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Festival Ritek Paredes de Coura 2011
Praia Fluvial do Tabuão
17-20/08/2011



Com a mudança de data, Paredes de Coura tornou-se definitivamente no último festival de Verão. O que pode ser uma alegria imensa, ou uma dor infinita de barriga, dependendo de como começa, decorre e termina. Sobretudo para aqueles que – e existem, acreditam – que correm durante meses todos os festivais de Verão, mais recentes ou mais antigos, que este belo cantinho à beira mar acolhe ano após ano. Felizmente, desculpem lá o spoiler tão cedinho, este é um daqueles filmes com final feliz. Por força da putativa crise ou algo similar, o cartaz de Paredes de Coura 2011 acabou por optar por nomes mais arriscados (com excepção, talvez, dos Pulp), o que acabou por lhe dar personalidade. A passagem de uma banda para a outra ao longo da noite nunca foi massiva, e isso caiu bem.

O único senão do dia de warm-up de Paredes de Coura: o facto de acontecer no palco secundário, o que significou um número excessivo de pessoas concentradas nesse local, tornando difícil – a espaços impossível – assistir aos concertos nas melhores condições. Quando o espaço ainda era algum, Omar Souleyman fez a única coisa que sabe fazer: dar um verdadeiro festão. O músico sírio, acompanhado por outro músico (teclista, percussionista-teclista e faz-tudo), liderou uma investida imparável de batidas e linhas melódicas de outro mundo: o caos que se instalou na plateia é a prova provada da reacção provocada por tamanha criação dançável. Sendo verdade que o festival já tinha começado no dia anterior com o showcase da Lovers & Lollypops e até no próprio dia, uma hora antes, com o Quarteto de Bolso, é seguro dizer que o festival, com Omar Souleyman, não poderia ter começado de uma melhor maneira.
Depois chegaram os Wild Beasts, com novo disco e com um som próprio: não há muita gente a destilar este tipo de som, sensual, reservado, ao mesmo tempo excêntrico, luxuoso, dois em um. Uma delícia. É pop mas é complexa, textural, elegante. Embora tenha sido um concerto apelativo, fica a impressão que poderia ter sido muito superior num espaço com capacidade para mais pessoas – o palco principal por exemplo – e se algumas dificuldades técnicas não tivessem prejudicado o som da banda. Ainda assim ficou na cabeça uma canção como “All the King´s Men” e aquelas vozes que parecem saídas de uma utopia.
Dificuldades técnicas que se intensificaram aquando da actuação dos Crystal Castles, a banda-caos de Ethan e Alice que funciona claramente, ainda assim, melhor em disco que ao vivo. Se em disco o caos-controlado rende uma ou outra canção excitante (mas não muito mais do que isso), ao vivo o caos é tanto que da laranja pouco sumo chega a sair. Parece ter sido animado para a maior parte dos presentes (e não é essa a função de um warm-up?), mas musicalmente os pontos altos não foram muitos. Mas não se enganem: a festa fez-se, cumpriu-se e desejou-se por mais. E esse desejo foi tornado realidade nos dias seguintes.

