bodyspace.net


Super Bock em Stock 2010
Lisboa
3-4/12/2010


Mais que um festival, o Super Bock em Stock é uma autêntica maratona: dado que os concertos se dão em pontos vários da Avenida da Liberdade, os festivaleiros são obrigados a certas ginásticas e correrias (uma apologia do parkour, quiçá) entre viaturas e semáforos vermelhos se é que querem perder o mínimo possível daquilo que lhes é oferecido. Claro que haverá sempre algo por ver e ouvir, mas terá de ser esse o preço a pagar por não termos ainda acesso à clonagem humana. O que paira no ar é uma certa ironia; um festival patrocinado pela Super Bock a fazer os possíveis para que os melómanos percam as suas barrigas de cerveja. PC

Tiago Bettencourt
Teria sido difícil ter de escolher entre Bettencourt e Jorge Palma, mas, virtude do concerto deste ter sido adiado para meia hora mais tarde, foi ao ex-Toranja que coube o abrir de hostilidades, perante uma plateia ainda algo reduzida presente no BES Arte & Finança. A sua actuação baseia-se no seu último disco gravado com os Mantha (Em Fuga), mas Tiago Bettencourt parece não querer ainda abandonar raízes - começar com "Chaga", dos Ornatos Violeta (inflluência óbvia) comprova isso mesmo. Entre piano e guitarra, as canções de Bettencourt não perdem uma toada pop coesa e amiga das palavras; fosse a pop como o tabaco e Tiago seria Português Suave. À quarta canção já o espaço se encontra melhor preenchido e rendido à sua música. Pelo meio, um destaque para "O Lobo", resgate à Americana, aqui tornada Lusitana. Aposta inicial claramente ganha. PC

B Fachada (part. esp. Sérgio Godinho)
O concerto arranca com um tema inédito (não faz parte do novo É Pra Meninos), como se B Fachada precisasse ainda de justificar a fulgurante capacidade criadora. Segue-se "Dia de Natal", um dos temas do novo disco (onde se pede ao barbudo "um babygrow de cabelal, uma motinha e um cd de metal"), numa versão electrificada com uma agressividade sonora a que não estávamos habituados - durante aquela música o São Jorge 2010 foi o Newport 1965 de Fachada. Acompanhado por uma nova guitarra eléctrica, "a Paulinha", seguem-se mais alguns temas do disco para meninos e meninas, com Fachada a apresentar canções infantis com a habitual riqueza palavrosa: humor, subversão, ingenuidade, ironia ("o gajo é bom nas líricas", diz um espectador na fila atrás). Entra o verso "Só me mostravas discos do Sérgio Godinho, dominavas o glossário daquele verso irregular" e eis que chega o próprio, a referência do título, para acompanhar o refrão. Durante meia dúzia de temas Godinho fica em palco: passa por clássicos seus, "Lisboa que amanhece" e "O elixir da eterna juventude", assiste à versão fachadista de "Etelvina" e acompanha o bardo de Cascais na nova "Questões de Moral" (que arranca com zero safadeza e termina a questionar a possibilidade de se ser filho da mãe). Godinho abandona o palco para Fachada voltar aos seus temas, mas 60 minutos é pouco tempo para um repertório que se agiganta a cada disco. Só dá para passar por dois ou três momentos do homónimo "B Fachada" (cantados quase em uníssono pela sala, absolutamente conquistada) e de fora ficam os temas de "Há festa na moradia" (excepção ao tema de Godinho) e dos vários discos e EPs anteriores. É certo que este não foi um concerto normal. Mas com Fachada nunca nada o é. NC

Owen Pallett
Heartland ainda circula em força nos leitores de muitos; esquecendo que o canadiano deu três actuações em Portugal neste 2010 no contexto da sua apresentação, o Tivoli encheu para ver o artista anteriormente conhecido por Final Fantasy apresentar a sua pop de câmara com trajeito electrónico, canções belíssimas com o violino e a caixa de ritmos marcando o compasso. O seu amor - já por diversas vezes expresso - ao nosso país é condensado numa simples frase antes de "Midnight Directives": "nunca vivi aqui, mas já cá escrevi um álbum". O músico não perde o tino de tema para tema, nem quando comete um pequeno erro que leva a uma enorme ovação de apoio, nem quando faz do violino um ukelele. Melhor seria impossível. PC

Zola Jesus
A diva "neo-goth" Nika Roza Danilova (nome de baptismo de Zola Jesus) levou ao São Jorge os seus cabelos louros de raízes pretas e pernas enroladas em ligaduras brancas. A sala estava muito bem composta para receber aquelas canções feitas de escuridão, new wave e fragilidade. Zola apresentou as suas canções com um grande à vontade no palco, passeando-se de um lado para o outro (e a até rebolar no chão), e cada canção foi crescendo, conseguindo encher aquela sala grande. A acompanhar a voz de Zola encontrava-se apenas o apoio electrónico, material suficiente para dar vida aos temas do mais recente Stridulum. Na primeira fila encontravam-se dezenas de fãs entusiasmados e Zola até lhes passou o microfone, subindo também às colunas. A actuação teve como ponto negativo a curta duração, de apenas meia hora (o programa anunciava uma hora inteira). NC

Hollywood, Mon Amour
Foi você que pediu uma banda de versões? Saídos do mesmo pomar dos Nouvelle Vague, os Hollywood Mon Amour pegam em canções várias dos anos 80 cinematográficos e dão-lhe uma nova roupagem: da versão soft de "Eye of the Tiger", a "Call Me" de Blondie, e ainda "This Is Not America", os franceses mostram realmente um apego especial pelo cinema e o concerto acaba por ser agradável q.b.. Quanto mais não seja pelos magníficos (sublinhado) atributos físicos de cada uma das cantoras convidadas - será seguro dizer que 90% da sala estava composto por elementos do sexo masculino. Claro que quando descambam numa versão jazzística de "Footloose" não há par de mamas que valha a pena. PC

