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Michael Gira
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
30/05/2012


Há quem cante o amor, a vida e a morte, pesadelos existenciais. Há quem cante a droga, a natureza, o espaço celestial, ou a banalidade do dia-a-dia. Depois há Michael Gira: ele canta a revolta e, principalmente, a desistência - de tudo, de todos. Do ar que se respira ("Oxygen"), do corpo em si ("She Lives!"), do passado do qual nos arrependemos ("Blind"). Tudo isto esteve presente na ZdB, que acolheu o regresso do eterno vocalista dos Swans. Desistência foi, também, o mote para se ter abandonado o concerto a meio - assim obrigada pelo maravilhoso sistema de transportes públicos.

Antes disso e durante meia hora - e durante o restante, apostamos - todo aquele espaço foi dele. Desengane-se quem julga que Michael Gira a solo não é nada quando comparado com o poderio sonoro da banda nova-iorquina - bastou começar a cantar. Ou, melhor dizendo, a pregar: um vozeirão a rasgar o caminho entre este mundo e o outro que não se sabe que existe, mais violento ainda que o noise/drone do quinteto de David Maranha, que abriu hostilidades com uma peça ininterrupta mantida viva pelo excelente Gabriel Ferrandini, que na bateria impediu uma qualquer apropriação do público por parte da monotonia.

Mas falávamos de desistência. Existe algo que nos dê mais razão neste ponto que o facto de, antes dos concertos, se ouvir "Suicide" dos Spacemen 3? Ou versos como o da supracitada "Blind" (I was younger once, and I created a lie / And though my body was strong, I was self-deluded, confident, and blind)? Bem... talvez o próprio Gira a cante, mas, considerando a ferocidade com que interpreta cada linha, não a pratique, o que é razoável - isso fica para nós, os ouvintes que se identificam mais com as palavras. Até lá que não desista de criar canções ou de se indignar com problemas técnicos da forma mais violenta possível. SÉRGIO, COME UP HERE AND DO SOMETHING ABOUT THIS!

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
31/05/2012