No dia de arranque à séria do Paredes de Coura, a primeira banda a subir ao palco principal do festival foram os nova-iorquinos Crystal Stilts que vinham a Portugal apresentar a noise pop encapsulada em In Love with Oblivion, canções cheias de bonitas imperfeições, teclados, guitarras tingidas de ruído e outras coisas deliciosas. Com o sol a bater na cabeça, os Crystal Stilts cumpriram e limparam os ouvidos de quem àquela hora já havia deixado o rio de encantos tamanhos e a verdura circundante. Não foi um concerto incrível, mas foi bom.
O próximo a subir ao palco principal foi Twin Shadow, impecavelmente estiloso, chapéu na cabeça, guitarra nas mãos, todo de preto. Em aparente estado de graça em Portugal, George Lewis Jr. Veio a Coura defendes as canções do seu álbum de estreia, Forget, editado em 2010, desequilibrado no seu todo, mas com encantos diversos. Mais rock do em que disco, as canções foram surgindo para confirmar que é em “Castles in the Snow” e “Slow” que o dominicano tem concentrado a maior parte do seu feitiço. Agora que os anos 80 estão na moda (o o resto do festival havia de confirmar isso de quando em vez, com mais ou menos sucesso), as canções de Twin Shadow aguentaram-se muito bem em cima de palco. Resta perceber o que aí vem com um potencial segundo disco.
Ainda sem disco editado, mas com enorme falatório por culpa de “Better not stop”, We Trust, o projecto liderado por André Tentugal, coadjuvado por uma espécie de super-grupo que conta por exemplo com Rui Maia (X-wife) ou Gil Amado (Long Way to Alaska), entre outros, mostrou estar a dar passos seguros para funcionar como mandam as regras em cima de palco, agora que está ultrapassado o nervosismo do primeiro concerto – que aconteceu no Milhões de Festa. Só o tempo o dirá. Isso e a recepção do público ao álbum que estará quase a chegar. No mesmo palco secundário, pouco tempo depois, os Esben and the Witch assinaram um dos concertos surpresa do festival. Com um rock bem afiado e negro, não raras vezes entregue ao ruído e à exploração, carregado de percussão pulsante, Rachel Davies liderou vocalmente um trio que se safou à grande na apresentação do álbum de estreia, Violet Cries, editado pela Matador em finais de 2010. Intenso, ruidoso, constantemente no vermelho. Um concerto entusiasmante de uma banda a ter em conta no futuro.

Os Blonde Redhead já não são novatos. Assinaram já uma porrada de discos (nem todos bons, diga-se) e havia uma enorme curiosidade em perceber como iriam gerir quase vinte anos de carreira para um público que não parecia assim tão entusiasmado ou conhecedor – pelo menos não de uma forma generalizada. Kazu Makino apareceu, misteriosa, e com ela veio toda a música dos Blonde Redhead, igualmente enigmática, intensa. Com Penny Sparkle ainda fresquinho, o trio optou por saltar de disco em disco e aterrou felizmente em 23, provavelmente o melhor de toda a colheita, e, felizmente, na super-canção “Spring and by Summer Fall”, a melhor que provavelmente alguma vez escreveram. Foi, sozinha, um dos melhores momentos de todo o festival. O que resta da actuação foi quase sempre bastante entusiasmante. Chegou para ficar lá em cima no tope dos melhores concertos do festival até ao final.

Menos novatos ainda são os Pulp de Jarvis Cocker, um dos tipos com melhor humor da pop Made in UK. Eram a grande aposta de Parede de Coura 2011, pelo menos tendo em conta a importância do nome em questão. E não desiludiram. Apresentaram um alinhamento em jeito de best of (inevitavelmente, uma vez que não editam um álbum de originais desde We Love Life, em 2001), namoriscaram a pop e o disco, a ironia e as canções de peito cheio e refrões magnânimes. Não esconderam nada. Não terão convencido os indecisos: dos Pulp ou se gosta ou não se gosta. "Do You Remember the First Time", "This Is Hardcore" e "Common People" – todas inevitáveis – lembraram a importância dos Pulp na música britânica das últimas três décadas. A última, mesmo a fechar, lembrou os tomates necessários para bazar sem encores programados. Até para deixar algum suspense no ar. Será que os Pulp ficam por aqui?
Mas ainda havia mais. E não era pouco. A pop dançável de tonalidades tropicais dos vizinhos espanhóis Delorean não podia ter caído melhor como After Hours. Foi assim que pareceu: uma descarga interminável de batidas, vozes e sons baleares. Não é música complexa, mas é um convite interminável à dança. É Happy Mondays, é Panda Bear, entre outras coisas boas, mas com os pés na água, clima tropical e caipirinha na mão. Subiza, o disco da transformação, editado em 2010, foi entregue na perfeição e para delírio generalizado. Uma festa colorida qb. e um final perfeito para a noite que já ia longa. E mais um concerto a seguir directamente para a lista dos melhores do festival.

