OPTIMUS ALIVE 2014
Passeio Marítimo de Algés
10-12/07/2014
O Alive mudou. Não de nome - a passagem para NOS Alive ainda não ocorreu este ano - nem de local nem de estatuto, mas parece-nos que o maior festival de música em Portugal, on par com o Rock In Rio, sofreu uma alteração imensa no design; não sendo estudantes de arquitectura, deixemos de lado discursos sobre "linhas arrojadas" e quejandos e foquemo-nos no essencial, isto é, a música. O primeiro dia esgotou devido aos regressos há muito aguardados tanto dos Interpol como dos Arctic Monkeys, sendo que ainda existem os Temples, Kelis, Elbow e The 1975, para além da armada nacional e dos DJs que encherão o clubbing, para fazer as delícias de muitos. Que comece o espectáculo. (Paulo Cecílio)
E começa com Jacarés no palco Heineken, para gáudio da fauna feminina pré-pubescente que ali se abrigava do calor, à espera de The 1975 e/ou Temples. A banda, apostada em misturar despudoradamente funk, soul e r&b, num cocktail a trazer à cabeça o rótulo de Expensive Soul dos pobres, fez as delícias de quem dali não esperava mais nada. E, de facto, não dá esperar mais nada de quem não tem grande conteúdo para oferecer. A ironia só nos deixa apreciar até certo ponto, e depressa nos vimos desesperados por sair daquele festim de mau gosto. (João Morais)
Quanto a Noiserv, é difícil falar de um concerto do cantautor nacional sem recorrer ao habitual cliché do one-man band, e por isso nem vale a pena tentar. A apresentar a sua mais recente colecção de canções, Almost Visible Orchestras, de 2013, Noiserv trouxe ao Passeio Marítimo de Algés o seu espectáculo intimista e bucólico, assente em loops e retalhos, perante uma plateia indecisa entre levantar-se para aplaudir o músico e permanecer deitada a vegetar à sombra. Para além do público pouco receptivo, David Santos teve também de lutar contra os graves do palco Clubbing, numa batalha que raras vezes ganhou, ainda que tenha conseguido arrancar de nós um ou outro suspiro. A terminar tudo, o corte abrupto de som no final (numa canção que merecia um mais misericordioso fade out) deu a última machada num concerto que, francamente, merecia melhor. (João Morais)
Aos primeiros acordes de "Sun Structures" já sabemos ao que viemos: pop psicadélica na mesma onda que os hypes mais recentes, os Tame Impala à cabeça. E então? Já se ouviram plágios muito piores. Os britânicos, a pisar solo nacional pela primeira vez, levaram uma enorme multidão ao palco secundário e não terão desiludido absolutamente ninguém, ainda que os teclados tenham ficado como que escondidos no meio do som, tanto o do secundário como o do clubbing. Nada que incomodasse James Bagshaw, vocalista de glitter no olho e na canção, bonitinha como nos apraz. "Keep In The Dark" mereceu ovação, mas foi em "Mesmerise" que arrancaram pulos e aplausos da criançada, o reverb como que cantando e um final absolutamente frito que nos faz pensar que os Temples preferiam ter nascido na Califórnia. Serão grandes? Só o tempo o dirá. (Paulo Cecílio)
Ficamos a pensar se os Interpol não nos conhecerão melhor do que ninguém - basta que Paul Banks arranque o verso de "Say Hello To The Angels": your hair is so pretty and red.... Num concerto em que vieram dar um cheiro daquilo que está para vir, apresentando alguns temas novos para além dos clássicos do costume, como "Evil", "Hands Away", "Narc" e "Slow Hands", o quinteto nova-iorquino desapontou-nos um pouco. Voz carcomida e anímica, uma "My Desire" em tons dançáveis que não se conjugam de todo com aquilo que esperamos do grupo (se o novo disco for nestes tons estamos bem tramados...) e um estado geral de alma indiferente a tudo o que o rodeava, se bem que o público também o partilhava. Afinal de contas, terão pensado, quem serão os Interpol ao lado dos Arctic Monkeys? São maiores, respondemos nós, e deveriam ter-nos dado muito mais do que aquilo. (Paulo Cecílio)
