Moledo há-de ter qualquer coisa de especial se damos por nós a arrancar de Alverca pelas nove horas da manhã, rumo ao festival, e quando chegamos à estação de serviço de Cantanhede já levamos uns quantos avanços de gin no fígado. Sem falar noutras e determinadas substâncias que melhor se conjugam com um festival de
stoner, porque ao fim e ao cabo é isso que o cartaz, na sua grande maioria, nos apresenta ano após ano. Em 2014 houve, contudo, outros (bons) momentos que fugiram grosso modo a este estilo - ou, por outras palavras e retraindo a resposta dada ao José Roberto Gomes já a noite ia alta,
sim, estou um bocado farto de stoner.
Falemos desses bons momentos, que começam quando se chega à piscina no primeiro dia e os
Solar Corona estão prestes a terminar a sua actuação, dando lugar aos espanhóis
Acid Mess, cujo originalíssimo nome não engana: rock ácido, claro. Quanto à parte da "confusão", talvez por agora, mas só por agora, se possa conceder que
nuestros hermanos deram um concerto agradável, ou pelo menos ajudaram a aquecer um bocadinho a tarde. Mas no que toca a aquecer nada bate o orientalismo da
Jibóia, aqui na presença do amigo Ricardo Martins, formando uma espécie de bateria siamesa artificial em que um é humano e o outro um andróide e o resultado é uma ginga corporal à qual é impossível ficar indiferente, ainda que muitos tenham ficado sentados, talvez por vergonha ou estupidez.
Outros bons momentos estavam para vir, alguns nem sequer relacionados com o festival em si, como a francesinha do
P'ra Lá Caminha e o golo do miúdo Rúben Neves ao Marítimo. O primeiro acontece quando se chega a meio do concerto dos
Bellrays, banda de culto por cá, e encontramos o vozeirão de Lisa Kekaula a indagar se isto a que estamos a assistir é um concerto rock ou não, sendo que somos levados a concordar que sim, claro que o é;
garage rock delicioso, acelerado, estonteante, putos e graúdos aos saltos nas filas da frente e cá atrás e a sensação de que se calhar poderíamos ter ignorado a segunda parte do Mágico Porto (uma sensação muuuuuuuuuito ténue, vá). Certamente teriam ganho o primeiro dia não fosse o concerto incrível - mais um... - dos
Black Bombaim, a apresentar o novíssimo
Far Out com todas as forças e mais algumas, acabando com um nunca antes ouvido (pelo menos por nós) momento
thrash que nos soou maravilhosamente no meio de tanta drogaria. Drogaria essa que quase esteve para não acontecer dada a forte presença policial a escassos metros da entrada no recinto, mandando parar automobilistas e transeuntes, e merecendo do doravante conhecido como DJ Tojó o comentário em tom solidário
tenham cuidado que tá aí bué de polícia... Os
Church Of Misery subiriam depois ao palco, eles que se andaram a passear pela aldeia e pela piscina durante o dia, para um concerto onde o que se reteve foi sobretudo um "obrigado" dito em português e repetido
ad nauseam, já que música, para nossa infelicidade, nem vê-la - concerto chato, previsível e sem momentos nenhuns de perigo. E pensar que
Houses Of The Unholy é um disco tão do caralho.O segundo dia prometia, quanto mais não fosse pela oportunidade de finalmente nos estrearmos na magnífica praia de Moledo do Minho e tirarmos da cabeça a ideia de nadar até ao forte - ah, que jovens e que loucos que somos. Praia essa que quase nos retirou a vontade de ir até à piscina (pelo menos a parte do "entrar dentro de água" foi relegada para terceiro, quarto ou quinto plano), mas o profissionalismo fala mais alto e lá tivemos que assistir a concertos durante a tarde. Mais valia termos ficado na praia, ouvindo Swans ou não; os
Stone Dead, banda genérica oriunda de uma cidade genérica e cujo rock é (adivinharam!) genérico, tiveram que subir ao palco e assassinar a sangue frio "T.V. Eye", dos Stooges, algo que deveria ser considerado um crime de lesa-pátria se este mundo fosse honesto para consigo próprio.
We want the world and we want it now, cantavam os pobrezinhos, sem se aperceberem de que nem um beco hão-de conquistar. E olhem que esta crítica até está a ser bastante simpática. Quase tão simpática como os
Mr. Miyagi, um
thrash divertidíssimo, pleno de pancadaria e
crowdsurf, e um vocalista a subir o mais alto que pôde para berrar inanidades - que o são, porque quando há guitarras destas tudo o mais é desnecessário. Aprovado como de costume.
Os
Dreamweapon afirmam-se cada vez mais como um dos grandes valores do novo-
psych em Portugal e fiéis discípulos daquele anjo descido à terra de nome Jason Pierce. Quarenta minutos a mergulhar nas profundezas do cosmos, braço dado com o sol que então se punha, braço cheio de picadas da heroína (não querendo dizer que algum dos membros da banda se dedica a tais actividades, claro, é tudo uma maneira de dizer que fazem música que parece saída de um livro do Burroughs e que, por conseguinte, fazem música que todos os seres dotados da mínima inteligência deveriam escutar). Tocaram para uma plateia de quase ninguém, infelizmente, destacando-se o palerminha lá à frente com uma t-shirt dos Suicide a abanar-se desajeitadamente. Palerminha esse que entretanto foi jantar e regressou para assistir
in loco a um excelente concerto dos
Blues Pills, que vieram até ao Minho para apresentar o não menos excelente disco homónimo, uma máquina personalizada de
groove, a fantástica voz de Elin Larsson (qual Janis, qual quê) e um verdadeiro e brutalíssimo concerto pop/rock no meio de tanta violência. Este concerto ficará na memória como o ficam todas as estrelas cadentes e como o fica "Devil Man", espanto de canção. Sucederam-se os
My Sleeping Karma, que arrancam um enorme bocejo e quase fazem juz ao seu nome, preparando o terreno para outro grande concerto - e que muito aguardado estava - dos
Atomic Bitchwax, quase-lendas do
stoner que arrancam logo com "Shit Kicker" como se quisessem
provar o que quer que fosse. O rock n' roll aqui é sujo, tem
riffs que fazem subir a adrenalina alimentados a gasóleo e a
speed, inverte o amor em canções como "Hope You Die" e ainda se esquece, como se alguém quisesse saber, que Moledo não é uma cidade. O SonicBlast foi ganho pelos norte-americanos e sobre isso não deverá haver qualquer dúvida. Para o ano cá estaremos outra vez.