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Festival Sumol Summer Fest
Ericeira
24-25/06/2011


O festival que arranca com a temporada de Verão terá, também, uma das médias etárias mais baixas dos eventos open air que marcam uma saison com tanto de silly como de sedução. Não é assim de estranhar a euforia de quem faz fila para entrar no camping da Ericeira ou comete excessos para absorver a experiência de passar um fim-de-semana longe do controlo familiar. De tal forma que, logo no primeiro dia, passados três quartos de hora sobre o início dos concertos, já era possível assistir a uma baixa – os bombeiros amparavam uma jovem que espalhava pelo pavimento do recinto as vibrações positivas absorvidas nas últimas horas… Nada de grave: faz parte duma espécie de ritual de passagem dos tempos modernos e está incluído no pack praia + música. Neste capítulo, destaque para os concertos dos portugueses Freddy Locks e Cacique´97, de Fat Freddy´s Drop e Anthony B, bem como para os DJ Sets de Guy Gerber e DJ Ride. O Summer Fest pode apresentar um cartaz demasiado feel good para determinados gostos, mas esta edição ofereceu uma saudável diversidade que foi de várias escolas de reggae ao afrobeat, passando por surf music e electrónica de boa colheita.

Dia 1

O concerto inaugural introduz o feeling que pautará o Summer Fest. Nascido na Jamaica e disseminado pelo Mundo, o reggae contaminará boa parte das prestações que hão-de passar pelo palco principal do parque de campismo da “Irieceira”. Freddy Locks faz referências às crises (económica e de valores) por entre um roots reggae que encaixa bem com o final de tarde. Groove e uma secção de metais que falam por si, sem necessidade de recorrer às bengalas do costume – como “Jah”, “Rastafari” ou “Babylon” – para puxar pelas massas. E era bom que, como Freddy canta na última música (“Fazuma”), Reggae Is Not For Sale. Quando os Soldiers of Jah Army começam a tocar assiste-se a uma correria para a boca do palco. Mas não havia pressa para ser engolido pela multidão e entrar no ritmo que a banda constrói em redor dos seus temas, tecidos de uma dança entre introspecção e balanço. As jams com que percorrem as canções (como “Rest of My Life”) tornam-se ao mesmo tempo um ponto forte e o respectivo calcanhar de Aquiles – as composições acabam por não se distinguir muito umas das outras, o que produz uma certa monotonia.

O Sol já caiu quando os norte-americanos se retiram de cena; tal como o arco insuflável da Sumol se viria a abater sobre a cabeça de quem entra e sai do recinto antes do concerto de Nneka, mostrando como o festival já rebenta pelas costuras. A nigeriana abre com “Africans”, num registo ao mesmo tempo tranquilo e inquieto. Utiliza a sua voz aguda para abordar assuntos sérios, como em “VIP - Vagabond In Power”, que bebe directamente da pura fonte afrobeat que foi Fela Kuti. É um dos momentos mais vividos pelo público – juntamente com “Heartbeat”, tema bem querido da geração “Morangos Com Açúcar” –, mas a intensidade neo-soul dos registos de estúdio pedia mais entrega em palco.

Na recta final os neozelandeses Fat Freddy´s Drop fundiram dub, jazz e soul. A prestação foi ganhando asas à medida que o trombonista Joe Lindsay percorria o palco em danças bizarras e se ia livrando de peças de roupa – terminou de boxers e manga-cava –, atingindo um dos pontos altos quando à base rítmica juntaram a gravação ao vivo de vários instrumentos e voz, que depois foram reproduzidos em loop. O tom grave mas melífluo de Joe Dukie (que seduz o plateia durante “Roady”) cruza-se com o registo hip hop de MC Slave antes de chegar o italiano Alborosie com os seus enormes dreadlocks. Entre a Sicília e Kingston, numa viagem agitada pelo new roots reggae – “Herbalist”; “Rolling Like a Rock” – e com incursões por temas alheios: “Money Money”, de Horace Andy, “Welcome To Jamrock”, de Damian “Jr. Gong” Marley, ou uma versão de “My Boy Lollipop” que fez a assistência dançar em ritmo ska. Depois do cabeça de cartaz, e já na tenda electrónica, o israelita Guy Gerber conjugou a melodia dos sintetizadores com múltiplas camadas sonoras, aplicando referências shoegaze na pista de dança.


Às sete da tarde, com o calor que fazia, as praias em redor ainda deviam estar à pinha. Assim, foi possível curtir bem de perto um dos melhores concertos do Summer Fest. Cacique´97 marcou a diferença: afrobeat com um pé em Lisboa e outro em África. A banda de João Gomes e Francisco Rebelo (seguramente, um dos melhores baixistas nacionais) põe o ainda escasso público a dançar com o corpo todo em “Come From Nigeria”, “American Cop” ou “Chapa 97”, temas com sopros e balanço em chamas do início ao fim. A Richie Campbell não se poderão apontar grandes falhas técnicas, mas falta-lhe verdade para convencer os fãs de reggae autêntico. A plateia não parece concordar – ou importar-se – com isso: Richie começa por perguntar quem veio para ver as outras bandas do dia, uma por uma; deixa o seu nome para o fim e vêem-se muitos braços no ar. Entre os seus temas, como “911” ou “Blame It On Me”, o rapaz que de seguida iria acompanhar Anthony B pela Europa ainda trocou piropos com o “rapper mais rápido de Portugal” (não percebi o nome dele nem as palavras que disparou como se não houvesse amanhã), que retribuiu afirmando que Richie é o melhor vocalista de reggae português… e que vai ser um dos maiores da Europa.


A seguir, Natiruts e Donavon Frankenreiter deram concertos mais indicados para fim de dia do que para início de noite. Os brasileiros trouxeram um reggae delicodoce, bom para os casais trocarem beijos apaixonados ao som de temas como “Quero Ser Feliz Também”, “Beija Flor” ou “Liberdade Pra Dentro da Cabeça”, que fechou o set. Já o surfista de bigode farfalhudo condimentou a sua surf music com pouco sal, apenas quebrando o ramerrão em temas como “Move By Yourself” ou “It Don´t Matter”, borrifados por harmónica, cadências blues e riffs que se espraiaram como vagas à beira-mar.

As últimas gotas do Sumol repuseram as energias dos presentes. Logo em “Good Cop Bad Cop”, Anthony B percorre o palco em saltos de gafanhoto. Está de fato-de-treino escuro, gorro e bengala; podia ser um artista hip hop, mas o sangue jamaicano não engana. A tradição do reggae corre-lhe nas veias, e as artérias bombeiam sangue novo para todas as partes dos corpos que dançam ao sabor de dancehall ou ragga. Dirige a orquestra com gestos de maestro-profeta, em momentos de higher meditation. Apenas ”Living My Life” destoa, sendo candidata putativa a hino de campeonato mundial de futebol. De resto, terá sido um dos melhores concertos que já passaram pelo Summer Fest. O festival terminou com DJ Ride – muito bem acompanhado por Stereossauro e Sagas – na tenda electrónica. Drum n´ bass (“I Need a Dollar” ou “Hit the Road Jack”, em versões remisturadas), medley de hip hop e muito dubstep a fazer os corpos transpirados tremer com sucessivas ondas sonoras. O público estava ao rubro quando Ride, após escolha democrática, terminou a sessão com “Killing in the Name”, de Rage Against the Machine. No fim, ninguém tinha vontade de ir para casa, o que é bom sinal.


Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
28/06/2011
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