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Reverence Valada
Valada
27-29/08/2015


Quando pensamos em festivais pensamos em grandes viagens de mala às costas, trinta mudas de roupa, toalha de praia e protector solar, produtos de higiene e droga suficiente para aguentar uma semana numa vila longe de casa. Quando pensamos no Reverence, bem... É mesmo aqui ao lado, bem pertinho das nossas caminhas, tão perto que os insectos, a tenda maltrapilha e as dores de costas ficam para quem gosta - nós, equipa Bodyspace, preferimos apanhar um regional e voltar para casa via boleias. Mal nenhum, certo?

A segunda edição do Reverence começou por prometer, com a presença de três grandes nomes cuja passagem por cá há muito que era esperada: Yawning Man, Man Or Astro-Man? e Sleep. A promessa passou a desilusão aquando do cancelamento dos dois primeiros, admitimos. Mas continuava a ser o Reverence, o festival onde fomos muito felizes o ano passado, com o condão de, desta feita, não se vislumbrar nem uma das perigosas aranhas verdes que nos atormentaram em 2014 e com a benesse de, este ano, haver máquinas de tabaco disponíveis no recinto. Aleluia, irmãos, fomos salvos. E então seguimos: rumo ao sol, a alguma poeira, a três dias de música em tons de arco-íris. (PAC)

O sol ainda brilha quando encontramos os Beautify Junkyards no Palco Rio, e temos de confessar que, passados três anos desde a fundação do grupo, continuamos sem perceber muito bem o que se passa ali. As influências parecem estar todas no sítio certo, algures entre os anos 60 e os 70, e há ali sem dúvida uma salutar dose de experimentalismo e de boa vontade, mas a verdade é que continuamos com a sensação de que aquilo ainda não funciona como é suposto. As vozes não soam bem, os instrumentos parecem não colar bem uns nos outros e tudo parece estar mais perto do desastre do que dum bom caminho. E ali, com uma plateia mais interessada em dormir a sesta do que em prestar atenção ao concerto, não é de estranhar que não tenhamos ficado com muito boa impressão. (JM)

Melhor impressão tivemos nós dos Galgo, grupo que começa agora a dar os primeiros passos no riquíssimo underground tuga, apresentando um rock semi-instrumental ("semi" porque há uma voz que é quase como que atirada ali para o meio, sem que tal se faça prever) ocasionalmente dançante e que, hoje, estavam claramente em modo fritaria: bom foi o ruído que do quarteto brotou, eles que souberam dividir bem as coisas - um tempo para o caos, outro para a melodia. Ainda não vimos muito deles, mas irão certamente dar que falar; o EP já espreita. (PAC)

Dos Chicos De Nazca, sabemos que vêm do Chile e que, surpresa surpresa, fazem da música psicadélica o seu modus operandi. E não há como negá-lo, os sul-americanos foram donos e senhores de um concerto capaz de induzir muito boa gente em transe e que primou pela competência em quase todos os níveis (tirando aquela abominável voz, cruzes credo). Ainda assim, findo o set, não conseguimos deixar de ficar com a sensação de que o psych que ali vimos nunca passou muito além da marca do genérico (sentimento, aliás, que grassou na maioria dos concertos que vimos no Reverence). Diz quem sabe que em disco têm um certo toque sul-americano; infelizmente, ali não se viu. (JM)

Havia quem dissesse que os Purple Heart Parade eram o grande nome deste dia, mas enganaram-nos redondamente. Não que tenha sido mau; apenas não foi transcendental, à falta de melhor palavra, ou, no mínimo, algo que nos pudesse ficar na memória por mais que duas horas. Mais que uma reinvenção dos anos 90, os Purple Heart Parade são um resquício dos mesmos, o grunge pairando por todo o lado e um set marcado por baladas francamente assustadoras (tínhamos anotado "secantes", que também serve). O resto, porém, foi aceitável - e ainda houve espaço para um delicioso tema que tinha como base um ritmo de dança à la Beta Band. (PAC)

A apresentar o seu LP de estreia, Ghosts, lançado em 2014, os The Vickers trouxeram ao primeiro dia do Reverence uma sonoridade inequivocamente britânica (o que tem piada, visto que os rapazes vêm de Florença; abençoada globalização). Com um psicadelismo despudoradamente influenciado pelos The Beatles e com laivos de quem almeja a ser "os novos Temples", os italianos brilharam e levaram ao Palco Rio um concerto solarengo e verdadeiramente bem conseguido, ainda que curto (quarenta minutos). E o final, com uma versão espacial de "Love You To", dos Fab Four, foi a cereja no topo do bolo. (JM)

