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Amplifest 2012
Porto
26-28/10/2012


Barn Owl

Eis que finalmente chega o evento com o melhor cartaz do ano: o primeiro dia do Amplifest contrariou as previsões de quem veio munido de botas e impermeáveis para a Invicta, tendo o sol dado ares imensos de sua graça e dourando ainda mais aquela que deveria ser comummente conhecida como a mais bela cidade do mundo civilizado. Nem o mínimo de frio proveniente da nortada impediu que as poucas dezenas que tiveram a oportunidade de comprar o passe de três dias, que dava acesso ao concerto dos Barn Owl no Passos Manuel, fizessem fila e enchessem o antigo cinema para dar as boas vindas à nova edição deste festival de peso.

© Angela Costa

Fale-se então dos norte-americanos. Para quem não possuía expectativas absolutamente nenhumas acerca daquilo que o duo faz em palco, tendo perdido as suas outras vindas ao país, há que dizer que o concerto oscilou entre o bom e o indiferente. Admitamo-lo, talvez lá tenhamos entrado com uma ideia pré-concebida daquilo em que consistiria a música de Jon Porras e Evan Caminiti para lá de uma rodela de acrílico, que acabou por se revelar exactamente a oposta. Mais perto dos Tangerine Dream que dos Pink Floyd, o psicadelismo dos Barn Owl agradou a alguns e deixou outros, assumidamente grandes fãs, algo desapontados.

Durante uma hora, a exploração sensorial que o duo se predispôs a fazer foi essencialmente baseada na electrónica, com drones e sintetizadores pingando ácido kösmiche, acompanhados a espaços por uma incursão metálica através das guitarras. De muito bom, apenas os momentos em que a sala parecia tremer dada a pujança sonora (no que a isso diz respeito somos obrigados a dar cinco estrelas - ancestrais - à acústica do Passos Manuel). O restante revelou-se apenas um agradável concerto; pedia-se mais, muito mais. Pedia-se sobretudo transe, mas estivemos mais perto do sono. Paulo CecílioSix Organs Of Admittance

Eis a casa real do Amplifest, o imponente Hard Club, mítico local portuense onde o ar se sente carregado de rock n´ roll, esquecendo uma outra incursão esporádica do PA pelos Coldplay ou pelos U2 (num festival destes, a sério?). Aliado ao ambiente de salutar camaradagem que se vivia, e induzido igualmente pelos cartões de oferta dos bares - benditos -, não poderia ter começado da melhor maneira o segundo dia do Amplifest, com a banda de Ben Chasny a proporcionar um belíssimo concerto perante os muitos que se concentravam já na sala um do Hard Club. Sempre entregues ao riff e ao peso, oscilando entre o thrash da velha escola e o rock psicadélico à la Rallizes Dénudés, em que uma linha básica de baixo é repetida à exaustão e acompanhada por pura electricidade, os Six Organs Of Admittance não defraudaram expectativas e deixaram muitos de cabeça à toa (e de pés no ar, igualmente). Não esquecer que para muitos o novo Ascent será um dos discos do ano. Paulo Cecílio

© Angela Costa

White Hills

Logo ali ao lado, na sala 2 do Hard Club, cheia cheia cheia para a ocasião, os norte-americanos White Hills fizeram justiça ao seu nome e deram uma lição de rock psicadélico com uma belíssima colecção de riffs montanhosos. Partindo muitas vezes das canções espaciais do mais recente Frying on this Rock, uns White Hills em excelente forma penetraram os ouvidinhos de todos os presentes com doses industriais de fuzz e feedback. Uma dupla penetração, portanto. André Gomes

© Angela Costa

Bohren & Der Club Of Gore

Havia imensa ansiedade e algum receio daquilo que pudessem fazer os alemães - nomeadamente se conseguiriam, na sua estreia em Portugal, transpor para o palco as verdadeiras viagens sonoras em que consistem os seus discos, a vaga ideia de serem a banda sonora de um cigarro a apagar-se lentamente, esquecido num qualquer bar de uma qualquer viela. Receios infundados mal arranca o piano, sombrio, prontamente seguido pelo saxofone num cenário de negrume que foi verdadeiramente o ideal para o seu estilo de música (mas péssimo para fotógrafos). Os Bohren, figuras que têm conquistado algum culto, não se limitaram a dar ao público o que este pretendia: superaram-se. Se para um ouvido mais destreinado este tipo de jazz melancólico e carregado soa tudo ao mesmo, para outros revelou-se uma experiência hipnótica fascinante - ou seja, tudo aquilo que os Barn Owl, no dia anterior, deveriam ter sido. Demoraram demasiado tempo até vir cá; esperemos que não demorem muito mais a regressar. Até porque concertos deste tipo, paradoxais, alarmantes e relaxantes em proporções exactas (divertidos, o sotaque e as frases filosóficas de Morten Gass entre canções), são sempre imperdíveis. Paulo Cecílio


© Angela Costa

Amenra

Seria difícil para uma banda metaleira editada pela Neurot não encaixar no cartaz do Amplifest. Por isso mesmo, os Amenra caíram como uma luva, quase a fechar a noite de sábado, depois dos portugueses Process of Guilt. O som arrastado de semelhante banda só faz sentido quando se move apoiado em riffs vistosos e propulsores de cabeças. Se acompanhado de uma voz de navalha com uma grande cruz invertida ao longo das costas, melhor. Enraivecido q.b., negro na dose certa. Tiago Dias

