O festival itinerante, que junta
one-man-bands de todos os cantos do país e vai fazendo a festa pelos mesmos, pousou em Lisboa durante dois dias. Por motivos de força maior (leia-se: Royal Blood no Coliseu) esta reportagem só abarcará os concertos de quarta-feira, sendo certo que os de quinta mantiveram a mesma qualidade e o mesmo grau de revelação. Ou, pelo menos, assim há que acreditar, dadas as boas propostas que nos foram entregues quase de bandeja.
Perante um Sabotage que se foi compondo à medida que a noite avançava, os quatro projectos do primeiro ataque do Um Ao Molhe deram, todos eles, óptimos concertos em que o importante era, se não celebrar a ideia por detrás do festival, perceber que há mais no mundo que a típica banda guitarra-baixo-bateria. Ou, melhor ainda, perceber que há mais festivais no mundo que aqueles consagrados a apenas um género musical; às vezes, ouvir quatro coisas distintíssimas num curto espaço de tempo é um verdadeiro bálsamo.
E fale-se da música. A noite começa com
The Boy With A Broken Leg, projecto lisboeta que apresenta em palco uma
folk pop silenciosa, quase sussurro, e francamente fofinha, da mesma forma que algumas linhas de guitarra dos Velvet Underground eram fofinhas e da mesma forma que os Galaxy 500 são do caralho. Mais que anunciar a noite, soava como se anunciasse a chegada da Primavera, e conquistou o público através das melodias bonitas que ia desenhando, auxiliado por
loops e revelando-se, a dado ponto, daltónico. Deu, certamente, vontade de melhor o conhecer.
Daily Misconceptions, igualmente lisboeta, seguiu-se-lhe e começou no mesmo registo silencioso (quem estava mais perto das escadas, pelo menos, não percebia puto do que ele dizia). A música começa electrónica, quase
glitch, até que de súbito um daqueles problemas: o som foi abaixo. Infelizmente, essa falha inicial e a que se lhe seguiu, com os graves a puxar demasiado e a fazer tremer todo o espaço, acabaram por marcar um concerto que tinha tudo para correr bem, até porque sobre a qualidade da música nada a apontar: um
ambient etéreo, ou «rebuçadinho», como ouvimos de uma das organizadoras, com o público a ajudar no final, de sininhos na mão. Para a próxima será, definitivamente, mágico.
© UM AO MOLHE
A primeira noite do Um Ao Molhe serviu igualmente para rever
Tren Go! Soundsystem, projecto de Pedro Pestana que tem estado a repousar, já que o músico - para além de ser um dos organizadores do evento - tem dividido também o seu tempo, nestes últimos anos, entre os 10 000 Russos e os Dreamweapon. Quatro anos após a edição de
Wooowoooo, o álbum de estreia, confidencia-nos que há perspectivas para algo novo, mas não adianta datas ou detalhes. Nem tem que o fazer, já que foi óptimo recordar esta
motorika quebrada e exploratória, comboio
psych que nos faz fechar os olhos e flutuar pelo espaço. Merecia, apenas, mais volume: aquele problema muito pessoal que este escriba tem com o som da palheta a roçar nas cordas ia distraindo um bocado. A noite terminaria com o caríssimo
∆TILLL∆, que até ver lançou o melhor disco de 2015 mas que tivemos de abandonar porque a nossa guarida para esta noite se sentia mal do estômago. Tendo-o visto no Musicbox há escassas semanas, não deve ter sido menos que estrondoso.