Os Keep Razors Sharp são já um valor seguro do rock nacional, sabendo também disparar brita quando assim tem que ser e possuindo um notável ouvido para a melodia, mesmo que por vezes a temperatura que emanam do palco seja demasiado amena - mas é para isso que servirão as drogas, tanto que a dada altura perguntam ao público se estas estariam «a bater bem». Encontrá-los-emos mais vezes, sendo que em Valada do Ribatejo, apesar de bom, não foi o melhor que já deles vimos. (PAC)

Fechando o primeiro dia com o estatuto tácito de cabeças-de-cartaz (coisa que, em conversa, os próprios assumiram estranhar), os JEFF the Brotherhood deram um concerto que nos fez pensar no porquê de ter demorado tanto a estreia destes meninos em solo nacional. Com um pot-pourri estilístico impressionante (garage sem a acne, psicadélico sem a espiritualidade aborrecida, sulista sem o espírito redneck, grunge sem o sebo e a depressão, etc.), os irmãos Jake e Jamin Orrall, agora acompanhados de baixista e segundo guitarrista, dispararam em todas as direcções o seu rock suado e de pelo na venta, intercalando as visitas ao extenso catálogo com as canções de Wasted on the Dream, lançado este ano. Volume no 11, riffs ao alto, distorção a rodos e um meltdown de Jeff Orrall no final, a torturar a guitarra e a rastejar em palco enquanto amaldiçoava o DJ set que se seguia: o que se pode pedir mais? (JM)Chegamos ao segundo dia do Reverence ainda a tempo de apanhar os The Dead Mantra, a apresentar as canções do seu mais recente disco, Nemure (2014). Sem grandes falhas, mas também sem grandes momentos dignos de nota, o grupo desfilou o seu shoegaze-zinho perante um Palco Rio a meio gás, com a plateia indecisa entre aproveitar o show dos franceses ou dormir a sesta e carregar as baterias para Stoned Jesus. Verdade seja dita, os que escolheram a última opção talvez tenham sido os mais sensatos. (JM)

^ E certo estava o meu colega (não vimos Novella; provavelmente não perdemos nada de especial). Os Stoned Jesus vieram directamente da ressacada Ucrânia para dar um dos grandes concertos do festival, stoner que não caía na bonomia, um baixista com uma wifebeater do Autobahn (nota mental: quero muito!), uma banda que parecia estar a divertir-se imenss por ter vindo tocar tão longe de casa e um espectáculo que nos retemperou a bateria rock para o restante dia. Houve até espaço para O momento do Reverence: uma versão sumptuosa de "One Armed Scissor", dos At The Drive-In, que chocou uns e levou outros ao delírio. Enormes! (PAC)

Passamos pelo Palco Praia para espreitar os Cheatahs e não podíamos ter saído de lá mais desolados – não pela prestação da banda em si, mas sim pela plateia totalmente vazia. Quanto ao concerto em si, foi bom, ainda que talvez tenha pecado por mostrar em demasia as canções do novo disco (Mythologies, agendado para Outubro), em detrimento das malhas incendiárias do homónimo de 2013. Ainda assim, a explosiva "Geographic" a explodir (passe o pleonasmo) ali pelo meio fez com que este tenha sido um dos melhores concertos que ninguém viu em 2015; e é pena, porque com mais malta talvez se tivesse feito uma grande festa. (JM)

Os Process Of Guilt regressaram ao Reverence com o merecido estatuto de banda-de-palco-principal - eles que, dentro do metal nacional, são uma das suas mais interessantes propostas. Ou então, e que se foda, podemos muito bem exagerar com carinho e dizer que dentro do metal europeu são uma das suas mais interessantes propostas. O concerto, que se iniciou pelas 19h, começou tremido, com alguns perceptíveis problemas de som, mas melhorou substancialmente ao longo do período total de jarda, fazendo a terra vomitar e o nosso sangue ferver de raiva. O peso bruto dos moços quase que deita abaixo o palco; podia era ter deitado abaixo o sol, que a jarda dos Process é para ser sentida no meio do negrume.

