Vodafone Paredes de Coura
Praia Fluvial do Taboão
13-17/08/2013
Bebendo Por Você
Encontrem-me alguém que diga amar o campismo e eu mostrar-vos-ei um mentiroso, um ser infame, uma abécula invertebrada, um pusilânime maldito; encontrem-me alguém que do alto da sua cegueira ou insolação ou palidez provocada pelo consumo desenfreado de drogas diga amar os Michael Phelps das seis da manhã, os gritos marciais de ALVORADAAAAAAAAAAAAAAA, o loop manhoso de megafones sem o swag limiano necessário ao seu bom uso, as filas para os shuttles e, não os havendo, as centenas de metros que se tem de percorrer do campismo à vila na subida mais íngreme que se possa imaginar, derrota da saúde à espera de acontecer; encontrem-me alguém que diga amar Paredes de Coura apesar de tudo isto e eu mostrar-vos-ei, infelizmente, infelizmente por não querer dar o braço a torcer, alguém que sabe o que é viver Paredes de Coura, esquecer as adversidades e divertir-se como pode. Ao longo dos últimos três dias Paredes revelou-se uma excelente surpresa e fez-me constatar que este festival não é para experienciar sozinho como o fiz há cinco anos; é preciso um grupo enorme de amigos (sejam os do Rui Coelho ou os da Internet), o mínimo de disposição e paciência reveladas pela água gelada e plena de salmonelas do Tabuão e sítios onde comer bom e barato. Paredes tem isso tudo. E isso tudo raras vezes tem comparação.
Falar dos concertos quando ainda pouco se viu por se estar a gozar em pleno o que a pequena vila minhota tem para nos oferecer não faria sentido, mas esta webzine é sobre música e não sobre gastronomia ou turismo (mas podia); assim sendo, falemos dos Quelle Dead Gazelle, a dar um óptimo concerto tendo vindos do nada, riffs cristalinos batendo na brita, falemos de DJ Nuno Lopes a colocar criançada muita em êxtase e a desejar acaloradamente aparecer na televisão, falemos dos concertos a sério - com O Bisonte a ser O Bisonte para o bem e para o mal, com os Sensible Soccers a darem um concerto monstro, impelindo o título destes primeiros parágrafos e tocando a "Fernanda" para regozijo de muitos quantos estavam presentes, tendo inclusive a presença do seu Bez pessoal quando entra "Sofrendo Por Você", Roberto Carlos em modo pós-rock e primeiro single do futuro disco, falemos do toque francês de Moullinex ou do abandono prematuro do recinto porque Neil Young não bate às duas e meia da manhã. Para já estamos bem safados em relação à música. Mas para todos os efeitos nem precisaríamos.Curtes tanto
Passados três dias poderíamos falar de um pouco de música, se a cegueira o permitir, se o wi-fi ou as luzes da tenda de imprensa não forem abaixo, se os Alabama Shakes não nos distraírem assim tanto; poderíamos, mas poderíamos antes falar do ambiente que existe neste festival de amigos e camaradas, dos gritos POOOOORTO porque alguém com um chapéu de panda na cabeça mostra a sua filiação clubística, da Paixão e do João a lembrarem-se de nós não sucedendo o inverso (gin, a quanto obrigas...), do Tabuão gelado e sempre bem composto de fauna feminina pronta a ser caçada pelo mais nobre dos guerreiros, e do Márcio Laranjeira, que vai tão trazer Yawning Man ao Milhões 2014.
Mas falemos dos Unknown Mortal Orchestra, que, apoiando-se no psicadelismo e na boa pop feita com guitarras, deram um óptimo concerto no palco secundário (perdida que estava, infelizmente, a Discotexas Band por atrasos no jantar). A banda de Ruban Nielson veio para apresentar o parcamente apelidado II, disco de 2013 que, sejamos honestos, não lhe faz juz - os momentos mais altos do híbrido neo-zelandês/norte-americano são as cançonetas indie do seu registo de estreia, casos de "Thought Ballune" e "Ffunny Ffrends", esta última propiciando o murmurar da melodia na ponta dos lábios sedentos de álcool e derivados. Se é permitida a achega, teriam resultado melhor ao fim de tarde, o enorme clarão vermelho do sol a pôr-se a maravilhar o festivaleiro amante da natureza...
Se os Alabama Shakes (Marvin Gaye com um par de seios) satisfizeram a muita canalhada alternativa mas não os jornalistas a sério - um dos grandes subordinados de Belmiro de Azevedo referiu-se a eles como "banda de covers" -, Bombino, coadjuvado pelo seu funk árabe, colocou o recinto a dançar, ventres esbeltos guiando-se pelo riff, tudo a tirar a burqa e a clamar por Alá; concerto magnífico apenas pontualmente quebrado por motivos de convivência. Porque há que dizer que Paredes de Coura é o pior festival para se ser anti-social - há sempre alguém que nos quer falar ou tirar uma fotografia, há sempre um fino oferecido ou pago a outrém, há sempre um megafone à porta do campismo a disparar usuais como Peter Brötzmann.Queres meter merdas?
Se na noite anterior o campismo foi alvo das mais variadas travessuras, o Xapas Bar foi a vítima do dia de hoje, ao receber a enchente do mais conhecido grupo de DJs nacionais (só que não), fazendo-se a tarde ao som de Burzum e Gobi Bear, Alice Deejay e Daft Punk, The Smiths e Clemente; inúmeros finos depois esse mesmo colectivo divide-se entre os que lol, trabalham e os que só vieram "pelo ambiente" sendo que os primeiros puderam testemunhar metade da actuação dos Jagwar Ma, indie dançável que não aquece nem arrefece (ou nos faz querer ligar a Bobby Gillespie para lhe dizer que está a ser plagiado) e que não teve grande aceitação por parte do público, excepção feita aos maratonistas das grades - mais que uma banda ao vivo pareceu sobretudo que alguém carregou no play e a multidão ia ouvindo o PA. Dos Toy pouco se dirá, salvo que o barulho que faziam chegava até aos ouvidos daqueles que se encontravam na zona de restauração, demasiado famintos para ouvir a 95685ª banda pop psicadélica dos últimos dez anos (que praga, que praga, que praga).
