bodyspace.net


Green Ray – Omar Souleyman / Floating Points / Four Tet
Lux Frágil, Lisboa
25-/10/2013


Sair de casa para ir ver o Four Tet é quase como ir visitar a madrinha. Pelo menos se ele estiver no Lux. Temos que sair mais cedo de casa, apaparicar-nos um bocado, beijar a mão a duas ou três pessoas e pedir a bênção para entrar. A coisa nunca é fácil e a paciência para suportar todo aquele feitio de madrinha idosa e teimosa acaba por nos agastar a paciência. Mas ainda vamos tendo bons compinchas (Gomes e Cecílio, o próximo folar vai todo para gin) e no final da noite, para lá do nevoeiro mental, até gostámos da ida à madrinha.

Não houve torradas, não houve chá e também não houve uma placa dentária a voar. Mas houve Omar Souleyman, essa criatura fascinante que construiu uma carreira assente em actuações de casamento. Felizmente para nós, Souleyman não é uma versão síria do Marante, ainda que a sua música soe levemente a algo parecido com folclore embebido em ácido. O teclista Rizan Sa’id é o culpado por esta conjunção alucinada (que merece uma vénia); Souleyman dá-lhe voz, umas vezes melhor, outras vezes pior. Com o novo Wenu Wenu ainda a ferver, deu para sentir na pele porrada alegre do techno sírio e a fórmula até resulta melhor ao vivo do que em disco – mas não por muito tempo.

Four Tet © José Miguel Silva

A noite tinha acabado de começar, mas ainda tínhamos que ser compensados pela teimosia de nos terem querido deixar ficar à porta. Sam Shepherd, conhecido também como Floating Points podia ter sido a grande surpresa da noite e só não o foi porque chegou em modo DJ-set ao invés de live-act. Mau prenúncio para a actuação de Four Tet, que viria dali a duas horas. Mas faça-se jus ao trabalho de Shepherd que, às custas de muito funk e muito groove, soube agarrar o público e fazer aquilo que Omar nem sempre conseguiu: pôr toda a gente – e havia já mesmo muita gente - a dançar. Fazendo do vinil a sua arma, Sam Shepherd só deixou a desejar nas passagens “a martelo” e na forma como, pontualmente, insistia em misturar géneros desconexos. Estranhou-se, mas entranhou-se – e àquela hora da noite, perdoou-se.

Omar Souleyman © José Miguel Silva

É difícil dizer a que horas começou, quando acabou ou exactamente o que (se) passou. Mas Kieran Hebden é, definitivamente, um master puppeteer. Já o tinha visto no Optimus Primavera Sound, de sorriso tímido mas encantado pela quantidade de gente que, devotamente, se reúne de frente dele para dançar. Há uma espécie de embevecimento nele, mas principalmente em nós, que ajuda a perdoar a ausência de um live-act que se centre em Beautiful Rewind. Mas Hebden não quer saber e nós também não e arranca sem dó nem piedade para um set que só iria terminar de manhã, num back-to-back com Sam Shepherd. A esse já não sobrevivemos, mas nas duas horas e meias em que Four Tet, sempre de sorriso armado, esteve atrás dos pratos, fomos felizes. Valeu a pena fazer uma viagem pelo seu universo, onde cabe garage, minimal e até a sua folktronica. Não tomámos nota de tudo, mas sabemos que houve tempo para ouvir uma malha inédita feita a meias com Burial (ou ele mesmo), “Buchla”, ou o já icónico “The Track I’ve Been Playing”.

António M. Silva
ant.matos.silva@gmail.com
02/11/2013