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Warm-Up Paredes de Coura
Praça D. João I, Porto
12-13/04/2013


Um dia, um cinquentão gordo, careca, auto-depreciativo e que passou a sua juventude a brincar às críticas de discos irá perguntar-se, pesquisar nos confins da memória: o que raio se passou no dia zero do warm-up? Isto, claro, se sobreviver até lá, se, como tão avidamente tem procurado, não definhar aos 27 como as estrelas do rock que idolatra, se voltar a apanhar uma carraspana tal que só vagos traços - como ter um membro da família Coronado a saltar-lhe para cima e acordar ao lado de uma rapariga lindíssima sem saber como chegou à cama - se vão desenhando na sua cabeça. E irá, muito filosoficamente, questionar-se se valeu a pena, se foram meros desvarios da idade ou influências do ambiente portuense. Talvez um misto dos dois. E talvez valha sempre a pena.

Chegamos ao recinto já os Capitão Fausto aquecem para Paredes de Coura com as canções que fazem parte de Gazela, disco de 2011 que os deu a conhecer. Pop/Rock descomprometido, despretensioso, dançável e divertido q.b. para pôr alguma gente a abanar a anca, ainda que estraguem tudo ao mencionar a sua proveniência (não pronunciem a palavra proibida - Lisboa - aqui!). Aproveitam para dizer que têm álbum novo a sair em 2013 e tocam uma canção nova, "Formariz", o que faz todo o sentido (vejam na Wikipedia). Um bom concerto de uma banda que, ao contrário de outros exemplos cantados em português, não nos ofende de maneira nenhuma. Sim, é um (elogio).

Ofender-nos, só os Veronica Falls. Bem, não tanto ofender, como obrigar-nos a ignorá-los: ressaca twee melancólica sem sal algum que a miudagem, claro, adora, e da qual os adultos - a "malta fixe" - fogem a sete pés. Por esta altura já as barraquinhas da cerveja se mostravam imensamente apelativas, até porque só de fugante copo na mão se consegue vislumbrar alguma piada nas guitarras choninhas dos britânicos. Melhor sorte para a próxima.

Os Wedding Present, diz-nos David Gedge, são uma banda semi-lendária. George Best, o seu primeiro disco, que os colocou ali à cabeça do movimento C86, existe para o comprovar. Revisitaram-no, como manda a praxe, através da maravilhosa "Everyone Thinks He Looks Daft", tendo antes começado com a não menos boa "Yeah Yeah Yeah Yeah Yeah" (de Watusi, 1994) e passado ainda por "Kennedy" - a nossa gula impele-nos a perguntar se existirá, como eles cantam, algo como demasiada tarte de maçã. Não houve, contudo, demasiado Wedding Present; concerto bom mas curto, de uma banda que não só pelo status merecia ter sido cabeça de cartaz.

Os Everything Everything, parece, são a nova coqueluche do meio indie. E há todo um público à sua espera, de braços no ar, de pernas por cansar, de lábios por mexer em sincronia com as melodias e com as letras. Mas a nossa honestidade não nos deixará mentir; os britânicos a mais não soam que uma versão abichanada dos Alt-J e dos ritmos calorosos dos Vampire Weekend, salganhada de pop tosca e desinspirada com o rótulo de "estranho" para que os vinis possam vender mais. E só de pensar que em Agosto voltarão cá... Socorro!

Representantes do ruído e do caos punk, os No Age incendiaram a tenda através das guitarras - e, ao início, de uma drum machine por trás -, tendo terminado nos braços de um público bastante jovem mas destemido q.b. para invadir o palco mesmo na presença de seguranças que, parece-nos, não lidam bem com a anarquia. Um pouco inconsistentes (por vezes, perdiam-se demasiado no barulho e o som não terá ajudado), não deixaram por isso de cumprir a sua missão, ainda que após os Everything Everything muito deste público tenha (estupidamente) abandonado a sala. No final descem para falar um pouco com a rapaziada que tomou as grades de assalto e tirar umas quantas fotos para o Instagram. Gesto bonito e que deu por terminada a noite.Embora a disposição para ver uma banda que vai pelo nome de "Sensible Soccers" não fosse a melhor - virtude de um certo resultado num jogo desse mesmo soccer a ocorrer à mesma hora - a verdade é que o quarteto não desilude nunca, conjugando grosso modo a melodia etérea das suas guitarras com a finesse do beat balear (ou: como encher uma frase com jargão absurdo na secreta esperança de voltar a ser insultado aqui), proporcionando um concerto sobejamente agradável, ainda mais para quem destes sensíveis viu já tudo e mais alguma coisa. Faltou "Fernanda", e, claro, uma qualquer cover dos Smiths, indiferentes que estavam aos cartazes de uns quantos fãs mais acérrimos nas primeiras filas (ou talvez não), mas existiu um concerto fenomenal a abrir da melhor forma a segunda noite do Warm-Up. Para que, um dia, o cinquentão de ontem se pergunte: os Sensible Soccers eram do caralho, não eram?

