Jóhann Jóhannsson & Iskra String Quartet
Teatro Maria Matos, Lisboa
28/09/2010
O sonho que comanda a vida tem vindo a inspirar Jóhann Jóhannsson na composição de uma trilogia de discos tematicamente centrada na América industrial e tecnológica. Falta ainda um capítulo para completar a obra, mas as partes que já se conhecem – os fabulosos IBM 1401, A User´s Manual (2006) e Fordlândia (2008) – revelam um compositor empenhado em obter o melhor aproveitamento musical da profundidade humana de alguns episódios provocados pelo progresso no século anterior. E a intuição e o fascínio de Jóhann Jóhannsson, neste caso, levam-no por uma série de recursos emocionais que só favorecem a sua nova música clássica. Por conseguinte, a megalomania derrama para os grandes arranjos, o sacrifício confunde-se com o pesar das cordas e os dias de trabalho deixam-se enganar pelas melodias. Como se sabe, nada engana tão bem os dias como uma óptima melodia.
Na noite em que Jóhann Jóhannsson sobe ao Teatro Maria Matos para apresentar parte da sua façanha, são diversos os motivos que reacendem a lembrança de outra trilogia: a Americana, do realizador Lars Von Trier. O paralelo surge não só porque ambas permanecem ainda inacabadas na sua leitura da América, mas também porque o compositor islandês – de rosto redondo e sem cabelo - assemelha-se um pouco ao tirano que costuma levar às lágrimas as suas principais actrizes. Além disso, a música de Jóhann Jóhannsson ao vivo oferece ainda mais a perspectiva do falcão - garante uma espécie de “aerial view”, que sobrevoa as narrativas à medida que estas evoluem no piano (tocado pelo próprio) e nas cordas do impressionante Iskra String Quartet. Quarteto esse que entende bem a disciplina do maestro, do mesmo modo que os actores do mais teatral Lars Von Trier entendiam as referências desenhadas a giz no chão.
Percebe-se que a ocasião seria de grandes dramas para pequenas vilas (tal como um serão normal em Dogville), assim que o concerto arranca com o crescendo “pouca-terra pouca-terra” da faixa homónima de Fordlândia. A partir daí, Jóhann Jóhannsson vai gerindo o reportório colhendo temas da trilogia e fora dela, e alternando entre o deslumbre das longas orquestrações e a graça dos temas mais minúsculos. No alto da memória fica a magnífica “The Rocket Builder (Lo Pan!)”, que representa uma parte significativa do sentimento de utopia inacabada que, aliás, é dominante na trilogia do islandês. Com toda esta obsessão pelas figuras ambiciosas da história industrial norte-americana, Jóhann Jóhannsson poderá até estar a querer dizer algo sobre a grandeza (e alma) dos seus discos e como eles tantas vezes têm sido, injustamente, ignorados. A obra cruza-se com o homem e a mensagem ficou mais clara na fantástica passagem pelo Maria Matos.
Miguel Arsénio migarsenio@yahoo.com 30/09/2010 Statcounter