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The Magnetic Fields
Teatro Maria Matos, Lisboa
02/05/2012


À partida, este seria um texto onde dissertaria sobre o quão importante é, para um melómano, ouvir aleatoriamente discos de bandas que se não conhecem e/ou ir aos seus concertos às cegas - algo que, não raras vezes, se traduz em epifanias enormes e momentos imensamente satisfatórios. Mas calculei que ninguém quisesse saber disso, o que é absolutamente normal (sejamos honestos, esse género de textos não interessam para nada [não que este vá interessar]). Por isso, optei por enveredar pelo ajavardamento e escrever, linha por linha, que só fui ao concerto dos Magnetic Fields para perceber o culto em torno da banda e, fundamentalmente, para galar miúdas giras.

Isto antes do concerto, claro.

© Luís Martins

Os Magnetic Fields, aprendi-o hoje, e hei-de confirmá-lo nas próximas semanas quando os escutar em formato digital por mais vezes, são demasiado dolorosos para serem apenas "mais uma banda" que se descobre por impulso ou recomendação. Percebi-o aos primeiros segundos de "I Die", a canção com que abriram o concerto. Percebi-o ao constatar que era dos poucos que tinha ido ao Maria Matos sozinho - talvez até o único, o que considero, pelo que vi e ouvi, a antítese da sonoridade Magnetic Fields, música para cabrões solitários, desesperados, deprimidos e a quem as mulheres, ou A mulher, não ligam puto por mais poemas que se escrevam ou lamentações que se façam, e tantos casais sorridentes e felizes com aquele que pode muito bem ter sido um dos melhores concertos da sua vida a dois enojou-me profunda e adolescentemente -, sem que o encontro com alguns conhecidos reduzisse essa que é uma verdade. Percebi-o quando cada frase entoada por Stephin Merritt (ou Claudia Gonson, ou Shirley Simms) me parecia a história da minha vida, coisas que eu sempre (lhe) quis dizer mas não o fiz por inaptidão ou vergonha (talvez o tenha feito e o problema tenha sido esse).

Vergonha essa que, provavelmente, não me deixou chorar durante grande parte do concerto. Tenho vinte e cinco anos. Não me é permitido ser ridículo. Apenas sério. Apenas serenamente crítico. Mas, depois, os Magnetic Fields tocam "Plant White Roses", eu mando a razão pelo cano abaixo e passo a desejar que se não gostarem, se fodam. Este é um texto pessoal. Com os Magnetic Fields não poderia ser senão pessoal, e não uma mera crítica que poderão ler em jornais respeitados ou webzines menos propensas a albergar palermas como eu. A par de "Spring" dos Saint Etienne e "Melody Day" de Caribou (na versão de Caribou Vibration Ensemble), "Plant White Roses", amargamente bela, estupidamente trágica e angsty, fez-me chorar. Tentem apagá-lo com insultos à vontade que não conseguirão.

(Ou, se calhar, preciso apenas de respirar. Um, dois. Um, dois.)

© Luís Martins

Tecnicamente perfeitos e emocionalmente devastadores. Os Magnetic Fields encheram o Teatro Maria Matos (bilhetes esgotadíssimos há semanas) para um concerto inserido na digressão de Love At The Bottom Of The Sea, o mais recente trabalho, que os encontra a explorar o seu lado mais synthpop, evocando bandas como os OMD e os Pet Shop Boys. Contudo, ao vivo os norte-americanos transformam por completo essas canções, deixando de parte a electrónica e apresentando-as com arranjos de uma belíssima simplicidade, como é o caso de "Your Girlfriend's Face", canção que segundo os próprios é uma revenge fantasy of a true story e que proporcionou um dos primeiros bons momentos em palco, sempre numa salutar toada humorística - tanto ao nível das próprias letras como por via da interacção com o público - que, de resto, se observou durante todo o restante concerto. Se os olhos, por preguiça, se desviam quase sempre para observar Stephin Merritt, não é de descurar a excelente prestação dos restantes músicos, em particular as duas mulheres que o acompanham, Claudia Gonson e Shirley Simms, cujas vozes se fizeram igualmente - e ainda bem - ouvir por muitas vezes. Nem só de humor se fez o concerto, como é óbvio: as canções tristes são uma das imagens de marca dos Magnetic Fields, e "Reno Dakota", uma dessas canções, em que é impossível não sentirmos empatia para com o protagonista quando arranca o primeiro verso (you know you enthrall me and yet you don't call me..., foi nesse aspec

(Não consigo. Bastou-me lê-lo.)

© Luís Martins

Os Magnetic Fields tocaram vinte e sete - número mágico - canções durante hora e meia. Todas elas foram perfeitas. Só uma me fez chorar, mas muitas foram avassaladoras: "No One Will Ever Love You" (linda, linda, linda, escrevi-o no bloco de notas e, agora que sei o título, percebo porquê), "Drive On, Driver" (canção em que indagaram se o protagonista não estaria a ser demasiado precipitado - outro ponto de contacto), "Time Enough For Rocking When We're Old" (pá, a canção é genial), "The Horrible Party" (do último disco e em que Merritt deu uso a uma bonita colecção de kazoos), "Busby Berkeley Dreams" (é a banda-sonora deste texto: I should have forgotten you long ago / But you're in every song, I know / Whining and pining is wrong and so), "You Must Be Out Of Your Mind" (que fantasiei, lógico, como sendo d'Ela) e, finalmente, "It's Only Time", que vai ser citada sem ser entre parênteses: If rain won't change your mind, let it fall / The rain won't change my heart at all. Tudo demasiado belo para o esquecer. As canções. E o resto.

Houve encore, claro. "All My Little Words" e "Forever And A Day", que surgem já no período em que começa a minha ressaca emocional e a concepção na minha cabeça daquilo que seria este texto. Que, como as canções dos Magnetic Fields, não poderia estar senão impregnado de tristeza, não poderia ser senão melancólico e dolorosamente apaixonado, escrito como se tivera menos dez anos, auto-depreciativo e com a ocasional piada aqui e ali. Ao contrário das canções dos Magnetic Fields, o amor sintetizado numa substância sónica, não é perfeito. Peço desculpa por isso, apenas isso. O resto traduzo-o numa simples palavra, que dedico à banda: obrigado.

Paulo André Cecílio