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The Pyramids / Floating Points / Caribou / Four Tet - Green Ray
Lux, Lisboa
20/01/2012
Ensaio de reavivamento espiritual
Surgiram no primeiro piso, por volta da meia-noite, com um chamamento pagĂŁo correspondido pelos convivas, desde logo impelidos a participar no ritual, dançando pelas escadas abaixo, atĂ© ao piso tĂ©rreo, onde formaram uma comunidade de circunstância – um apagĂŁo tecnolĂłgico, um desdobramento (em alternativa, mais neutra, a “retrocesso”) civilizacional, no centro da pista de dança, espaço religioso por excelĂŞncia (ou um raro vestĂgio de confluĂŞncia interpessoal no mundo pĂłs-religioso, para alĂ©m do diagrama do consumismo).
The Pyramids sĂŁo uma daquelas bandas do fundo do baĂş, literalmente. Eclipsados desde os anos 70 mas resgatados para actuações ao vivo na velha e decadente Europa do sĂ©culo XXI: o cenário ideal para um ensaio de reavivamento espiritual, um novo despertar para a dimensĂŁo metafĂsica – nĂŁo material, nĂŁo econĂłmica, nĂŁo tecnocrática – da existĂŞncia humana.
Claro que nem todos aderiram, sobretudo os que ansiavam pela modernidade imagĂ©tica dos xamĂŁs que se seguiram na primeira noite “Green Ray” de 2012 no Lux, Lisboa, mais preocupados em actualizar o perfil nas redes sociais do que predispostos a submergir naquele festim de bizarria instrumental, tĂŁo anacrĂłnico quanto intemporal. Mas para muitos terá sido como que uma epifania, ou uma redescoberta sensorial. Sim, ainda Ă© possĂvel fazĂŞ-lo atravĂ©s de cordas e sopros, contornando o zĂ©nite da sequenciação automatizada.
The Pyramids reencarnam o espĂrito de Sun Ra, ou vice-versa. SĂŁo antigos mas nĂŁo se deixam toldar pelo desânimo pĂłs-moderno. No palco do Lux, sob luzes de nĂ©on e flashes de máquinas fotográficas, levaram a cabo um inebriante ritual de abstracção sonora: space jazz psicadĂ©lico, free jazz, soul, funk, improvisação. Nos piores momentos quedaram-se por uma espĂ©cie de afrobeat de casino, Roy Ayers na terceira idade, mas apenas por breves intervalos, nĂŁo tardando a desconstruir a narrativa e enveredar pela cosmologia do jazz de fusĂŁo.
Arrancaram sons e sensações dos mais estranhos instrumentos, culminando numa sessĂŁo de sapateado pelo “frontman” e saxofonista Idris Ackamoor. “This is really old-school”, comentou o percussionista Kenneth Nash. Já tĂnhamos percebido. Enquanto Dan Snaith (Caribou) e Kieran Hebden (Four Tet) se deleitavam, ao fundo do palco. E Sam Shepherd (Floating Points) arrancava para uma deliciosa sessĂŁo de gira-discos no piso de cima, explorando os filões disco sound, acid jazz e house progressivo (terapia de desenjoo do dubstep). O resto foi “piloto automático” para as massas.
Gustavo Sampaio gsampaio@hotmail.com 22/01/2012