Sabem aquelas adolescentes chatas que seguem toda e qualquer bandazeca indie e durante um concerto agem como se o mundo acabasse amanhã, arruinando o resto para todos os que têm a infelicidade de estar a dois metros da sua presença? Devem saber: tais seres marcam presença em tudo quanto é festival de verão e/ou concerto em nome próprio em espaços mais conhecidos, como é o caso do Lux. Agora imaginem o seguinte: que essas adolescentes envelhecem mas o calo que ganham no corpo não o ganham na maturidade. Imaginem que, mesmo com trinta anos para cima mas nenhum do ar que faz de uma mulher mais velha uma MILF tais seres continuam a deslocar-se para a frente do palco, misturando-se em danças desajeitadas com miúdas que quase foram barradas à entrada por não terem BI ou proporcionando uma doce e salutar barrigada de riso (e algum muito desconforto) aos jovens que tiveram a amarga ideia de lhe dar espaço. Imaginaram? Óptimo. Assim sendo, esta não é uma reportagem sobre o concerto dos Girls no Lux: esta é a história da Maria.
Como o tempo pode ser visto como uma linha contínua, é lógico que existam dois pontos distintos; A.M. - Antes de Maria - e P.M. - Pós-Maria. Falemos primeiro do primeiro (ups), que correspondeu à primeira (duplo ups) metade do concerto. A sala já estava bem composta quando os Girls, que são geralmente dois (Christopher Owens e Chet White) se apresentam em palco com cinco elementos. Como se fossem uma banda a sério, portanto. Arrancam com "My Ma", canção bonita retirada do último Father, Son, Holy Ghost, com Owens e a sua voz harmoniosa (Jesus, quem é que ainda usa expressões destas?) a exclamar I´m tired, and my heart is broken... como se o estivesse realmente e isto não fosse apenas uma canção. O som é igual ao de muitas das bandas do chamado indie contemporâneo: um gamanço às girl-groups dos anos 60 e ao rock independente dos oitentas. Mas temos de dizer isto: os Girls têm algo superior. Têm canções verdadeiramente excelentes. Não precisam de se refugiar em nada mais, nem no lo-fi vigente: porque sabem tocar. Tocam de caralho, pegando numa expressão popular. Aliás, os Girls deram provavelmente o melhor concerto em termos de som dos últimos tempos: tudo era audível, nenhuma nota ficava perdida, nem do teclista que era quem menos trabalho tinha, nem da voz que é geralmente quem mais sofre, guitarras limpinhas, baixo arrasador, bateria explosiva quando necessário. Uma raridade. E este facto foi talvez o principal catalisador de tudo o resto a que se assistiu.
Quando surge "Die" temos rock n´ roll sujo, duro, rápido, agressivo. Uma mota, um casaco de cabedal, uma auto-estrada e um despiste. É boa em disco, mas ao vivo supera-se. We´re all gonna die!, canta Owens. Mas este tipo de violência, e em especial para uma banda que se concentra (talvez demasiado) em criar pop rock romântico, não dura muito: logo de seguida há "Honey Bunny" (a puta da loucura, segundo um espectador que não era a Maria mas sofreu igualmente) e "Love Like A River", esta última canção para embalar amantes, e acompanhada timidamente pelo público (em especial o feminino). De regresso ao rock, não acelerado mas visceral: "Vomit". Grande, bonita, suicida. E entusiasticamente recebida.
Chegamos então à canção que permite a entrada no mundo dos Girls, não porque teve o condão viral que "Hellhole Ratrace" teve, mas porque é a primeira faixa do primeiro disco (outra vez?) e ainda há quem goste mais de ouvir discos que canções soltas. "Lust For Life" é uma bonita canção pop, e se as fãs femininas já estavam de alguma forma embevecidas com o concerto, aqui começam a dar asas à sua fé. E é também aqui que entra em cena a Maria, copo na mão, camisola verde.
Desculpa lá, mas eu sou mega fã...
Tudo bem. Até aí nada de especial: mil vezes fãs como a Maria que hipsters de braço cruzado e Blackberry sempre conectado ao Facebook. Pulem, dancem, cantem até amarrotar a voz: o rock é isso mesmo. A música é isso mesmo. Não se ouve, sente-se, que também foi uma expressão que ela utilizou, logo após pedir a um jovem comunista que lhe tirasse uma foto.
Tipo, eu sinto mesmo isto, sinto bué a música, desde que eles começaram...
Não vou negar que também o senti; especialmente quando de seguida se ouvem os primeiros (ai) acordes e versos de "Hellhole Ratrace", canção maior do que a vida (lol, clichés) e um verdadeiro momento gospel, com braços em direcção a um Deus que não existe - os meus cruzados sobre a anca como um acólito. Do we´re all gonna die de há pouco ao I don´t wanna die de agora a distância é curta. E é sinónimo de, quem sabe, clemência por parte de Owens. Porque o mundo não é uma merda enquanto existirem coisas assim.
Não achas que ele é gay? Parece bué... estes tipos do surf rock são um bocado assim, não achas?
Confesso que por esta altura pouco percebia do que ela falava - até porque estava junto às colunas, e preferia 1) ouvir a música e 2) rir-me nas costas dela como um cobarde - mas foi mais ou menos isto. Um sinal um pouco discriminatório por parte da senhora, escusava de o julgar pelo casaco à cowboy. De qualquer forma, estou-me nas tintas para se Owens é gay ou deixa de o ser, porque não me interessa o que ama quem ama. Pronto. E assim, depois de "Hellhole" e ficando eu quase ou tão embevecido como as restantes fãs, preparo-me para despedir dos Girls prestando atenção a "Broken Dreams Club" e à incrível e apoteótica "Morning Light", que segundo a setlist por ali pousada seriam as duas últimas canções, das quais tirei imediatamente nota no meu bloco.
Ah, mas tu escreves? Depois não digas que isto é concerto para gajas...
"Ermm, claro que não", ouve-se seguido de um risinho parvo. Já estava a preparar-me para sair quando me apercebo de que, afinal, ainda há encore: não era preciso depois de um concerto tão excelente, mas os Girls decidiram dar-nos esse bónus.
Achas que ainda dá tempo para ir ao bar? Diz-me lá se ainda dá tempo para ir ao bar...
Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Prefiro ouvir "How Can I Say I Love You", outra que não reconheci (bronca) e "Forgiveness" antes de me preparar para despedir da Maria, não esta mas outra e a única que interessa, que vai emigrar para Inglaterra amanhã. E que teve belos presentes de despedida: um concerto do caraças, uma das florzinhas que adornavam o palco e a setlist. Finais perfeitos para concertos perfeitos. Quanto à Maria anterior não sei que lhe aconteceu, mas tive medo que me quisesse levar para um lugar recôndito quando me perguntou se estava sozinho e se tinha ido ver Cansei de Ser Sexy (2006 ligou). Ainda tenho princípios. Acho eu.
Paulo Cecílio pauloandrececilio@gmail.com 01/12/2011