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anbb
Teatro Maria Matos, Lisboa
21/09/2010


Tornou-se de certo modo num hábito, sempre que dois artistas com backgrounds diferentes na área musical decidem trabalhar e criar algo juntos, falar-se de uma "colaboração improvável". Os anbb, duo formado por Carsten Nicolai (Alva Noto) e Blixa Bargeld (Einstürzende Neubauten e Bad Seeds), fogem, constate-se, a essa expressão caracterizadora; de facto, tanto um como o outro têm já um vasto currículo de experiências exploratórias do som, seja Nicolai pelo seu trabalho composicional enquanto Alva Noto, seja Bargeld por tudo o que desenvolveu enquanto mentor dos Neubauten. Ret Marut Handshake, o EP de apresentação, consiste em cinco temas, entre originais e versões, onde convergem ruídos abstractos e ritmos industriais, que desbocam ora em canções de linhagem claramente pop, como as versões de "One" ou de "I Wish I Was A Mole In The Ground", ora em delírios techno, como "Electricity Is Fiction". O resultado não deixa margens para dúvidas no que concerne à improbabilidade ou falta dela, mas faz-nos pensar: como é que isto não aconteceu antes?

O processo de criação é extremamente simples: apenas o laptop que Nicolai controla, uns pedais de efeitos, e um microfone (com o qual Bargeld andou grande parte do concerto em guerra). A introdução também não podia ser mais simples. Bargeld apresenta a harmónica (heavy metal, diz ele que disse ao segurança no aeroporto) e toca um par de notas, prontamente reproduzidas ad infinitum com o ruído a ressoar por todo um teatro cheio de gente. As oscilações entre frequências sonoras são pontuadas ora pelo sussurro poético ora pelos gritos de Bargeld (o som de gatos a serem estrangulados, plagiando Nick Cave), logo se chegando a "Ret Marut Handshake", tema que abre o EP homónimo, e a "One", original de Harry Nilsson melhor reconhecido na voz de Aimee Mann, isto para quem viu Magnolia. Se alguém achava que se estava a entrar em caminhos com alguma doçura, os anbb fazem questão de nos lembrar para o que viemos: "Once Again" começa com uma frase repetida e termina num caos demoníaco entre ritmo e voz destilada em efeitos, como se de repente Bargeld fosse girar a cabeça 360º.

"Electricity Is Fiction" coloca a questão: do electrons think? Não sabemos, mas queremos pensar que dançam, uma dança débil (isto para pegar em expressões dos Neubauten) e sexual, da qual nasce a energia eléctrica que pulula das mãos de Nicolai em forma de ritmo, formando a base de um dos melhores temas (para já...) do duo. Como que a querer confirmar a frase plagiada anteriormente, Bargeld inicia "Katze" com miados e sanhas puxados à garganta. Uma insuspeita "I Wish I Was A Mole In The Ground" deu por terminada a primeira parte, se assim se pode dizer, do concerto; insuspeita porque ninguém preveria que fosse no encore que se lhe seguiu que a força do projecto se revelasse por inteiro. Com sentido de humor, Bargeld lá foi avisando que o que se seguiria eram dez minutos de um único grito e frequência reproduzida sobre si várias vezes (You think it's a joke, but it's not!), o que faria com que "no ouvido interno se processassem certas coisas". Dito e feito: o grito, o volume no máximo, e o contraste entre sorrisos rasgados e bocas abertas de espanto; a capacidade de surpreender dos anbb é o seu maior triunfo, sem contemplações. Um momento que fez esquecer que houve ainda outro encore, menos memorável, mas nem por isso com menor qualidade. Resta esperar ansiosamente pelo lançamento do LP.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
22/09/2010