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Dean Blunt
Lux, Lisboa
21-/05/2015


Descemos lentamente as escadas, sendo de imediato brindados pelo fumo que paira pela cave do Lux, como uma névoa oriunda de uma terra longínqua e difícil de se imaginar, já que a mente humana permite apenas um número finito de combinações. Eis algumas delas: um cenário raptado a Heart Of Darkness, um beco sem saída rodeado de graffiti, uma estrada encoberta pela sombra cujo destino é desconhecido - mas a viagem deve, obrigatoriamente, ser feita; em todos, a música de Dean Blunt poderia servir como banda-sonora, batida rudimentar e inclassificável que dele faz um dos grandes artistas da nossa geração - e poder-se-ia muito bem escrever «um dos grandes artistas negros», sendo Blunt muito provavelmente o Sun Ra do século XXI, mas reduzi-lo à raça (ou reduzi-lo sequer) seria um insulto.

 © Rita Sousa Vieira

O negrume, então, quente e absorto em si próprio, até que uma ténue luz se abre e uma figura monstruosa sobe ao palco, seguida de uma guitarrista - ou pseudo-guitarrista; "guitarrista" remete para uma questão mais técnica, e aqui a técnica é não existir técnica, por isso tenhamo-la apenas como alguém que "toca guitarra" - e de Blunt, cujo rosto se esconde por debaixo do boné. O público espera, ansiosamente, até que "50 Cent" ecoa, por fim, repescada que foi ao maravilhoso Black Metal (o álbum que Blunt editou o ano passado), com todo o seu esplendor gótico e estranhamente charmoso, como se os Cocteau Twins tivessem nascido no gueto.

 © Rita Sousa Vieira

Durante cerca de uma hora, talvez menos, talvez mais, não se sabe, o tempo ali pareceu não ser, Blunt mostrou a umas dezenas de pessoas porque é que é um dos músicos mais idiossincráticos destes tempos: tudo o que aqui se poderia chamar de "influência" é carcomido pela sua mui própria visão e redesenhado enquanto treva narcótica. O resultado? Tão excitante quando delirante - e até por vezes piadético, como quando vocifera look at me! ao mesmo tempo que faz desabar uma torrente de strobes em cima do olhar dos incautos. "Blow", "X" e "Punk" passaram, todas elas pelo Lux. O artista não sabemos se o fez; no final do concerto, a única impressão que existe é a de que estivemos na presença de um fantasma. E podemos não acreditar, mas que eles existem, existem.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
26/05/2015