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Optimus Alive 2013
Passeio Marítimo de Algés, Oeiras
12-14/07/2013


Queda abrupta nos termómetros, alguns chuviscos e um mar enorme de t-shirts de Green Day a ocupar o passeio marítimo: alguém ainda acredita que Lisboa não é horrível? Felizmente, o Optimus Alive não se faz (nunca se fez) apenas e só dos cabeças de cartaz - dos outros lados, existe sempre um manancial de boas propostas para que o nosso cartão indie possa ir acumulando pontos. Por exemplo, no meu caso já só faltam 328 para ganhar uma fixie. Mas fora esse desejo absoluto de pertencer, há igualmente a música, que, dividida entre cinco palcos, foi a segunda coisa que falou mais alto; a primeira, claro, foi o gin, o sushi na sala de imprensa e o MD que me enfiaram na boca.

Média de idades de todos quantos se encontravam sentados junto às grades do palco Heineken por volta das cinco da tarde: treze anos. Sentença que apanharia se cumprisse qualquer um dos meus desejos lascivos ao mirar as miúdas de calções curtos: oito anos (pelo menos segundo o artigo 171º do código penal). Período de tempo durante o qual os Quelle Dead Gazelle serão relevantes: não sei, mas para já são óptimos de ver; uma guitarra e uma bateria, alguns efeitos, idiotas a gritar CORONADOOOOOO no meio do público (oh, quem quero eu enganar com este jogo lexical, fui mesmo eu) e uma descarga enorme de brita, africana ou não, para nos pôr a dançar um pouco enquanto o recinto não enchia. Passaram com distinção.

Algures entre o final do concerto dos Quelle Dead e o início do concerto dos Japandroids, uma horda de jornalistas esfomeados esgotou em minuto e meio o sushi que foi colocado na sala de imprensa, enquanto outros se entregavam a prazeres alcoólicos pouco recomendáveis a um profissional mas muito, muito recomendáveis a quem escreve para sites que ninguém lê (desculpa, Gomes, amo-te). Um combustível que proporcionou uma corrida rápida até ao palco Heineken por entre festivaleiros mais ou menos corpulentos para encontrar, no moshpit, o super-corpulento (não quero mesmo escrever "gordo") stage manager da banda canadiana, encontro fortuito que rendeu um hematoma no abdómen. Fora a pancadaria e o momento de crowdsurf ao qual me dediquei, os Japandroids deram um concerto a oscilar entre o morno e o grande, tendo faltado algum volume à guitarra de Brian King, mas haja malhões como "Wet Hait" e "The House That Heaven Built" para restaurar a nossa fé na humanidade. Young hearts spark fire...

Jessie Ware sofreu, talvez, do mal que sofrem tantos artistas de música mais contida e sofisticada: não resultam lá muito bem num ambiente de festival, ainda para mais quando actuam no palco que sofre maiores interferências dos outros dois. No entanto, a menina Ware não deixou de nos encantar com a sua voz Sade-iana e as suas canções sobre a vida e amores e desamores e a magia do momento em que alguém te abraça e te diz gostar muito de ti - e para esta última há, claro, "Running", que terminou o concerto deixando em apoteose os muitos que por lá se encontravam. Jessie Ware tem de cá voltar outra vez (ela própria o prometeu, depois de agradecer a uma fã que a abordou no Twitter - como é lindo o mundo das redes sociais), desta feita numa sala mais pequena e intimista, num espaço que não permita ruídos de fundo ou, quem sabe, na minha cama que até é de casal. Pensa nisso, linda.

