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Camané
Culturgest, Lisboa
24-/09/2015


Camané prometeu subir ao palco do Grande Auditório da Culturgest com um espectáculo muito especial, diferente do seu registo habitual, com o objectivo de apresentar o seu novo disco, “Infinito Presente”. Fomos assistir ao primeiro de dois concertos e, apesar de se ter prometido dar atenção ao disco novíssimo, o concerto abriu com Camané em palco, sozinho, a sussurrar as palavras de um fado mais antigo, “Ser Aquele”. Notou-se desde logo a forte componente cénica, pouco habitual no domínio do fado. Entraram depois os instrumentistas: José Manuel Neto (guitarra portuguesa), Carlos Manuel Proença (viola) e Paulo Paz (contrabaixo).

O concerto arrancou mesmo com aquela, “Ser Aquele”, mas interpretada de forma breve. Percebemos depois que essa parte inicial do concerto se tratava de um medley, um medley longo onde, sem pausas, foram despachados de rajada os temas mais populares: “Mais um fado no fado”, “Marcha do Bairro Alto”, “Sei de um rio”, “A cantar é que te deixas levar”, “Ela tinha uma amiga”, etc., etc..

Infelizmente, esses temas, grandiosos na sua essência, foram interpretados de forma breve e a maneira rápida como era disparado cada excerto deixava apenas um gosto breve, para se passar ao tema seguinte. Aquelas músicas precisam de tempo para crescer, para serem bem digeridas. Assim, empacotadas para satisfação popular na forma de medley, não funcionam bem.

Despachado o medley (mais de vinte minutos), chegou o espectáculo a sério, a apresentação ao vivo do disco fresco. O trinar da guitarra de José Manuel Neto lançou o disco “Infinito Presente”, que desde logo mostrou um Camané clássico: aquela voz incrível, tensão dramática e contenção combinadas na dose certa. Outro dos temas iniciais foi “Chega-se a este ponto”, poema de David Mourão-Ferreira musicado por José Mário Branco - o produtor dos últimos discos de Camané, presente no espectáculo da Culturgest, no meio do povo.

Se nem todos os temas são memoráveis, há alguns que se destacam. Em “Lume” é cantado o reacender de uma paixão através de uma metáfora fumadora. Com “Ai Miriam”, um dos temas mais animados do alinhamento, é apresentada uma improvável heroína ciclista: “mas chegando a madrugada / montavas a bicicleta” (e este disco acaba por ter mais referências a mobilidade sustentável do que a maior parte dos programas eleitorais).

Camané apresentou as músicas novas, a sua voz assombrosa oscilando sobre a cama instrumental imaculada. O público aprovou, houve encores e ovações em pé. Após o espectáculo (e algumas audições do disco), fica a sensação de que este “Infinito Presente” mantém a qualidade que já lhe conhecíamos, estando ao nível do anterior “Do Amor e dos Dias”, embora não consiga alcançar aquela irrepreensível perfeição de “Sempre de Mim”.

Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
27/09/2015