Aproveitámos um buraquinho no horário e rumámos ao coreto, onde um pequeno mas irredutível punhado de iluminados assistia ao concerto de Sequin. Com uma synthpop lânguida, cerebral e efervescente em partes iguais, Ana Miró conseguiu pôr a dançar todos aqueles que se mostraram relutantes em regressar ao palco principal para o concerto de Arctic Monkeys e preferiram aproveitar esta mini-apresentação de Penelope, LP de estreia lançado este ano. E houve ainda tempo para "Physical", de Olivia Newton-John, hino hiper-sexual dos 80's que aqueceu (ainda mais) a noite. (João Morais)
E o que dizer do concerto de Arctic Monkeys? É verdade que AM é o pior álbum do grupo (não sendo, ainda assim, o horror que alguns géniozinhos tentam pintar) e que todo o histerismo à volta deles já começa a enjoar, mas há que reconhecer que chegam ao palco principal do Alive com mérito próprio e com uma bagagem de álbuns admirável. Ainda assim, não dá para sair de um concerto da banda britânica sem a sensação de que, para eles, este é só um trabalho. São escassos os momentos de transcendência, a interacção com público parece forçada e as canções são, salvo raras excepções, cópias exactas das versões dos discos. "Brianstorm", "Dancing Shoes" e "Crying Lighting" ainda nos fazem entrar numa trip nostálgica; "Don't Sit Down 'Cause I've Moved Your Chair" continua a ser um portento com cheiro a stoner e "I Wanna Be Yours" continua a fazer-nos cair uma lagrimita lamechas, mas, no geral, o concerto acaba por ser frio e distante. Enfim, ao menos sempre podemos dizer que os vimos. (João Morais)
Surpreendentemente, o melhor concerto do primeiro dia veio de onde menos se esperava; substituindo os canadianos Chromeo, os Parov Stelar Band levaram até ao palco Heineken o seu electro swing polvilhado de disco e funk, com Marcus Füreder a conduzir o bacanal carnavalesco que ali se instalou. Jamie XX até pode ser o menino bonito da electrónica "inteligente" nos dias que correm, mas ontem perdeu claramente a competição para um adversário que se está a borrifar para a intelectualidade e prefere espalhar magia e diversão inconsequente a rodos. É certo que não estava aqui nem a pólvora nem a reinvenção da roda, mas quando está toda a gente a dançar desenfreadamente e comboios de 30 pessoas passam por nós com sorrisos escancarados na boca, estamos certos de que é aqui que está a receita para a felicidade. (João Morais)Porque num funeral se celebra o que ficou em vida, os Vicious Five regressaram ao activo para um concerto especial no palco principal em que ajudaram uns pobres tolos a reviver a electricidade que chutaram nas veias nos anos idos de 2004 e 2005 e deixaram muitos mais a tentar adivinhar quem, afinal, eram estes gajos. Independentemente do facto de 90% da multidão provavelmente nem ser sequer nascida quando os lisboetas andavam a espalhar magia pelo país, os Vicious Five deram o óptimo concerto possível ("estamos velhos", dizia Quim), apoiados em malhas intemporais como "Bad Mirror" ou "The Electric Chants Of The Disenchanted" para nos deixar a morrer de saudades. Ainda haverá concerto no Milhões de Festa: talvez aí o público os possa homenagear devidamente. (Paulo Cecílio)
Alex d'Alva Teixeira é, muito provavelmente, o tipo mais simpático a fazer música em Portugal. Não só porque acede a todo e qualquer tipo de pedido parolo (diz que no último dia vai cantar eurodance com uns quantos trolls da Internet e fez questão de o anunciar) como as suas próprias canções transpiram isso mesmo: pop orelhuda com ajuda de um coro gospel que nos deixa a saltitar de refrão em refrão e nos coloca a gingar a anca de um lado para o outro. Se não foi um dos melhores concertos que vimos para já, foi certamente o mais divertido. E #batequebate tem tudo para ser um dos discos revelação deste verão que mal começou. (Paulo Cecílio)
Aguentou-se quinze minutos de MGMT. Lamentamos, mas os norte-americanos já não são nem relevantes no ano que corre nem "Time To Pretend" se continua a apoiar num anúncio televisivo para que permaneça na memória colectiva - salvo dos muitos que vieram especificamente até Algés para os ver. Deste lado já não há a mínima paciência. (Paulo Cecílio)
