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Beak>
Teatro Maria Matos, Lisboa
14/09/2012


Os Beak> são comummente referenciados como “o projecto paralelo de Geoff Barrow, dos Portishead”, mas trata-se de uma descrição algo redutora. Desde logo, tendo em conta a presente dedicação de Barrow a ambas as causas – os longos e densos eclipses criativos dos Portishead apontam no sentido inverso, ou seja, os Portishead enquanto “projecto paralelo de Geoff Barrow, dos Beak>”, passe a hiperbolização. Ao que se acresce a dúvida (emergente) sobre quem influencia quem? Uma das raras provas de vida dos Portishead desde “Third” (Island Records, 2008), o single “Chase The Tear” (XL Recordings, 2011), editado em 12´´, não soa mais e melhor ao krautrock embebido em new wave dos Beak> do que ao trip-hop multidireccional da segunda vida dos Portishead?

Ou nem tanto assim, na justa medida em que “Third”, precisamente, já continha o embrião (entre diversos outros) da linguagem sonora que viria a ser exponenciada por Barrow no âmbito dos Beak>, cujo álbum de estreia, homónimo, data de 2009, com o selo da Invada (outro “projecto paralelo” de Barrow). Sobretudo a faixa “We Carry On”, cuja audição reveste-se hoje de um significado prenunciador que passou relativamente despercebido em 2008 – “Machine Gun” parecia então ser o mais provável caminho novo para o trio de Bristol. Tudo isto para realçar a importância da música dos Beak>, outro trio de Bristol que, desta feita, conjuga Barrow (bateria e teclados) com Billy Fuller (baixo) e Matt Williams (guitarra, teclados e sintetizadores). Não, não são apenas um “projecto paralelo”.

Pudemos comprová-lo na estreia do grupo em palcos lisboetas, no Teatro Maria Matos, Lisboa. Um concerto pleno de intensidade metafísica (o efeito narcótico da repetição rítmica, a geometria quântica dos sintetizadores, os espectros dos Joy Division e dos New Order em faixas como “Blagdon Lake”, as evocações do trip-hop de Bristol e mais explicitamente do krautrock de Berlim, a capacidade de superação sensorial de um Matt Williams tão ébrio quanto talentoso, entre outros elementos) e autenticidade artística (vasta improvisação, sem contudo descurar a matriz original plasmada nos dois LP da banda, sintoma do perfeccionismo de Barrow). Pautado por uma relação quase harmoniosa, no limite do possível, entre o automatismo dos sintetizadores e a autonomia dos instrumentos.

Pouco comunicativos (falaram sobretudo entre eles, nos intervalos das faixas), com um sentido de humor muito subtil, essencialmente focados na música que é soturna e claustrofóbica. A voz de Barrow é quase imperceptível, como que submersa na linha de baixo. Daí, talvez, terem procurado uma voz feminina, chegando a ensaiar com a jovem Anika que, no entanto, acabou por lançar um disco em nome próprio (e produzido por Barrow). Seria uma hipótese de escapatória, a introdução de uma vocalização mais à superfície, mas por enquanto a força motriz dos Beak> passa fundamentalmente pelas mãos de Matt Williams, cuja actuação surpreendeu pela destreza, criatividade e sentido de abstracção. Barrow comanda as operações mas é Williams quem confere brilho à coisa. Quem diria?

Gustavo Sampaio
gsampaio@hotmail.com
18/09/2012