As Stealing Sheep são três meninas fofinhas que fazem música de acordo com a sua personalidade; tão leve que poderia encher uma almofada onde deitássemos a cabeça e adormecêssemos um sono profundo, indiferentes ao que nos rodeia - e principalmente às Stealing Sheep. Mais uma banda indie que por algum motivo adorna os discos rígidos das crianças da audiência (sim, que ninguém no seu perfeito juízo lhes há de ter comprado um disco) e que provoca desenfreados suspiros asmáticos de bajulação. Com tantas coisas de maior assunto por aí a circular esperemos que alguém tenha aproveitado a dica e ido jantar. Além do mais, que pessoa de má rês roubaria uma ovelha?

Os Linda Martini marcaram uma geração; se os Ornatos Violeta são para os ex-fiéis do mIRC aquela banda que proporcionou ternos momentos na juventude (o primeiro beijo à séria, a primeira saída nocturna, o primeiro chumbo escolar, esse género de situações) o quarteto lisboeta é-o para os que ainda chegaram a tempo de se maravilhar com o falecido MSN - dado o imediatismo das suas letras, dos versos corta-e-cola, das palavras sujeitas a aparecerem como um graffiti numa qualquer rua suja do Bairro Alto. O primeiro concerto dos Linda Martini deste ano foi um belíssimo exercício de memória, seja porque "Dá-me A Tua Melhor Faca" ainda existe amargamente no nosso imaginário (belíssima canção, embora demasiado suicida para quem já tenha chegado aos 26) ou porque "Nós Os Outros" parece fazer hoje mais sentido do que nunca (a idade não é um posto, diz-se). E ainda houve "Este Mar", "Cronófago", "A Severa", "Cem Metros Sereia" e "Belarmino", para além de uma canção nova (!) para nos fazer crer que os Linda Martini continuarão a ser tão grandes em 2013 como o eram em 2005. O hedabanging furioso de muitos comprova-o. As letras da ponta da língua de outros idem. E, porque não dizê-lo, a excitação feminina com a barba de Hélio Morais também. Mereceram uma vénia.

Vénia, igualmente, a Omar Souleyman. O sírio apresentou-se novamente no Porto para apresentar canções cujas letras ninguém naquela tenda saberia traduzir, canções que se fossem tocadas por um qualquer artista pimba da nossa praça seriam esculachadas e deitadas ao lixo - tidas, até, como música para gente ignorante, canções que só são aprovadas pela intelligentsia porque o "exótico" ainda vende. Independentemente dos estudos que se possam efectuar acerca da aprovação ocidental de um artista como Omar Souleyman, a verdade é que esta música cumpre o seu pleno propósito: fazer dançar, fazer mexer, existir exclusivamente para aquele momento de festa e de loucura (e tantos que eram os loucos!), sem necessidade de pedir algo mais. Apenas que Souleyman continue a existir dentro da bolha do hype, porque se trata daquelas coisas que não só não se podem perder como são obrigatórias em todo e qualquer festival que se preze. Tão gigante que nem existe vontade de preencher uma "crítica" com adjectivação moderadamente xenófoba, mas lá terá de ser: foi um set explosivo.

Foi um pequeno erro de casting: não teria sido melhor para todos que Lee Ranaldo tivesse trocado de horário com Souleyman, para que a festa antes iniciada pudesse prosseguir sem interrupções? Não que o ex-Sonic Youth (ou melhor: os ex-Sonic Youth, visto que Steve Shelley o acompanha na bateria) não tenha dado um bom concerto; foi-o, de facto, tendo apresentado em palco canções de rock puro e vertiginoso, algures entre os restos de criatividade dos SY e a procura de algo novo. O entusiasmo foi, isso sim, menor do que poderia ter sido, o que não impediu que a Praça D. João I se enchesse de gente para ver um dos maiores veteranos alternativos em acção. Mas talvez esses mesmos que a encheram não tivessem abandonado em massa o recinto quando Matias Aguayo sobe ao palco... se bem que, admitamos, o set deste foi bastante execrável - e as tentativas dos poucos presentes para tentar avivar a festa foram travadas por uma certa autoridade a mais. Neste primeiro Warm-Up (espera-se que de muitos) foi principalmente este o ponto negativo; não deixarem a miudagem curtir a festa. Provavelmente pensarão que o que faz falta é um Bashar Al-Assad em cada esquina.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
14/04/2013