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Out.fest – Rafael Toral Space Collective 2 / Oren Ambarchi
Convento da Madre de Deus da Verberena, Barreiro
10-/10/2013


É-nos ensinado desde cedo que não se fala na casa d’Ele. O silêncio é de ouro e é imposto como se a sua quebra fosse sinónimo de castigo. Como se a única forma de contemplação fosse imbuído de silêncio. Em parte, esta premissa é certa. O silêncio ajuda-nos a ouvir (e a ver) de outra forma. Ficamos atentos a pormenores tão vagos e frágeis como a estática, as frequências e, acima de tudo, à forma como o espaço molda o som e o som se molda ao espaço. Tiremos portanto o chapéu ao Out.fest por nos ter encaminhado a um convento. Com ar de abandono e paredes de cal a cair, é certo, mas imediatamente tido como espaço sacro, onde o silêncio impera.

© Vera Marmelo

Claro que tudo isto é um truque mental, ao qual se obedece inconscientemente. Do lado da consciência fica sempre a vontade de quebrar as regras, de questionar o silêncio, de jogar com ele e perpassá-lo de som. É o que faz Rafael Toral, consciente do som visível e invisível, ao lado de Ricardo Webbens. Juntos formam o Space Collective 2, dedicados ao estudo do espaço e do seu aproveitamento e à propogação e modulação do som. Num concerto (de espírito) livre, sem regras e fronteiras, a dupla fez da modulação de frequências o prato forte, numa linha entre o ambiental e o noise. Munidos de sintetizadores, circuit benders e um theremin assombroso, teceram-se loas à música ambiental e experimentou-se até ao limite do (in)aceitável e do (im)perceptível. No fundo, ficou a sensação de que, num constante diálogo entre si e o espaço que os rodeava, Toral e Webbens se dispõem a perceber até onde pode ir o controlo do homem sobre algo tão natural e indomável como o som.

© Vera Marmelo

Do aparente metafísico para o sensorial atirou-nos Oren Ambarchi. É difícil pôr por palavras o que o colaborador regular de Sunn O))) ou Jim O’Rourke fez, mas “contemplar o espaço cheio de som” talvez seja uma forma de o fazer – ainda que de forma pouco ortodoxa. Foi curto, mas belo o apocalipse sonoro que irrompeu tímpanos e peitos adentro dos que estavam no Convento da Madre de Deus da Verderena. A guitarra ao colo, aparentemente inofensiva e calma, foi responsável pelo equilíbrio perfeito entre melancolia, efusividade e abrasão. Mesmo rodeado de pedaleiras, pedais de efeitos e outras maquinarias capazes de recriar um pequeno inferno, não há como negar a enorme sensibilidade de Ambarchi em palco. A forma como as texturas surgem em camadas sucessivas, num drone harmonioso e melódico, subleva-nos a um estado de transe - – mesmo quando algo que se assemelhava a um shred assaltava os sentidos. Esta sensação fez saber que aquelas paisagens sonoras, mesmo que sejam fruto da introspecção, são passíveis de ser partilhadas e compreendidas por terceiros. Foi o momento mais bonito da noite, e verdadeiramente arrebatador pela sua intensidade.

António M. Silva
ant.matos.silva@gmail.com
12/10/2013