Light Up Gold (2012) encantou-nos, Sunbathing Animal (2014) deixou-nos um sabor amargo na boca. Ainda assim, vimo-nos impelidos a caminhar rumo ao palco Heineken para tragar um pouco do garage rock com pinta de slacker à la Minutemen dos Parquet Courts, e em boa hora o fizemos; canções no limite da navalha, debitadas por quatro desamazelados nova-iorquinos, com aquela atitude de quem se está a cagar tanto para o estilo que acaba por ter todo o estilo do mundo. As faixas do segundo álbum, que na rodela não fodem nem saem de cima, acabam por ganhar pujança ao vivo, pondo toda a gente a saltitar freneticamente. Nota especial para "Master of My Craft" e "Borrowed Time", tocadas costas com costas tal como no disco, a causar um moche caótico e a renovar-nos a fé de que, apesar de todas as certidões de óbito, o punk ainda vai mudar o mundo. (João Morais)
Com estatuto de cabeça-mas-não-tanto, os Black Keys chegaram ao Alive com disco novo na calha quando toda a gente esperava "Lonely Boy" - que foi tocada, evidentemente, levando à loucura os milhares de fãs que a pouco e pouco se foram aglomerando junto do palco principal e que horas altas da noite andavam a cantarolá-la nas estações de comboio das linhas de Cascais e Alcântara. O duo norte-americano ofereceu aos presentes um óptimo concerto, deixando para trás a horrorosidade do som do Pavilhão Atlântico tempos atrás e mostrando que o rock n' roll continua a ser um lema de vida. "Dead And Gone" a abrir, "Tighten Up" ali no meio, uma fabulosa "Fever" a seduzir-nos: está ganho. Longa vida aos Black Keys. (Paulo Cecílio)
Há qualquer coisa de encantador nas Au Revoir Simone, que vai muito além das pernas desnudas que bamboleiam hipnoticamente por trás dos sintetizadores, da caixa de ritmos e do baixo. Sentimos, nas malhas da sua dream pop agridoce, que Erika Forster, Annie Hart e Heather D'Angelo são moças com a cabeça no sítio certo e um historial de desamores rico o suficiente para encher álbuns. Regressaram a terras lusas após lançarem, em 2013, o seu quarto (e melhor) álbum, Move in Spectrums, e foi de lá que retiraram grande parte de um alinhamento que, apesar de encurtado pelos atrasos técnicos, se provou certeiro. "More Than" e "Crazy", adocicadas e orelhudas q.b., foram os momentos altos de um concerto que nos deixou de com um sorriso nos lábios e um aperto no coração. (João Morais)
Que dizer de uma banda que conta com a ajuda preciosa da voz de Blaya (e, porque não, das coxas), que chega ao festival a fechar o palco principal e que arrasa com "Kalemba" no final? Pouco antes dizíamos a Fred, baterista, que gostávamos mais do clube de futebol para o qual torce que das suas bandas, mas depois de tamanho festão torna-se mais difícil repetir a frase. Os Buraka trouxeram o calor de África, dos clubes nocturnos europeus, do sexo desenfreado e do ritmo infernal que teima em não cessar, que teima em derrubar-nos uma e outra vez: força nas canetas, precisa-se. Banda enorme. Que dizer mais? (Paulo Cecílio)
Com um post-dubstep a mostrar, a espaços, traços de familiaridade com o trabalho do também britânico James Blake, SBTRKT transmite ainda assim um pouco mais de emoção e fisicalidade nas suas canções, dando-lhes um apelo à dança que acaba por igualar o grau de experimentalismo e intelectualidade. O disco homónimo lançado em 2011 provou isso mesmo, e neste regresso ao Alive nota-se que Aaron Jerome é um menino mais crescido desde que o vimos em 2012 neste mesmo palco, sabendo limar as arestas e as subtilezas para um contexto festivaleiro onde se quer ser o mais abrangente possível. Pela nossa parte, o trabalho foi bem feito, e "Hold On" continua a dar-nos o mesmo arrepio na espinha de há dois anos. (João Morais)
Há disco a sair ainda este ano, mas antes disso há "Odessa" e "Sun" para nos fazer lembrar que Caribou é das melhores coisas que já nos passaram pelos ouvidos desde que nos conhecemos: electrónica quente e dançável que arrasta uma multidão enorme ao palco secundário e deixa eufórico um certo baixista da nossa praça (hey, Lucena, curtes tanto). Caribou ganhou o dia como sempre ganha, trazendo o ritmo semi-kraut à tenda e fazendo com que tivéssemos toda a vontade de tirar a roupa. Mas calma, isso só seria no dia seguinte. (Paulo Cecílio)Sabíamos que este iria ser um bom dia quando olhámos para o horário e vimos que a abrir o Palco Clubbing estariam, às cinco da tarde, os Gin Party Soundsystem. Auxiliados por Alex D’Alva Teixeira, no papel de mestre-de-cerimónias, e pela sempiterna bebida do demo que lhes dá o nome, este colectivo oriundo da Internet trouxe ao Passeio Marítimo de Algés uma actuação caótica, onde o eurodance pôs toda a gente a saltar de alegria e inspirou momentos verdadeiramente épicos e inesquecíveis (a ver: confettis, bisnagas, crowdsurf a rodos, comboios e invasões de palco). E o final, com a brilhante "This Charming Man" (finalmente ouvimos alguém a passar The Smiths), só veio tornar ainda mais incrível um concerto onde Haddaway, Santamaria, 2 Unlimited e muitos outros nos deram 40 minutos de felicidade verdadeira. (João Morais)
