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Dean Blunt
Teatro Maria Matos, Lisboa
05-/11/2013


Esta é a história de seis amigos que se encontraram à porta do Teatro Maria Matos para ver Dean Blunt. Alguns sabiam ao que vinham, outros nem tanto, mas cada um trazia a sua própria bagagem – pessoal, social, musical ou cultural… Fosse qual fosse, era como um peso, um preconceito adquirido ou uma réstia de expectativas que tinham que ficar de lado.

Entraram. Lá dentro não havia mais que breu para nos isolar da luz e do mundo que trazemos lá de fora. Ao fundo ouvia-se água a correr, para purificar corpo e mente e nos afastar ainda mais de um mundo exterior. Até ao final desta purga metafórica, não lhes restou mais que ficar ali sentados, numa espécie de suspensão animada, à espera que do breu se fizesse luz. Quando se fez, veio do alto.

© Luís Martins

Dean Blunt surgiu no centro do palco, ocasionalmente ladeado por um trompetista e uma guitarrista, mas sempre protegido por uma espécie de segurança que se manteve prostrado em palco sem se mexer ou gemer. Contudo, a luz recaía apenas sobre ele, como uma espécie de graça divina. Do início ao fim é irrequieto e cheio de tiques e procura esconder-se na sua própria sombra. Blunt é um homem como nós, mas emana uma aura de pregador profano. Numa espécie de crooning que por vezes faz lembrar Gil Scott-Heron, vai-nos contando sobre si, sobre o que nos rodeia, sobre o que é preciso mudar.

Chutando para canto a ideia de concerto na sua forma mais tradicional – aqui houve apenas pistas pré-gravadas, complementadas muito pontualmente por um trompete, guitarra e piano -, fica a ideia de que Blunt procura consumar uma performance que gira em torno do Homem. É talvez a maior das máscaras: funciona simultaneamente como epicentro e margem, Tudo e Nada, criador e destruidor, conferindo maior densidade teatral ao seu papel. Mas é ao despir o palco de outros artifícios (instrumentos neste caso) que Blunt consegue algo único: centra as atenções na sua palavra, o veículo de transmissão emoções e sentimentos por excelência, levando-nos a partilhar dos mesmos.

© Luís Martins

É nesta lógica de quase subversão, que ignora conscientemente a ideia de que um concerto implica a recriação de uma obra in loco, que reside outra pequena vitória de Blunt. Ainda se ouvem as tais faixas pré-gravadas, que ululam entre o noise, o lo-fi e o hip-hop, mas o espectáculo vira-se para o público, e coloca-o perante si mesmo e as suas expectativas. Talvez fosse também esse o seu propósito, o de nos fazer lidar com posições tão extremas e díspares como a desilusão ou a satisfação perante aquilo que a realidade (mesmo a simulada) nos traz.

No final, abrupto e seco como as palavras de Blunt, fica a incerteza do que se viu. Foi-se após uma onda de fumo e strobs intensas, de punho no ar e cabeça baixa e deixou-nos entregues a um mar de questões sem resposta. Nos seis amigos reside a dúvida, a revolta e a certeza. Antes de cada um seguir o seu caminho, não lhes resta muito mais senão adivinhar intenções alheias e agradecer a dimensão extra-musical que Blunt conferiu à sua presença. E se se perdeu uma componente humana na música que ali se ouviu, reencontramo-la na forma como foi capaz de nos unir em torno de uma reflexão.

António M. Silva
ant.matos.silva@gmail.com
07/11/2013