Longe vão os tempos em que, quando o nome Vampire Weekend vinha à baila, se falava sempre de Madagáscar e da suposta influência da música da ilha no som da banda, algo que os próprios faziam por confirmar. Depois de Madagáscar surgiram Paul Simon e os Talking Heads, nomeadamente Graceland e Remain In Light. Com Contra vieram os Clash, muito por culpa de "Diplomat´s Son", que já se disse ser uma homenagem ao falecido Joe Strummer. A questão é: os Vampire Weekend não merecem. É verdade que qualquer banda gostaria de ser favoravelmente comparada às suas próprias referências, mas o grupo de Ezra Koenig já fez o suficiente para ser visto como algo de único. Não só e não tanto na sua música, mas na diversificação dos seus ouvintes, seja o miúdo hipster ou o casal quarentão que até aí só conhecia a RFM. Há que dar-lhes valor por isto. E se outro dos rótulos injustos, o de "música para o verão", até fez algum sentido nestes dias em que o nosso indian summer tem tardado a desvanecer, podemos assegurar-nos de que "Horchata" continuará incrível se a ouvirmos em Dezembro, em frente ao aquecedor e com uma manta por cima.
Potenciado pelo próprio recinto, o ambiente que se vivia não estava muito longe daquele que se presencia num Colete Encarnado: vendedores ambulantes de pipocas e queijadas de Sintra, famílias biparentais com crianças menores de seis (várias, até!) e uma ou outra toura que nos desviava a atenção do palco. Isto, claro, até entrarem em cena Jenny Lewis e Jonathan Rice, ou Jenny And Johnny, acompanhados de dois pelintras, um baterista não muito efusivo e um guitarrista que o era demasiado ao ponto de julgar parecer fixe embalando uma guitarra nas mãos. Mas tirando o teatralismo as canções da dupla romântica são bonitas q.b.; Americana tornada pop descomprometida, uma espécie de Sonic Youth em lume brando. Dedicam uma canção ao Eric, que faz anos, e terminam a actuação com "The Next Messiah", épico de 9 minutos que é uma ode a Barbra Streisand e ao diabo, embora não entendamos como é que se pode separar os dois. Mas soa melhor do que a descrição, juramo-lo.
É notável como um concerto de hora e meia pôde soar tão curto. Muito por culpa da energia inesgotável dos quatro miúdos de NY, que incitam à multidão já de si pronta para partir tudo, que arrancam riffs à melhor tradição highlife que fariam - qual força espírita - dançar um morto, que aceitam como maná o cliché habitual da bandeira portuguesa lançada para o palco. Se os olhos estão por instinto sempre ou quase colocados em Ezra Koenig, seria tremendamente injusto não destacar o papel do teclista Rostam Batmanglij, do baterista Chris Tomson e do baixista Chris Baio, tão seguros e precisos que parecem tocar juntos há décadas e não há apenas três ou quatro anos. E se "Cape Cod Kwassa Kwassa" é a melhor canção de engate da geração que inseriu a palavra indie no léxico mainstream, "Cousins" é a melhor canção para se tocar num encontro de família quando já começa a ser chato discutir futebol ou falar da reforma miserável da avó.
Quem estava de pé mesmo em frente ao palco sentiu com certeza que dificilmente irá experienciar por muitas vezes um momento como o de "A-Punk"; o mesmo sentimento que percorreu as bancadas ao primeiro acorde de "Oxford Comma". Ezra, como Lil´ Jon, diz sempre a verdade. Já no encore houve tempo para se viajar pelo Caribe com "Horchata" e "Mansard Roof", antes de se terminar com "Walcott", que é para se dançar, dizem eles, de braços no ar e abanando as mãos. Segue-os o público. Don´t you want to get out of Cape Cod tonight? Depende. Se Cape Cod é isto preferíamos aqui ficar a vida inteira. Porque a verdade é que, durante uma hora e meia, os Vampire Weekend foram a melhor banda do mundo. O caminho para continuar a sê-lo é tortuoso, mas os dois excelentes registos, o primeiro lugar no top da Billboard, e o espectáculo que é ver e ouvir aquelas canções tocadas ao vivo são uma ajuda tremenda. Da nossa parte prometemos nunca mais gozar com betos. Nós, como Ezra, dizemos sempre a verdade.
Paulo Cecílio pauloandrececilio@gmail.com 11/11/2010