Mas se os Process representam o novo, os Bizarra Locomotiva são um símbolo do oldschool, com mais de vinte anos de existência e muita força ainda para dar e vender. Desculpem, dissemos "força"? Queríamos dizer "enxerto de porrada". Diz-se deles que nunca dão um concerto mau; este, no Reverence, entre tantas e tantas bandas que, não obstante a qualidade que possam ter, não interessam puto, foi só dos melhores que já vimos. Ritmos industriais assinalando o triunfo da máquina, coadjuvada pela voz cavernosa de Rui Sidónio - o único em Portugal capaz de rivalizar com Adolfo Luxúria Canibal -, um público fervoroso a recebê-los e a tenebrosidade de "Mortuário" naquela que soou a uma celebração de tudo o que os Bizarra já fizeram (algo verdadeiramente incomensurável, admitamos). No final, restou a nudez e a sensação de que, ao pé dos Bizarra, os Black Rainbows mais não eram uma bandinha chata de skate rock. (PAC)

Não vale a pena estar aqui com rodeios, os Alcest não foram feitos para ser a banda de festival em que se tornaram. E não, não dizemos isto com um tom trve de quem achincalha tudo o que veio a seguir a Souvenirs D’un Autre Monde (2005) e Écailles De Lune (2010), até porque Les Voyages De L’Âme (2012) e Shelter (2014), não estando nem de perto nem de longe ao nível dos discos anteriores, também merecem o nosso carinho. Não, dizemo-lo porque há qualquer coisa que se perde na sonoridade dos franceses num palco em campo aberto, como a voz de Neige, que soa choninhas quando se quer etérea e patética quando se quer choninhas, ou a parede de som da distorção, que aqui passou os limites do razoável para o campo do ininteligível. E sim, claro que vibrámos que nem crianças a recordar "Percées De Lumière" e "Souvenirs D’un Autre Monde", mas não conseguimos deixar de ficar com a sensação de que dentro de quatro paredes a coisa tinha corrido muito melhor. (JM)

Apesar de Jon Spencer muito se esforçar, não há pachorra para aquilo que nos é dado a comer vezes e vezes sem conta; isto é válido tanto para o psych omnipresente pelo Reverence como para as inúmeras vezes que o frontman da Blues Explosion repete o nome da banda, num gimmick irritante que só distrai das boas canções rock que Spencer tem no goto. Seja como for, o norte-americano, mesmo que o seu currículo mereça todo o nosso respeito, mais não pareceu que um garoto ao pé da bojarda sonora que foi o concerto dos Sleep; não há que enganar, eram eles e só eles quem este público (bem composto) queria ver neste festival. Acenderam-se picas, abanaram-se as cabeças, e agradeceu-se ao trio ter criado algo tão assombroso de bom quanto o é "Dopesmoker". Também Al Cisneros agradeceu, prostrando-se no chão após o fim do concerto, rezando a um Deus desconhecido ou então à sua legião de fãs. Melhor ou pior que os Electric Wizard no ano passado pouco importa; foi um sonho em tons de arrasto. (PAC)Ahhh, o Barreiro, bastião nacional do rock enxuto, velha guarda e sem merdas, que tem sido berço, nos últimos anos, de coisas tão boas como Nick Nicotine e os The Act-Ups (já lá vamos), os PISTA e, claro está, Fast Eddie Nelson, que levou ao Palco Praia o seu blues rock à antiga, para gáudio de um bom número de resistentes que escolheu enfrentar o sol e a moleza típica da tarde. Num concerto que teve um pouco de tudo, inclusive moshes e piadas sobre mortes por overdose e electrocussão, o destaque foi, definitivamente, para a versão filha da puta (num bom sentido) que Nelson Oliveira e companhia fizeram de "Come Together", dos The Beatles. Tivessem sido todos os concertos como este e não teríamos fôlego nem para metade do festival.

Em busca de qualquer coisa que desenjoasse do omnipresente blues rock psicadélico, regressámos ao Palco Praia na esperança de vislumbrar a folk de Miranda Lee Richards, aqui acompanhada de membros dos The Brian Jonestown Massacre. Infelizmente, não se pode dizer que tenhamos visto grande coisa: as constantes falhas técnicas, a forçar pausas de quatro e cinco minutos entre cada canção, e o subsequente êxodo massivo do público (no final do concerto não restavam mais de cinquenta pessoas para contar a história) fizeram desta uma triste estreia da norte-americana em Portugal. (JM)

Já tínhamos visto os Samsara Blues Experiment num longínquo Sonicblast, do qual escrevemos: «concerto agradável q.b.». Bem, tal máxima também se aplica a este concerto no Reverence (ou então nós é que já estávamos fartos de tantas guitarras iguais umas às outras), um dos motivos pelos quais decidimos, a meio do espectáculo, ir à descoberta da aldeia para apanhar o Mágico Porto num café meio escondido e com cerveja barata. A julgar pela qualidade do jogo (que resultou, ainda assim, num 2-0 contra o Estoril) mais valia termos ficado a ver o resto do concerto. (PAC)

Já aqui falámos do Barreiro enquanto fonte de bom rock, e foi isso mesmo que se viu com o concerto dos The Act-Ups. Com Nick Nicotine a dirigir, o grupo foi vertendo o seu garage rock suado no Palco Praia, perante uma modesta mas fiel audiência de bravos que preferiram a distorção e as piadas em estilo deadpan à hora de jantar. Curto e grosso, como é suposto no que ao rock castiço diz respeito, foi um show de quarenta minutos que despertou uma larica de voltar a ouvir The Act-Ups Play the Old Psychedelic Sounds Of Today, in memoriam de verões passados.

