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Adrian Utley Guitar Orchestra performs In C
Teatro Maria Matos, Lisboa
18-/12/2013


Quanto mais penso na noite da passada quarta-feira no Teatro Maria Matos, mais me apercebo do quão gratificante é ouvir In C. A peça, elemento chave do minimalismo e expressão de liberdade, conta quase 59 anos e quase tantas outras interpretações que, pela sua semi-aleatoriedade e liberdade interpretativa, acabaram por ser únicas no tempo e no espaço. Sabendo disso mesmo, que a interpretação orquestrada por Adrian Utley e outros 13 outros músicos ia traduzir-se num momento único, tornava-se imperativo estar lá.

© José Frade

Numa cadeia de pulsação, os movimentos sucedem-se em torno de um metrónomo, as dinâmicas crescem e decrescem, acumulam e aliviam tensão. A peça ganha corpo e expressões próprias, como se de um organismo vivo se tratasse. Um a um, todos os instrumentos são chamados a intervir e a participar nesta roda-viva. É notório o efeito pendular que intensifica o transe e a entrega física ainda que, à medida que a massa sonora se transforma num corpo uno, se dilua a sublevação. Tudo o que se sente é uma euforia serena, partilhada entre quem ali está, público e músicos. Sente-se a concordância e compreensão beatíficas que, mesmo quando não se sabe bem para a peça caminha, ajudam a estabeleçar um diálogo respeitador e feliz.

© José Frade

Paradoxalmente à corrente de que emergiu, In C é uma das peças mais ricas da história da música e um bom exemplo de que com menos se faz sempre mais. Mesmo tocando sobre a mesma nota, as cinquenta e três frases da peça permitem espaço e tempo para que todos se possam expressar, sem atropelos. Num discurso lânguido e demorado, surpreende o som cristalino, que no meio daquele turbilhão ajuda a deslindar a interpretação individual de cada músico, evidenciando as nuances, idiossincracias e sotaques do seu discurso.

© José Frade

Sob o signo da mesma nota, a peça de Riley funciona como uma montanha russa de sentimentos e emoções. No seu expoente máximo, In C consegue ser tão indutivo como qualquer outra substância psicotrópica. No êxtase da mesmerização, o final acerca-se nem muito rápido, nem muito devagar, apenas ao ritmo certo. E quando chega, sempre cedo demais, fá-lo em euforia serena, com uma certa espiritualidade inerente. A vénia é minha.

António M. Silva
ant.matos.silva@gmail.com
24/12/2013