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The Legendary Tigerman
Coliseu dos Recreios, Lisboa, 22 Jan 2011
22/01/2011


Paulo Furtado não nasceu para a música com pele de Tigre. A sua carreira é longa, e as voltas musicais que já deu proporcionaram-lhe diversos encontros. As datas marcadas para os Coliseus (na véspera apresentou-se na Invicta) foram aproveitadas para tornar este par de concertos em ocasiões únicas, reunindo diversos amigos e companheiros de estrada.

Começa por fazer um dueto (virtual) com Asia Argento. A beleza inquietante da filha do realizador romano Dario Argento preenche o ecrã gigante e Tigerman acompanha à guitarra as palavras do coração mais violento de Itália. Com a chegada da primeira convidada fisicamente presente da noite (Lisa Kekaula, a poderosa vocalista dos Bellrays), o anfitrião satiriza o facto de o Coliseu lisboeta ter atrofiado com a possibilidade dos presentes tirarem o rabo das cadeiras, como sucedera na véspera – e a reacção do público é de total apoio.

Tigerman alterna temas de Femina com composições mais antigas, como “Naked Blues”, ou versões de músicas alheias, sejam elas dos Suicide ou de Tom Waits. Quando fica sozinho em palco, a voz e a guitarra eléctrica - juntamente com o kazoo, a bateria e as imagens que vão passando em pano de fundo - chegam e sobram para encher as medidas do Coliseu, que terá dado cada cêntimo por bem investido. E a sucessão de convidados (Cláudia Efe, que trouxe um pouco de Deus dentro do seu vestido; Rita Redshoes, na voz ou na bateria; Dead Combo, um dos projectos preferidos do protagonista da noite; Jim Diamond e Mick Collins, dos Gories e Dirtbombs) não tira ritmo nem coerência ao espectáculo. Entretanto, já muita gente se tinha chegado à frente do palco, deixando as cadeiras a arrefecer. O poder da música venceu os labirintos burocráticos – como sempre deveria suceder.

Para a recta final estavam guardados outros grandes momentos. Primeiro com João Doce, Nelassassin e Ride a tocarem com o mestre de cerimónias. Não sei se alguém acreditou que irá surgir dali uma banda chamada Quatro, que vai fazer quatro músicas (uma por dia), seguindo-se quatro concertos (um por jornada, também) antes do projecto terminar, na 2ª-Feira seguinte – naquela que seria a semana mais excitante de sempre. Mas a fusão da electricidade de Paulo Furtado com a percussão de João Doce e a electrónica dos dois Djs foi alquimia pura… que pedia um after hours só com músicas dos Quatro! O início do primeiro encore surgiria, então, quase como um anti-clímax; mas a conversa de cama na companhia da regressada Asia Argento é melhor que muitos orgasmos. A noite é tão especial que ainda reúne em palco a banda de Paulo Furtado. Os Wraygunn tocam “She’s a Go Go Dancer” e “Querosene Honey”, que fará parte do sucessor de Shangri-La.

Antes de chamar ao palco toda a gente (descontando o público) que tornou aquele um dos dias mais felizes da sua vida, oportunidade para “True Love Will Find You In The End”, de Daniel Johnston, «uma das músicas mais bonitas do mundo». «Se já encontraram o vosso, levem-no para casa e acasalem com ele. Se não, procurar também é bom» - Excelente dica para fechar o memorável serão; afinal, “navegar é preciso, viver não é preciso”. Suspeito que Paulo Furtado aka Legendary Tigerman já encontrou esse amor, tenha ele a forma duma mulher ou duma guitarra.

A Rita Braga coubera aquecer as hostes, tarefa sempre ingrata, para mais numa noite tão fria e perante uma sala ainda às moscas. Mas à segunda música (“Dream a Little Dream Of Me”), a cantora e instrumentista já tinha conseguido arrancar uma ovação dos presentes. Nas composições originais ou alheias que tocou, despojadas e frágeis, fez acompanhar a sua voz por guitarra acústica, órgão ou ukelele e revelou o seu gosto por um cancioneiro de outras eras.

Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
24/01/2011