É difícil sentir alguma compaixão por Joel Gion, desde 2011 numa carreira a solo ensombrada pelo "fantasma" dos The Brian Jonestown Massacre e de Anton Newcombe, quando vemos o norte-americano a fazer tão pouco para se demarcar da imagem da sua antiga banda e do seu alucinado líder. Sempre rodeado de membros, antigos e actuais, dos The Brian Jonestown Massacre, e com uma assinatura musical em nada diferente da que lhes conhecemos (em suma, rock psicadélico dos anos 60 misturado com desvarios shoegaze e uma sensibilidade que só pode ser filha dos anos 90), Gion tem muito pouco para trazer à mesa que não nos tenha sido já mostrado por Newcombe nos últimos 25 anos. E ao vivo isto traduz-se num espectáculo que, não sendo nada mau, só nos deixa com vontade de ver "a sério" os BJM.

Falar dos Amon Düül II é falar de uma parte significativa da história da música psicadélica e experimental; é falar do som que surgiu na Alemanha no final dos anos 60 e que ainda hoje continua tão fresco e actual como há quase cinquenta anos. E é impossível pensar no concerto dos alemães no palco principal do Reverence sem ter em mente o papel que estes tiveram no desenvolvimento da música moderna e sentir uma lagrimazinha a escorrer lágrima abaixo por termos a oportunidade de os ver ao vivo, em carne e osso, em pleno 2015. Não é de estranhar, portanto, que toda e qualquer pretensão de "isenção jornalística" vá com o galheiro e que não tenhamos nada senão coisas maravilhosas para dizer. Não, a voz de Renate Knaup já não tem o fulgor de outros tempos (e mesmo nesses outros tempos, sempre foi demasiado idiossincrática para agradar a todos) e não, os Amon Düül II já não têm a vitalidade nem a química presentes em Phallus Dei (1969), Yeti (1970) ou Tanz Der Lemminge (1971) mas, porra, só podem estar a mentir aqueles que disserem que não sentiram um arrepio espinha abaixo ao ouvir "Deutsch Nepal" ou "Surrounded By The Stars". E por muito que queiramos fugir aos lugares-comuns, ver um quase septuagenário como Chris Karrer a sair-se com um improviso de flamenco ou a partir tudo no violino é ver o adágio popular "velhos são os trapos" a ganhar vida.

Por mais confusa que tenha sido a confirmação dos The Horrors como cabeças-de-cartaz de um Reverence cheio de blues rock psicadélico, a verdade é que ainda nos custa a acreditar que tão pouca gente se tenha dado ao trabalho de ir até ao palco principal ver os britânicos (para terem um termo de comparação, a plateia tinha, no máximo dos máximos, um terço dos que ali estiveram para ver Sleep e um menos de metade dos que viram Amon Düül II). Nada que tenha incomodado Faris Badwan e companhia, que deram um concerto a todos os níveis competente, ainda que curiosamente mais centrado em Primary Colours (2009) e Skying (2011) do que em Luminous (2014). E ainda bem, acrescentamos nós, porque "Sea Within A Sea" e "Moving Further Away" fizeram o nosso sangue fervilhar muito mais do que "Scarlet Fields". (JM)

Já o relógio soava as 4h da madrugada quando Tiago Castro, ou Acid Acid, sobe ao Palco Praia para fechar com chave de ouro o Reverence Valada, escassas horas após a equipa Bodyspace se ter enfiado na zona do backstage para beber álcool à pala - já que o que é preciso é estar sempre bêbado, todo fodido. Não que a electrónica psicadélica que Tiago Castro apresentou tenha sido má - muito, muito pelo contrário, foi uma espécie de bálsamo depois de tanto riff; o nosso estado festivo é que se calhar não permite juízos de valor objectivos. Por isso vamos só dizer que foi do caralho. Assim se fechou o Reverence; para o ano, calculamos, haverá nova edição, havendo tempo para corrigir falhas (demasiados artistas similares, pouca variedade, escassez de autocarros entre o recinto e a estação em horas de calor, sobrelotação de metaleiros com pulseiras do Vagos) e outro tanto para confirmar, sei lá, os dois que cancelaram este ano. Ou então os A.R. Kane, vá. (PAC)

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
13/09/2015