Os Vampire Weekend provocaram uma verdadeira enchente no palco Heineken, o que era algo expectável, considerando que 1) os norte-americanos são das melhores bandas da última década e 2) o Alive é um antro de hipsters urbanos. Começando com a certeira "Cousins", os Vampire Weekend foram oscilando entre as canções do mais recente Modern Vampires Of The City e os clássicos (sim, clássicos) de outrora como "Cape Cod Kwassa Kwassa" e "A-Punk". Naquele que foi quiçá o melhor concerto do dia, os VW não desiludiram e a enorme ovação do público, no final, foi mais do que merecida. Tanto que nem há muitas mais palavras para o descrever (n.a.: na realidade, saí após a sexta malha via estar rodeado de gente de merda). Findas as hostilidades, havia que picar um pouco de Steve Aoki, que, como não podia deixar de ser e só para me irritar, entre a electrónica movida a testosterona, passou a "Get Lucky". Depois, sair cedo do festival para durar outros dois dias - afinal de contas, a idade não perdoa.Se os Green Day trouxeram com eles a juventude, os Depeche Mode apelaram sobretudo a quem já conta com alguma sapiência; chegaram todos, velhos e menos velhos, já a noite era puxada e a maioria dos interesses de hoje havia abandonado os seus respectivos palcos. E eram muitos, enchendo o passeio marítimo, trazendo nas vozes a saudade de cantar que nem um moçoilo, entregando-se até a um ou outro prazer menos digno do seu B.I. (estou a falar de droga, evidentemente). O segundo dia do Optimus Alive fez-se de momentos mais arrebatadores, emocionalmente falando, quer tenha sido o ódio quer tenha sido o amor absoluto. Mas, começando pelo ódio...

Existem muitas bandas más. Existem muitas bandas péssimas. Existem muitas bandas que nos ofendem enquanto melómanos, seja porque a sua música é o equivalente ao choque entre uma gasolineira e uma maternidade, seja porque a sua postura em palco e fora dele nos enche de vontade de, em bom português, lhes partir a cara toda, como quando percorremos ruas embriagadas e alguém nos aborda e pensamos "foda-se, que gajo idiota, vou fodê-lo todo". Depois existem bandas que nos fazem perder toda a nossa fé naquilo que se apelidou de música. Os Boca Doce são essa banda; em apenas dez minutos arruinaram toda a esperança que alguém poderia ter num mundo melhor, apresentando versões punk rock de pseudo-clássicos nacionais como os Da Vinci, Xutos ou mesmo as Doce tocadas por um grupo de indumentária a condizer com o som, isto é, palhaçada. «Isto não é para quem não tenha sentido de humor», avisaram-nos antes do concerto. Está certo. Curiosamente, o Nilton diz exactamente a mesma merda.

Se os Boca Doce me fizeram perder a fé na música, How To Dress Well fez-me perder a fé no amor. Em disco, Tom Krell e o seu projecto de R&B a puxar para o alternativo não me havia causado grande incómodo, mas ao vivo há toda uma série de novas subtilezas que se puderam captar apesar dos problemas com o ruído dos outros palcos (ou então eu é que estava muito alterado), algo que o próprio não se coibiu de criticar por várias vezes. Naquela voz aguda escondem-se dramas, vidas trágico-cómicas, as palavras que nunca lhes diremos por pudor ou vergonha; How To Dress Well é um destroço emocional à espera de nos acontecer e foi muito por isso que foi dos melhores concertos deste Alive. Em quarenta minutos ficam os ritmos ora arrastados ora dançáveis ao jeito de Ibiza, o bastante público que o viu actuar e os versos de "I Wish", versão que fez de R. Kelly. Googlem.

Não seria talvez a melhor opção a seguir ao que se passou no Clubbing, mas os Rhye tinham obrigatoriamente de ser vistos - afinal de contas, é deles um dos discos do ano. Apresentando-se enquanto banda, tiveram de superar os problemas do costume enquanto algum público se aglomerava no Heineken, especialmente para ouvir "Open", facto a que até Mike Milosh, o dono da voz andrógina, fez alusão. Entre um bom set com ecos de bossa nova, R&B, as melhores malhas das compilações do Café Del Mar e sexo tântrico, os Rhye fizeram por merecer essa afluência, gerada pelo hype, é certo, mas uma prolongada "Last Dance" só nos faz querer dar-lhes o mundo. Fora isso é pena que não tenham permitido a captação de fotos. Até foram hipócritas ao ponto de as tirarem eles, ao público, para as suas contas de Instagram. Para a próxima também levo um sinal de proibido para as grades.

