu futuro álbum, que sairá algures em 2012 e que, avançamos já, é uma evolução na sonoridade do ex-Löbo. Há aplausos quando tira a
sweat (como não, que gato!) e há gente a dançar ao som da tempestade eléctrica, electronicamente processada, que o músico veio desabar sobre o Musicbox, uma gravidade negra e violenta que atinge o seu auge na "velhinha" "O(s) Cobarde(s)", transportando-nos para um lugar sombrio onde os mortos dançam em câmara lenta. Sublime. Não menos sublime foi o concerto a meias dos
Suuns e
Jerusalem In My Heart. Os canadianos e o libanês radicado no Canadá apresentaram um espectáculo grandioso, com projecções particulares a iluminar o palco e uma dose invulgar - e extraordinária - de cantos árabes, seis cordas a ferver e ritmos
kraut. Arriscamos dizer que, se o público tivesse enchido a sala como o fez com os La Femme, este teria sido um momento tão efusivo como o costumam ser os concertos de Omar Souleyman. Como tal não aconteceu, ficámos só com a música - uma
trip fenomenal cujo ponto mais alto é "Metal", logo a abrir, quatro guitarras simultâneas que nos fizeram acreditar que Alá existe e Maomé é o seu profeta. Uma hora de magia onde até foi possível vislumbrar um
keffiyeh a ser girado no ar, no meio do público. E uma colaboração que, se em disco é interessante, ao vivo é um assombro. O Urban Routes terminaria com HHY & The Macumbas e RP Boo, não descritos aqui dada a indisposição súbita da fotógrafa Bodyspace - mas fica a ressalva de que as propostas apresentadas nesta edição compuseram aquele que foi, muito provavelmente, o melhor cartaz do ano. Em 2016 a fasquia irá estar elevadíssima.