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Jimi Tenor
Space, Lisboa
21/01/2011


Não sabíamos ao que vinha. Aliás, não fazíamos a menor ideia. Electrónica, acid jazz, trip-hop, ambient, noise, bleep techno, funk psicadélico? Jimi Tenor (nascido Lassi Letho) é um vulcão de surpresas que, mediante determinado posicionamento dos astros, lança rios de lava sobre o gelo, obtendo o mesmo efeito da improvisação sobre a convenção, do inesperado sobre o combinado.
O finlandês voador que não é piloto de ralis nem funcionário da Nokia, mas um música de corpo e alma, cujos live acts ainda se fazem à antiga: tocando, de facto, instrumentos, dos teclados à flauta transversal e ao saxofone (contraste-se com alguns contemporâneos que não tiram os olhos dos ecrãs dos computadores portáteis, ignorando ostensivamente o público, quiçá trocando mensagens no Facebook enquanto o Media Player roda faixas em MP3).

Nos últimos tempos fixou-se nas bases rítmicas do afrobeat, em parcerias com Kabu Kabu e Tony Allen, mas desta feita apresentou-se em voo rasante solitário. Despido de acompanhamento orquestral, lançou-se num one man show de tirar meças a Jesse Fuller, por vezes tocando flauta e cantarolando em simultâneo, mas sempre com o cálice de champanhe por perto, de modo a não suster o andamento. Foram duas horas de intensa experimentação sensorial.

Tanto estava sentado na secção de sopros e teclados como se levantava para explorar a parafernália de sintetizadores ou avançava para o saxofone, abordando músicas de muitos dos seus álbuns, antigos e recentes, sob uma roupagem sonora de clube nocturno ocidental, eterno retorno às origens (a escola jazz, o exílio em Barcelona, o boom da electrónica europeia), até porque nenhuma caixa de ritmos será capaz de replicar a batida cadente de Tony Allen e respectivas baquetas.

O trono alienígena e psicadélico de Sun Ra parece ter um sucessor natural e, noutras latitudes astrológicas, Fela Kuti não desdenharia acolhê-lo na sua tribo. Ainda encheu alguns chouriços na parte final mas, tirando isso, deu um espectáculo imperfeitamente arrebatador, saturados que estamos de superfícies polidas. Custa por isso a compreender como é que não encheu a sala. Não está na moda? Perdeu a vaga do hype? Não é the next big thing, i.e., o grande sucesso dos próximos minutos de atenção online? Pois não, é simplesmente um excelente músico e produtor, sem embalagem colorida.

Gustavo Sampaio
gsampaio@hotmail.com
23/01/2011