Os Depeche Mode ainda existem em 2013. Crítica? Nah, ainda bem que o fazem; é impossível não ficar indiferente, passem os anos que passem sem lhes ouvir os discos, a canções como "Walking In My Shoes", "Enjoy The Silence" ou, evidentemente, "Personal Jesus", com um início bluesy a preparar os presentes para a descarga que se lhe seguiria. Houve igualmente espaço para os temas do mais recente Delta Machine, mas o melhor momento para quem estava a ver da porta da sala de imprensa (isto é, eu e a minha fotógrafa) foi "Just Can't Get Enough", essa canção de tempos idos que continuam a tocar mesmo depois de todas as drogas e todos os vícios e todos os dramas e quejandos. Um belíssimo concerto para nos restaurar alguma fé. Depois disso os 2 Many DJs ocupar-se-iam do palco principal para tocar as remisturas que tão bem lhes conhecemos, período durante o qual um alterado Kevin Parker irrompeu pela sala de imprensa e quase que prometeu marcar presença no Milhões de Festa, e os Crystal Castles apresentariam um set em tudo idêntico ao do concerto no TMN ao Vivo de Fevereiro, razão pela qual não valia a pena resistir mais que seis canções.À hora a que este texto é redigido Lisboa vê nascer um sol que demorou três dias, um calor que não se fez sentir por Algés e uma vasta multidão de zombies que passaram pelo Optimus Alive (150 mil, diz a organização) para disfrutar de um pouco de música - música essa que, apesar de uma ou outra excepção, até se fez ouvir durante estes dias. Para o ano há mais, havendo já datas marcadas para o segundo fim-de-semana de Julho. Para já ficamos com as recordações de 2013.

Recordações essas que esbarrarão sempre no sósia de Kevin Parker que passou pela sala de imprensa (e que por duas vezes foi expulso), sendo que ao original encontramo-lo a dormir no seu camarim antes de nos conceder uma curta entrevista que poderão ler depois; razão pela qual a nossa experiência em termos de concertos no terceiro dia começou apenas pelas 18h quando os Linda Martini subiram ao palco principal abrindo desde logo com a magnífica "Dá-me A Tua Melhor Faca", colocando ao rubro a muita juventude sónica que acorreu para ver a banda portuguesa. Não faltou "Ratos", o single de avanço do disco a sair em Setembro, mas faltaram, segundo algumas fãs, os calções de Hélio Morais.

Teria sido esplendoroso (um adjectivo que não se utiliza muitas vezes, e é pena) que o Alive tivesse tido melhores condições meteorológicas que aquelas que teve (ou: sdds sol), mas infelizmente nem os Tame Impala conseguiram trazer o astro-rei até ao recinto. Trouxeram, contudo, um dos melhores concertos do festival, demasiado curto, demasiado bom. Psicadelia é isto; não meter nada no sangue e mesmo assim sentirmos-nos a flutuar no espaço, culpa muita dos teclados gamados ao prog dos setentas, do ritmo quasi-motorik, das guitarras em ponto de magia. Rendição total perante a banda que, como seria de esperar, recebeu uma maior ovação quando pelo festival ecoou "Feels Like We Only Go Backwards". Mereciam mais meia hora no mínimo. Eles e nós.

Já os Phoenix deram uma lição de como fazer bom pop/rock - ou não fossem eles os autores de "Lisztomania", que valeu coros por parte da audiência. A maioria, presume-se, já estaria ali presente para ver os Kings of Leon, por entre cartazes a pedir as coisas do costume e um cachecol do Leixões (!) e uma bandeira do Vitória de Guimarães (!!) mas esperemos que depois da actuação dos franceses confessem os seus pecados e se entreguem de ouvido a uma das melhores canções de um atípico 2013: "Trying To Be Cool", pois claro, a história da nossas vidas feita canção. Esperemos que regressem em breve.

Dos Kings of Leon não há muito a dizer: de chonice country a chonice rock, aos norte-americanos faltou vertigem. Na nossa modesta opinião, é claro, porque todos os outros estavam a adorar. Mais adoraram quando, finalmente, e depois de três dias a serem martelados com o marketing quase abusivo que era transmitido nos ecrãs, a banda toca finalmente "Sex On Fire", canção para ter rendido uma boa noite de romance a alguns dos casais presentes. Isto se o azeite não lhes apagou as chamas. Veredicto final: o Optimus Alive 2013 valeu por uma mão cheia de concertos e por abraçar gente que não abraçamos todos os dias. Que é, se calhar, a razão maior para se ir a um festival. Seja ele qual for.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
18/07/2013
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