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The Telescopes / James Jacket - Cartaxo Sessions
Centro Cultural do Cartaxo, Cartaxo
21/09/2012


Ama-se o rock n´ roll onde a estrada começa. Da estação de comboios de Santana/Cartaxo até à cidade propriamente dita distam dois, três quilómetros mal alcatroados, assustadoramente desertos e iluminados apenas pela meia-lua e pelo ocasional par de faróis que a atravessam sem pensar que alguém poderá ser louco o suficiente para fazer tal percurso a pé; esse, o louco, acaba por ceder, por um breve instante, à racionalidade de se indagar porque motivo teria ele feito este percurso, para de pronto concluir que a sanidade mental nunca foi um dos seus pratos fortes e prosseguir viagem por entre o cheiro a merda e a vinho que exalam os campos em torno. Após quase hora e meia de caminhada o sistema GPS do telemóvel revela-se um aliado precioso e o Centro Cultural do Cartaxo surge-lhe no campo de visão, bendito edifício onde, durante este Outuno, as Cartaxo Sessions terão a missão de trazer um pouco mais de vida a esta pequena localidade Ribatejana, tendo-se iniciado essa missão com um concerto dos The Telescopes, banda britânica e algo mítica do princípio dos anos 90, que hoje, da formação original, só conta com o vocalista Stephen Lawrie.

Antes disso: James Jacket, guitarrista e membro fundador dos não menos algo míticos Les Baton Rouge, teve a tarefa ingrata de tocar o seu rock de toada negra, em que a guitarra é acompanhada apenas pelos loops que o próprio colocou a tocar na caixinha mágica a seu lado, para uma audiência mais preocupada em manter a conversa em dia do que em prestar-lhe atenção propriamente dita - algo que continuou a espaços na hora seguinte, durante o espectáculo do cabeça de cartaz. O pobre James não merecia tal coisa, tendo dado um óptimo concerto onde se destacaram os ritmos industriais de "Plague" e os riffs que aqui e ali lembravam os Mão Morta de início de carreira.

Tal como os Rallizes Dénudés e Boyd Rice, os Telescopes parecem acreditar no conceito de "assalto sensorial total"; tocando praticamente no meio da audiência e tendo como pano de fundo a projecção de Man Bites Dog, filme com o mesmo estatuto de culto que a banda e mockumentary sobre os crimes de um assassino, os britânicos encheram o pequeno espaço com camadas e camadas de ruído, torturando os ouvidos dos presentes de uma forma que só encontra o seu mestre absoluto em Kevin Shields. À medida que os olhos testemunhavam cenas como aquela em que Ben mata uma criança (spoiler alert), os Telescopes compunham a sua banda-sonora em tempo real, rock acelerado e perturbador como uns Spacemen 3 sem drogas no sangue que, após incursões por "The Perfect Needle" e "Violence" - retiradas de Taste, álbum de estreia em 1989 -, por um breve snippet de "Mushroom", dos Can, e por um pedido não correspondido para que James Jacket a eles se juntasse para uma canção, alcançou o seu zénite em "Suicide", malha enorme que acabou com o concerto e com a racionalidade que restasse nas 30/40 pessoas que se deslocaram ao C.C.C.. Existe por aí muito bom concerto rock que nos prende os sentidos; poucos os destroem e a qualquer noção de ego da forma violenta com que os Telescopes o fizeram. No regresso a casa, o louco deu por si perdido na madrugada, a sentir-se como uma ausência, agarrado à ideia de Deus. Isso deve querer dizer alguma coisa.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
24/09/2012