De volta à vida real, no palco principal encontrámos uns You Can't Win Charlie Brown em grande forma e a atravessarem o melhor momento da sua carreira. Apresentaram-nos as canções de Diffraction / Refraction , lançado no início deste ano, num alinhamento em quase tudo igual ao que levaram ao NOS Primavera Sound, e de novo nos arrebataram o coração com a sua folk solarenga e enternecedora, ideal para um belo fim de tarde. Não foi o melhor concerto do dia, nem esteve lá perto, mas convenhamos que há maneiras muito piores de passarmos o nosso tempo. (João Morais)
Seguimos para o Palco Heineken para o nosso encontro marcado com Adam Granduciel e os seus The War On Drugs. O grupo, que regressou a solo nacional para apresentar Lost in the Dream, lançado em Março deste ano, brindou os presentes com um concerto belo e competente, mas que a bem da verdade ficou aquém do de 2012 no Musicbox. Ainda assim, a mistura Dylan + Springsteen + paredes de som do grupo cumpriu a sua função e hipnotizou-nos por completo, com "Red Eyes" a ser o expoente máximo do nosso deslumbramento. (João Morais)
Depois de uma muito merecida pausa para recarregar baterias, regressamos ao Palco Heineken ainda a tempo de apanhar a penúltima canção do alinhamento de Unknown Mortal Orchestra, "So Good at Being in Trouble". No entanto, foi só com a derradeira faixa, "Boy Witch", tocada de forma demolidora, que sentimos um enorme arrependimento de não termos apanhado a actuação inteira. Sentia-se no ar aquela atmosfera de grande concerto; foi pena estarmos a ficar velhos e não termos confiado na pop choninhas do neozelandês Ruban Nielson. (João Morais)
Nos últimos meses a vida dos Paus tem sido tão atarefada que começa a ser mais fácil vê-los actuar fora de portas do que em terras lusas, pelo que a famosa expressão Come to Portugal não seria de todo descabida; e percebe-se, com este concerto no Alive, o porquê de tamanha internacionalização do grupo. Com um Palco Heineken a rebentar pelas costuras, Hélio Morais, Quim Albergaria, Makoto Yagyu e Fábio Jevelim deram uma performance inspiradora, com as canções de Clarão a demonstrarem que são, de facto, muito melhores ao vivo, e com "Deixa-me Ser" e "Muito Mais Gente" a deixarem toda a gente a tripar até ao espaço. (João Morais)
Ah, os Libertines. Os míticos Libertines. Os poético-burgueses, janados, imprevisíveis Libertines. Os Libertines de Pete Doherty e Carl Barât, auto-destruição rock n' roll que há dez anos incendiava palcos e capas de jornais, tributo à boémia e à decadência feita com as cores da bandeira britânica. Deus do céu, como eu odeio os Libertines, e todo o ar de pretensiosismo Trainspotting que emana da figura pública de tamanha banda medíocre. Tendo trazido ao Alive mais pó do que Público, a sua passagem por Algés não pode senão ser rotulada de fracasso, resumindo-se os momentos bons à loucura generalizada dos fãs mais acérrimos e ao momento Safri Duo do baterista. O resto foi demasiado mau para ser verdade. (Paulo Cecílio)
Chet Faker, trovador desta depressão que nos anima, consegue encher o Palco Heineken e levar à lágrima colectiva um bando de miúdos e/ou adultos mal crescidos que vibraram do início ao fim com as canções do novíssimo Built On Glass, um dos melhores discos que 2014 ofereceu para colar as peças de um coração despedaçado. "1998" ressoou, belíssima, por todo o recinto, de tal forma que mal se sentiu a falta de "Melt", canção enormíssima cantada a meias com Kilo Kish. O australiano venceu claramente o dia e, porque não dizê-lo, o festival inteiro. Para o ano haverá mais. (Paulo Cecílio)