© Angela Costa

Löbo + RA

Primeiro, o quarteto: doom drogado, militar, incrivelmente pesado e convidativo ao headbang. Depois, o Rei Abutre, electrónica exploradora do lado depressivo da força. Juntos, cerca de quarenta minutos cada um, fecharam da melhor forma os concertos de sábado no Hard Club, ainda que a pouco e pouco o público se dispersasse e saísse e deixasse a sala dois algo despida. Se é verdade que a alma se mede com mãos cheias de pedras, os Löbo mereciam ramos enormes de rosas (negras, quiçá, para condizer). Quanto a RA, Rancor soou melhor ali naquela sala do que em qualquer outro espaço em que o tenhamos encontrado. Apesar de, contrariamente aos apelos insistentes do público, não tenha passado Smiths. Paulo Cecílio

© Angela Costa
Jozef van Wissem

No domingo o Amplifest saiu do Hard Club e entrou na Sé do Porto numa belíssima sala - espécie de capela - que Jozef van Wissem havia de encher de som - ainda que sem ajuda de amplificação - com o seu alaúde. Em vez de alguma atonalidade que marca o seu trabalho, o músico holandês optou por composições melodicamente acessíveis e directas - de belo e imediato efeito. Em pouco mais de quarenta minutos, entre temas de discos a solo e discos em colaboração com Jim Jarmush, Josef van Wissem deu um belíssimo concerto e nem sequer se esqueceu de agradecer ao padre da Sé pela simpatia de proporcionar um momento daqueles a todos os que encheram por completo a sala. Espera-se que para 2013 o Amplifest volte a repetir a gracinha de "descentralizar". André Gomes

Black Bombaim

Todos os concertos dos Black Bombaim resultam no mesmo - intensas descargas de electricidade, viagens stoner por universos inimagináveis sem um auxílio psicotrópico, o peso que se abate sobre os nossos pescoços quando não conseguimos parar de assentir repetida e furiosamente. E, no entanto, existe sempre um elemento de imprevisibilidade que impede que os Black Bombaim se tornem apenas mais uma banda, um nome no cartaz que possamos ignorar facilmente porque já os vimos duas, cinco vezes; não, sorrimos como se fosse a primeira mal se chega ao break da faixa de abertura de Titans e ouvimos a voz de Adolfo Luxúria Canibal a ressoar nas nossas cabeças mesmo que ele não se encontre de todo presente. Mais um concerto em cheio da banda de Barcelos, que contou igualmente com a ajuda preciosa de Tiago Jónatas e Pedro Sousa. Será que não se cansam de ser tão grandes? Paulo Cecílio


Oxbow Duo

Existia o receio de que o formato duo retirasse muito daquilo que torna os Oxbow um dos nomes mais cultuados do noise rock. Entramos na sala e apercebemos-nos de que nos enganámos. Redondamente. Porque existe sempre Eugene Robinson, dono de um vozeirão imponente, garganta afinada em direcção ao blues e à soul - a verdadeira, a que é arrancada a ferros da pele -, juntamente com um guitarrista quase perfeito na sua abordagem ao instrumento (as guitarras, como as pessoas, devem contar histórias e não notas), que proporcionaram o melhor concerto do Amplifest, exemplificando tudo aquilo que o rock deve ser: violento, assassino, assustador, imprevisível. A par de um lento strip-tease que parou mais cedo do que as crónicas normalmente dizem, Eugene Robinson contou histórias escritas a sangue, clamou por Deus com meio corpo enfiado num esgoto metafísico e o restante em sexo alheio, fez música alimentada a gasolina (fire it up!) e deixou gente de boca aberta e braços na cabeça: de onde surgiu isto?. Prova cabal de que as opiniões infundadas estão sempre erradas, seria por eles, mais que pelos GY!BE, que o festival deveria ter esgotado. Resumindo: absolutamente genial. Paulo Cecílio

© Angela Costa

Godspeed You! Black Emperor

Os GY!BE reformaram-se, embora nunca tenham realmente desaparecido, mudaram de nome, se bem que ninguém os recorde verdadeiramente como God's Pee, e lançaram um novo disco, que entretanto todos ouvimos, ainda que não fosse por ele mas pelos trabalhos anteriores que muita gente se deslocou ao Hard Club para testemunhar a força sonora dos Canadianos em primeira mão. Durante duas horas e alguns minutos, os Godspeed assaltaram os ouvidos de cada um com camadas e camadas de excelente ruído, desde "Mladic", quiçá a melhor canção retirada de Allelujah! Don't Bend! Ascend!, onde os encontramos em modo dançável (!) via Balcãs, passando por "Sleep", que valeu uma enorme ovação do público, até "Behemoth" e "Monheim", sendo que nesta última a guitarra de David Bryant morre para sempre, o que impediu que "East Hastings", planeado encore, fosse rejeitada após três notas - mordendo aquilo que poderia ter sido um concerto perfeito. Apesar destes problemas, os GY!BE não foram nem mais nem menos daquilo que se esperava; foram simplesmente eles próprios, ou seja, muito bons. Mas, por favor, que não se lembrem de voltar a arriscar canções quando há pessoas a querer apanhar comboios. Paulo Cecílio


© Angela Costa