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Erykah Badu
Hipódromo Manuel Possolo - Cascais
19/07/2012


Foi a pouco e pouco que o piso relvado do Hipódromo Manuel Possolo em Cascais se encheu para receber uma das raras visitas de uma Senhora da Soul ao nosso país (Joss quem?). E o facto é que a estreia de Erykah Badu em solo português teve uma assistência em número muito respeitável. Sobretudo se, a julgar pelas notícias, os Keane e os Scissor Sisters tiveram bastante mais “azar”. Culpa de quem não percebe que os Keane não têm êxitos desde o primeiro disco? Enfim, adiante.

É costume estas senhoras serem temperamentais, e selectivas na escolha da hora em que sobem ao palco. Antes de vislumbrarmos Erykah Badu, tivemos direito a meia-hora do seu DJ, Rashad “Tumbling Dice” Smith. Este podia ter-se ficado por músicas como “100%” de Big Pun, mas, talvez percebendo que estava em Cascais, passou a “Kiss”, a “Sweet Dreams (Are Made Of This)” e a “Could You Be Loved?”. Para quem gosta de ver betos a darem socos no ar, vulgo dançar, foi uma experiência decerto agradável. Novamente, adiante, que o público tinha, verdade seja dita, muito aficionado da soul e do hiphop para ver a senhora que, parecendo que não, já tem uma carreira de 15 anos. Pois Erykah Badu, essa, não veio com vontade de defraudar ninguém. Com a companhia de onze pessoas em palco, a sua coolness foi contagiante durante quase duas horas de concerto. Ao bom estilo da soul, trabalhou com os músicos e deixou que estes trabalhassem para si. Entrou em jogos com as melodias, com os refrões, com tácticas call and response, e mostrou que tem uma voz extraordinária. No sentido em que esta desliza sobre a instrumentação, e parece derreter sobre a mesma.

Curiosamente, para uma banda de 11 membros, foi sobretudo a parcimónia que sobressaiu. Sabe-se que o que distinguiu a neo-soul foi o incorporar da presença do hiphop nos sons que já vinham de anos passados. E é assim que podemos interpretar o acompanhamento esparso e parcimonioso da voz de Badu que surgiu em muitas das músicas, sendo que, quando foi preciso, toda a gente soube entrar e sair do puzzle. Badu cantou sobre amor, emancipação e consciência social, também como a boa soul pede. Dançou pelo palco, brincou com os elementos da sua banda, parou músicas para recomeçar mais tarde, misturou algumas, e chegou, inclusivé e já no encore, a fazer um crowd-surfing para deleite da multidão. É uma estrela, sim. Só que uma estrela que pareceu ganhar em alegria, confiança e empatia à medida que o tempo passava, e isso conta muito.

O único possível senão foi o facto de, se calhar, Erykah ter escolhido mal o local para fazer propaganda pró-Zapatista e pró-Power To The People. No entanto, isso são considerações que cabem à consciência de cada um. Vivemos uma noite com uma artista que, de “Twenty Feet Tall” a “Bag Lady”, de “Apple Tree” a “Soldier”, espalhou beleza, simpatia e talento por todo o recinto. Ainda bem que o seu “I guess I’ll see you next lifetime” não é para todos. Ela faz muita falta aqui.

Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
22/07/2012