Os Vaccines poder-se-iam resumir numa palavra - e essa palavra seria "lixo" - mas o pouco (pouquíssimo) profissionalismo existente obriga-nos a escrever umas quantas linhas sobre o concerto que os britânicos deram no palco principal: actuando sobretudo para o enorme jardim da celeste que compunha a colina, os britânicos deixaram de parte a pouca pujança que tinham (leia-se: feedback) deixando à vista a banalidade das suas canções, demasiado más para serem apreciadas de forma condigna, demasiado chatas para que, mesmo num estado de alma superior, consigamos achar-lhes o mínimo de piada - nem "Wreckin' Bar" salvou o derrapanço enorme que foi o espectáculo dos londrinos. Contudo, todos quantos estavam presentes na relva adoraram. Se calhar o problema é meu. Prefiro pensar que não e dizer que os Vaccines são horríveis e aqueles milhares de pessoas são todos uns idiotas.
Já os Hot Chip não puxam pela anca, pelo braço, pelo que quer que seja - afinal de contas, estamos em pleno 2013 -, safando-se "Over And Over" para que alguém mais dado a esta coisa chamada "música" consiga detectar alguma graça; sucedem-lhes os The Knife, que transformam o recinto numa enorme pista de dança, claramente influenciados pela do Trumps, banda que faz do individualismo e da igualdade de géneros a sua bandeira com Shaking The Habitual mas que coloca um MC vindo da terra de Peter Pan a pedir a todos quantos presentes que lhe copiem os gestos e façam exactamente a mesma coisa - o costume quando falamos de pseudo-anarcas, portanto. Não foi um concerto, mas foi uma belíssima aula de aeróbica, que ajudou a queimar as calorias necessárias para que o público presente tenha bom aspecto físico nas águas do Taboão. Faltou "Heartbeats", evidentemente. E faltou um pouco mais de paciência. Ou muita paciência. Acham mesmo que isto é remar contra a maré?Olha o panda!
Paragem curta pelo posto médico para combater um mau presságio gripal e ouvir histórias sobre os excessos que os virgens têm nos seus primeiros festivais, segue-se o soundcheck dos The Glockenwise e o concerto propriamente dito, com o quarteto barcelense a mostrar provas, uma vez mais, de que é um seguro valor nacional; garage rock sem merdas com direito a moshpit e versos na ponta da língua - "Scumbag", "Napoleon" ou "Time To Go" algumas das entoadas com mais força -, um cachecol do Mágico Porto a ser apresentado ao recinto inteiro pela voz do irreverente Nuno Rodrigues (os pretensiosos The Knife que aprendam aqui alguma coisinha). Naquela que foi a sua estreia em Paredes de Coura enquanto artistas (já cá tinham vindo drogar-se nas tendas, disseram) os Glockenwise não desiludiram e deixaram uma óptima imagem daquilo que de bom se faz por cá, como se ainda o não soubéssemos.
E se a raiva punk dos Glockenwise começa e acaba na atitude, os dinamarqueses Iceage parecem querer fazer dela uma bandeira. "Parecem", porque na realidade padecem de um enorme mal - serem agressão sem sentido e pouco mais, ritmo marcial e guitarra rasgada eminentemente aborrecidas, com um desinspirado Elias Rønnenfelt a cagar-se ou a fingir que se estava a cagar para o público, péssimo em qualquer um destes casos. A piada mínima que os pseudo-fascistas impõem é o soarem a uns Joy Division made in America (até porque lhes terão roubado o nome), ficando o punk no mesmo sítio em que estava independentemente de todo o hype em seu torno: morto e enterrado. Pelo menos, não foram tão aborrecidos quanto os Peace, mais uma bandinha indie para ajudar os muitos fãs sub-16 dos The Horrors a passar o tempo agarrados às grades. Salvem-me...
Os The Horrors, que trazem atrás de si uma legião de fãs, iniciam bem - teclados a fazer lembrar os Cure, linhas de baixo com groove -, passam para momentos pop/rock menos abonatórios e, quando os deixamos em paz, tinham iniciado uma estupenda cavalgada motorik; presume-se que a criançada não tenha ficado nada desapontada, até porque quando se regressa ao concerto dos Cold Cave no palco secundário é ver os sorrisos estampados no seu rosto. Cold Cave esses que se revelaram uma óptima surpresa, darkwave sem rodeios que semeia o gingar dos corpos suaves ao som do ritmo electrónico e dos sintetizadores mínimos. Duo composto por uma senhora com ar simpático e um senhor sem um braço, os Cold Cave venceram claramente o dia; por muito que se possa gozar com góticos, a verdade é que de vez em quando acertam na mosca. Canções sobre sexualidade reprimida, lágrima tatuada ao canto do olho e desgosto no dancefloor? Guardo todas. Um concerto fora da caixa que bem faltava ao festival. Dispensáveis seriam os Echo And The Bunnymen, a actuar para saudosos das gabardines de 1985, antes dos Simian Mobile Disco partirem a loiça toda através do 4/4.
Paulo Cecílio pauloandrececilio@gmail.com 25/08/2013 Statcounter