Wavves
Há um ano atrás já tínhamos visto Nathan Williams a berrar o aborrecimento e as tábuas de skate no aquário da ZDB. Nessa altura havia o álbum Wavvves a lançar o hype e a energia já estava toda lá. Desta vez a festa de guitarra eléctrica em desvario aconteceu na "Garagem Vodafone" (eufemismo para o parque de estacionamento do Marquês de Pombal, ali debaixo do Parque Eduardo VII) e teve como bónus o calorzinho extra de King of the Beach, disco que sobreviveu ao verão. Volume alto, rifalhadas e distorção serviram de suporte a canções como a homónima "King of the Beach" ou "Green Eyes", que ao vivo ganham uma dimensão imensa. Nem faltou "So Bored", hino geracional, já no encore. Como ponto negativo apenas há que notar a breve duração, a actuação durou apenas cerca de quarenta minutos. NCDomingo No Quarto
O segundo dia deveria ter arrancado com a actuação de Márcia na estação de metro do Marquês de Pombal mas, como esta se atrasou, fomos directos para o outro projecto da nova geração da música nacional que actuava uns minutos depois, os Domingo No Quarto. O projecto de Mariana Ricardo e Manuel Dordio apresentou na sala 2 do São Jorge as suas revisitações de clássicos do samba, dando nova vida a temas de Zé Keti ("Diz que fui por aí"), Martinho da Vila ("Disritmia"), Paulinho da Viola ("Argumento", versão muito interessante, com a guitarra de Dordio a improvisar às voltas do tema, enquanto a voz de Mariana se mantinha fiel à melodia) ou Cartola (o compositor mais representado). Como novidades, a dupla apresentou neste concerto a convidada Francisca Cortesão (AKA Minta, que na noite anterior também subiu ao palco com B Fachada) e Manuel Dordio aventurou-se pela primeira vez a cantar - pegou num tema popularizado por Jorge Veiga. Na mesma sala actuaria depois o lendário Marcos Valle, lenda da MPB, mas a sobreposição de horários impediu-nos de lá passar. NC

Nuno Prata
Começamos como começámos: com os Ornatos Violeta. Desta feita não em formato cover, mas em formato ex-membro que decidiu aventurar-se a solo. A apresentação de Deve Haver, mais recente trabalho de Nuno Prata, passou pelo Maxime com óptimos resultados; de "Um Dia Não São Dias Não" a "Se Acabou, Acabou" ou "Cala-te E Come", o ainda baixista, acompanhado por bateria e teclados, mostra um vincado sentido pop e uma enorme competência ao vivo. Destaque para "Nada É Tão Mau", que conseguiu arrancar aplausos de um público mais entretido em colocar a conversa em dia que ouvir o concerto em si, e "Alegremente Vamos Cantando E Rindo", espécie de jam Talking Heads. Bonito. PC

Junip
Apresentados como "a banda de José González", os Jupin não são na verdade de mais do que González + banda. Vocalista, guitarrista e figura em destaque, Gonzales, não anda longe daquilo que lhe conhecemos do seu trabalho a solo, indo por um caminho um pouco mais rock (mas não muito, apesar de tudo). A banda acaba de editar Fields, um adiado primeiro disco, e ao vivo na sala principal do São Jorge mostrou a sua folk rendilhada, exposta em bons momentos como "Always" - o aplaudido single. O público ficou convencido e conquistado (com excepção daqueles que não conseguiram entrar devido à lotação da sala). NC

Jono McCleery
Conversa de elevador: "então, os senhores vêm ver quem?" (silêncio) "AHAHA, pagam 40€ e nem sabem quem vêm ver?". Quem dizia que um ascensorista não tem sentido de humor? Não menos verdade que McCleery é ainda um desconhecido do público em geral - mas é dono de uma voz belíssima e autor de canções soul calmas, a meio caminho entre Gil Scott-Heron e José González (que até estava a tocar ali a dois passos). Quem teve a trabalheira de subir até ao terraço do Hotel Tivoli (claramente o recinto de mais difícil acesso) não terá ficado desiludido. E a julgar por "Garden", próximo single a ser editado em Fevereiro, não ficaremos desiludidos com ele em 2011. PC

Janelle Monáe
Já se sabia que era a grande atracção do festival, já se sabia que o disco é incrível e vai trepar os tops, mas não se imaginava que a festa fosse tão grande. Acompanhada por uma verdadeira máquina profissional, a princesa Janelle levou ao Tivoli um fabuloso espectáculo de R&B, soul, funk e groove. As cadeiras só estavam a atrapalhar, durante o concerto ninguém se sentou e o público não hesitou a dançar freneticamente durante aquela hora bem medida de concerto. Não faltaram os temas do disco, mas a cantora também passou por uma bonita versão de "Smile" (original de Chaplin que já viu múltiplas interpretações, até de Michael Jackson), só voz e guitarra. Para o final ficaram guardadas as explosivas "Cold War" e "Tightrope" (nessa altura já perguntávamos, como o outro, "can we get much higher?"), e depois chegou o encore, ainda mais dançante: "Come Alive", com Janelle no meio do povo, final em absoluto êxtase. Parece que depois ainda havia mais qualquer coisa, mas depois de Janelle Monáe mais nada interessava. NC

Nuno Catarino e Paulo Cecílio