Ao terceiro dia, tempo de ver o que se passava no palco Jazz na Relva para apanhar apenas os últimos acordes do concerto de Susana Santos Silva Trio (malditas filas para almoçar na vila). Chegou-nos aos ouvidos que Erlend Øye, a metade engraçadinha dos Kings of Convenience, andava junto do rio a encantar miúdas e a passear de barco. Mas às 18 horas era hora de ir ver se os You can´t Win Charlie Brown se aguentavam a passar para o palco um promissor disco de estreia. E de facto aguentam-se. Mais do que isso, conseguem dar até nova e renovada vida a algumas das canções do disco. E ainda provar que estamos no tempo de regresso do sucesso das bandas com uma porrada de vozes. “Over The Sun/Under The Water”, entoada por muitos, no final, entre a calma e o caos (controlado, vá lá, mas festivo), deixou um óptimo sabor na boca.

Depois de um sexteto, dois trios: no palco principal, os Joy Formidable, liderados por Ritzy Bryan, mostraram muita energia mas não muito mais do que isso. No palco secundário, aterraram os mexicanos Le Butcherettes, que remataram mais em força do que em jeito. Deu para abanar a cabeça com ambos, mas não deu para muito mais do que isso. De volta ao palco principal, os ...And You Will Know Us by the Trail of Dead tentaram apagar a imagem menos boa deixada com os últimos discos, mas não conseguiram. Regressaram a terrenos férteis como Source Tags & Codes - ou mesmo antes disso – mas no geral sentiu-se demasiado o peso da inspiração – e até falta de gosto – dos lançamentos mais recentes. Fica a memória de um ou outro momento mais inspirado (“It Was There That I Saw You” foi giro), num concerto morno morninho.
E depois vieram os Battles, o curioso caso de uma banda com músicos inventivos, com música desafiante, com actuações intensas mas a quem falta sempre alguma coisa – em disco e ao vivo. Claro que em “Atlas” é tudo uma maravilha, ritmos complexos, percussão impossível, vozes alienígenas, e tudo excitante. Mas “Tonto” já é um tema algo inconsequente e “Ice Cream” não é muito mais do que engraçada. É verdade que ao vivo os Battles, com tanta intensidade, conseguem fazer com que o choque frontal seja potente, mas fica sempre no ar a ideia que o trio podia ser muito mais do que aquilo. A matéria-prima existe, é só moldá-la de outra maneira.
Quem tem tudo muito bem moldado são os Deerhunter de Bradford Cox. Ou por dificuldades técnicas ou a pedido da banda, o som pouco definido – quase lo-fi – que chegou aos ouvidos de todos acabou por fazer justiça ao som dos Deerhunter. Com níveis bastante elevados de volume, os autores de Halcyon Digest entregaram um conjunto de canções acentuadamente rock – mais do que aquilo que se poderia esperar – que foi quase como uma anestesia – elogio – para os ouvidos. Para além do bom gosto musical, Bradford Cox tem ainda bom gosto nas cidades; elogiou o Porto e Lisboa e rematou com uma frase enigmática, a propósito da quantidade de casas abandonadas que viu em ambas: “Portugal is a haunted country”. Deixou saudades.
E depois chegou um concerto que podia fazer alguma confusão no alinhamento mas que fez perfeito sentido na forma, no feitio, nas cores. Os Kings of Convenience, lentamente, às vezes muito lentamente, encheram o anfiteatro natural de Paredes de Coura com canções trauteadas aqui e ali, às vezes em uníssono, num concerto de magia no ar e emoções à flor da pele. Não é fácil encher um espaço tão grande com um som tão curto. E embora Erlend Øye e Eirik Glambek Bøe tenham tido ajuda na última metade do concerto – altura em que se juntou um baixista e o violetista – ficou sempre subentendido que teriam conseguido aguentar o público todo até ao final até mesmo em pé-coxinho. só terá sido uma surpresa para quem ainda não os viu em palco.

E depois chegou um erro de casting. Marina and the Diamonds mostrou ser, desde logo, o nome deslocado do cartaz do Paredes de Coura 2011. Para além dos atributos bem visíveis de Marina (Lambrini Diamandis, a sério), não se detectaram especiais atributos musicais na sua revisitação dos anos 80 em tudo o que tiveram de medíocre. Não será especialmente lembrada, pelo menos pelas razões mais directamente relacionadas com a música. Felizmente ainda havia Metronomy (no Palco After Hours), uma banda que até sabe ir aos 80s resgatar de lá o que de lá vale a pena. Apesar do som da banda ao vivo ficar um pouco aquém da riqueza sonora conseguida no mais recente The English Riviera, o concerto garantiu alguns momentos de boa fruição. Casos da viciante “The Look” ou “Corinne”. Não foi perfeito (mais uma vez, havia gente a mais na zona do palco), mas foi uma boa forma de encerrar a noite.

