Regra geral, quem vai ao Cartaxo experiencia quase sempre dois tipos diferentes de
trips: aquela que é provocada pelas marés de decibéis ácidos que têm tomado conta do Centro Cultural da cidade em tempos recentes, marés essas que são ainda potenciadas por certas e determinadas substâncias trazidas nos bolsos dos casacos; e aquela que se faz em carros que, à partida, aparentam deficiências motoras graves mas que depois - e auxiliadas pelo toque da voz de B Fachada - percorrem trinta quilómetros como se nada fosse, rumo à aventura e ao desconhecido. Tal é o apelo do rock n' roll, o seu cliché máximo, o seu paralelo não-musical. E se essa componente não existisse, aqueles acordes seriam pouco mais do que barulho. É tão bonito, o romance, e precisamos tanto dele numa altura em que o mundo parece querer desabar sobre si próprio.
© Miguel Pires
Dois tipos diferentes de
trips equivalem igualmente a duas formas distintas de ver e ouvir os Infuse. Uma é cá fora perante o frio que teima em não perecer enquanto se digere o jantar, a outra já dentro do espaço enquanto o quarteto toca um pós-rock com traços
psych como se fora gente grande e não apenas um grupo de miúdos. Destaque para a secção rítmica e um enorme aplauso por terem conseguido, nas duas últimas canções, encarnar a tensão melódica saudosista que tanto gostamos nos Mono. Como forma de homenagear igualmente o malogrado Roger Ebert, digamos que estes Infuse mereceram
two thumbs up; venham deles mais coisas bonitas, se faz favor.
© Miguel Pires
O quinteto nova-iorquino teve alguns problemas no que à voz e a uma das guitarras disse respeito, mas deu um óptimo concerto perante as cerca de cinquenta/sessenta pessoas (não mais, infelizmente) que desta feita se quedaram pelo piso principal do centro ao invés da cave onde os Telescopes e os Oscillation haviam fritado alguns cérebros. Psicadelismo e propulsão
kraut apontando ao abandono corporal, ou uma ganza que bate bastante forte. Irrelevante - os Psychic Ills são bons, apaticamente
cool, e apresentam ao vivo uma
nonchalance narcótica tal qual os Spacemen 3 e todos quantos posteriormente seguiram a
blueprint de Jason Pierce (que é Deus). Incidiram maioritariamente sobre o novo
One Track Mind, como seria de esperar, com destaque para a prestação carregada de
groove de "Might Take A While" por parte de uma baixista que havia claramente partido para novos mundos. No final,
encore duplo com "Ring Finger" (de
Hazed Dream, 2011) e "January Rain" (do velhinho
Dins, de 2006), após o jogo habitual com a insistência do público. É tão bonito, o romance, como o é o jovem casal que ainda arranjou forças para se encher de felicidade durante o DJ set posterior. Fossem todas as pessoas assim.