O relógio marcava 23h55. Lá fora, na movimentada rua cor-de-rosa (Rua Nova do Carvalho) no Cais do Sodré, encontravam-se dezenas de pessoas na rua. Lá dentro do MusicBox, a poucos minutos do início do concerto, a sala mantinha ainda um aspecto semi-vazio. Mas o público foi chegando e quando Zeca Medeiros subiu ao palco a sala estava já bem composta. O açoriano trazia o ainda fresco o recente álbum-duplo Fados, Fantasmas e Folias, mas o espectáculo acabou por atravessar vários momentos da sua discografia a solo.
O concerto arrancou com uma passagem por “Maria”, tema recolhido do anterior álbum Torna-Viagem. Foram-se desde logo as dúvidas que pudessem existir: ao vivo aquela voz é ainda mais rouca, mais tenebrosa, bem acompanhada por um tapete instrumental simples e eficaz. Medeiros passou depois ao disco editado no passado, indo directamente àquela que será a canção mais fácil: “Eu gosto tanto de ti que até me prejudico”; seguiu-se depois “Camarim (Canção da Timidez)”, a canção que abre o disco novo numa chuva de referências cinéfilas (às obras de Fellini, Bergman, etc.)
Com a “Valsinha do mau da fita” Zeca Medeiros teve oportunidade de desenvolver um interpretação que foi bem além da simples performance vocal, entrando numa dimensão teatral, trocando o papel de cantor para se assumir como personagem - vilão de filme série-B. Seguiu-se depois uma viagem intercontinental: “O Movimento da Sombra Chinesa” (nos ambientes asiáticos) e “Saudade” (qual seria o título correcto?) foi até África, com homenagem a Cesária Évora.
Com tudo afinado e sem falhas, a selecção de temas foi alternando entre os três discos do cantor: “Mestiçagem” (com dois músicos convidados, que entraram a meio do tema, e obrigaram ao seu recomeço),“Cançoneta do Forte Fraquinho” (balada irresistível), “Tabanca do Amor” (nova passagem por África) e os obrigatórios dramas açorianos - “Moby Dick” e “Canção da Terra”. Para o final ficou reservado “O cantador”, homenagem bonita a Zeca Afonso. Tal como o outro, este Zeca faz da música popular portuguesa uma entidade viva, entusiasmante, intemporal. O açoriano só abandonou o palco após a interpretação, no encore, da obrigatória “Isaltina”.