Ah, o sabor agridoce da despedida. Ao fim de quatro dias, fecham-se as cortinas do festival para se abrirem apenas daqui a um ano. Mas ainda havia muito por onde fazer a despedida, dependendo da capacidade física e mental de cada um. O último dia em Paredes de Coura começava no palco secundário com os peixe : avião, que mostraram mais som em palco do que em disco. Mais rock, mais intensos, os peixe : avião apresentaram ainda Madrugada, editado em 2010, assim como novas canções que farão parte de um álbum a editar no futuro. Do que nos foi possível ouvir, os bracarenses estiveram muito bem a defender a sua pop de contornos bem definidos.

Pouco depois, começavam os Linda Martini a entregar canções em que as guitarras têm papel principal na exploração sónica no regresso aos palcos do Festival Paredes de Coura. Fizeram-no dando ao público de mão beijada e com a intensidade que se lhes conhece temas como “Dá-me a Tua Melhor Faca” e “Cem Metros Sereia”, terminando a coisa com crowd surfing do próprio Hélio Morais que se não fugiu do seu próprio entusiasmo em resposta ao entusiasmo do público que recebeu os Linda Martini de braços abertos. Intensidade paga-se com intensidade – e gratidão.
Havia muito a esperar do concerto de Kurt Vile: sobretudo um banho de folk ora mais rock ora menos rock, atento à tradição mas não em demasiada. A culpa é de Smoke Ring For My Halo, um disco a brincar com a intemporalidade, cheio de grande canções, devotas da canção americana, de Bob Dylan e outras maravilhas que tais. Faltou “Baby´s Arms”, entre outras canções fundamentais, mas ainda assim foi óptimo ver chegar todas aquelas canções enquanto o sol se preparava para ir para outro lugar qualquer e confirmar em Kurt Vile um belíssimo escrito de canções. Não seria nada má ideia que regressasse em breve em nome próprio e numa sala aberta só para si e para as suas canções.
Ao longe pareceu-nos que os Viva Brother e os Two Door Cinema Club tinham pouco de novo para oferecer. Sabemos isso sim que estes últimos foram banhados com uma multidão e que os primeiros tocaram para dezenas. Pouco depois os Mogwai subiam ao palco principal para dar um concerto que, apesar de ser “só instrumental” (como se dizia entre o público), parece ter ido ao encontro das expectativas dos fãs hardcore – e não só. Eles são bons músicos, fazem tudo direitinho, são verdadeiramente intensos (salvo raras excepções), são tão bem intencionados, mas também são ligeiramente aborrecidos. Acontece em “Mogwai Fear Satan” serem mais interessantes mas sobretudo quando recorrem a álbuns mais recentes são apenas competentes. Intensos mas competentes. Mas a ver pela reacção do público, foram uma excelente companhia.
Para o último concerto do palco principal sentia-se um nervoso miudinho na forma como todos se acotovelavam lá à frente para obter o melhor lugar possível. Afinal de contas, os Death From Above 1979, bestas humanas da força e do caos preparavam-se para voltar a Paredes de Coura onde tinham instalado o pânico há uma data de anos atrás, agora que se reuniram, sem álbum mas com algumas surpresas, para voltar aos palcos e à acção. O que se viu lá, como se esperava, foi uma descarga absurda de riffs (no baixo ou nas teclas, a violência é a mesma) que terá deixado pouca gente indiferente. Levar em cima com You´re a Woman, I´m a Machine passados todos estes anos foi um prazer. Foi preciso dizer ao órgão muscular oco que bombeia o sangue de forma a que circule no corpo que aguentasse. Ah, e foi uma bela forma de fechar Paredes de Coura. Mas não sem antes apanhar os Orelha Negra no último After Hours e em topo de forma na transformação e no bem-tratar de todas as músicas negras: uma viagem e peras, uma doce despedida de um festival de trazer pelo coração durante o ano todo.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
27/08/2011