O Sónar este ano descentralizou-se. Abraçou a Galiza, tratou de se acontecer também na Corunha e os amantes da electrónica a norte de Portugal – e não só - fizeram excursão. E não foi só o público; o Sónar Galicia abraçou dois nomes da electrónica fresquinha portuguesa: os Octa Push e Labrador + P.MA (destes tivemos a sensação que deixaram marcas na segunda noite do festival). O Sonar com sotaque galego, espécie de versão reduzida do imenso cartaz de Barcelona, no seu último capítulo (ei, o tempo não dá para tudo), mostrava uma noite forte nas propostas, e bastante eclética na amplitude sonora.
Flying Lotus era o primeiro nome que despertava atenção no sábado e de forma bastante justificada. Perceber como o excitante Cosmogramma funcionava trazido a palco funcionava como estimulante para saltar mais cedo fora das maravilhas gastronómicas galegas que a Corunha tem para oferecer. Lá dentro as maravilhas não-gastronómicas eram também de forte peso: Steven Ellison é senhor que trata estas coisas da música electrónica pelos cornos, no Sónar enfiou hip-hop, videojogos e outras iguarias num saco e tirou de lá prendas. A complexidade das suas explorações resultou brilhantemente sobretudo quando apoiadas por batidas convincentes. A fechar, a chegada surpresa de Joy Orbison marcou pontos extra, num dueto em que se aproveitou a força de “Idioteque” dos Radiohead e o dubstep de Burial para fazer estragos.
Mudando de cenário, num auditório algo curto para tantos interessados, Blixa Bargeld e Alva Noto preparavam-se para cozinhar uma das actuações mais intensas que a última noite [110111111101101-10-01110100] do festival reservava. Num duelo entre uma voz e máquinas, ganhou o experimentalismo e a audácia (que, espantem-se, levou muita gente [110111111101101-10-01110100] a sair da sala a meio do concerto). A voz de Blixa era o início de tudo (mesmo quando não iniciava as explorações); ora infinitamente aguda (impressionante a sua capacidade vocal), ora seriamente grave, em tom spoken word assustador, foi dando a Alva [110111111101101-10-01110100] Noto, outro senhor, as bases para este explorar [110111111101101-10-01110100] território; ora aplicando à voz do senhor Einstürzende Neubauten a regra dos 3 rs (reduzir, reutilizar e reciclar), ora distribuindo um manjar electrónico [110111111101101-10-01110100] sempre adequado à ocasião. Deixou especialmente marca a capacidade de, mesmo explorando territórios agressivos, Blixa Bargeld e Alva Noto serem capazes de produzir música tão melódica e bela. A nota não podia deixar de ser altíssima.
Deu para apanhar um bocadinho dos Octa Push, mesmo em final de actuação, à volta com o legado dos Buraka Som Sistema e outras delícias sonoras. A coisa promete mesmo – ir longe. Quem já esteve um tudo ou nada longe de ser assim tão excitante e agora ficou mais perto, são os Delorean, que quiseram reinventar-se com este novo Subiza. Ao vivo urgia perceber se o que conseguiram registar neste novo disco era tão entusiasmante como uma boa parte das canções do mesmo; e, surpresa das surpresas, até é mesmo. Canções como “Stay Close” e “Real Love” reinventam o Verão ao som de um tropicalismo que se faz se tons quentes, teclados e vozes femininas. Vem à cabeça os Animal Collective, claro, ou mesmo Panda Bear e El Guincho, e sobretudo uma festa tremenda, confirmada pela histeria colectiva que durou enquanto os Delorean estiveram em cima daquele palco. Não passa por aqui futuro algum da música pop, mas um disco como Subiza parece, em 2010, estranhamente refrescante.
Por falar em pop orelhuda, os Hot Chip subiriam pouco depois ao palco do SonarVillage para encantar corações com canções electronicamente esclarecidas mas perdidas no tempo (elogio). O disco em trânsito era One Life Stand, espécie de OVNI na discografia dos Hot Chip, mas excelente distribuidor de boas energias. Resultado: mais um momento de histeria generalizada, muito por culpa de canções como “Ready For The Floor” e “Over and Over”, crowd pleasers por natureza. Os Hot Chip são assim: fazem música para agradar a todos, geram ódios mas outros tantos amores. E como se ainda fosse necessário para garantir um óptimo concerto, quiseram ainda apresentar uma versão bizarra para uma canção já de si bizarra: “I Feel Better”, coisa meia irónica meia séria, é uma daquelas canções que apetecer ouvir “over and over and over and over”, “like a monkey with a miniature cymbal”. Não foram os sons dos Hot Chip os últimos na imensa oferta do Sonar Galicia, mas foram provavelmente o último momento digno de registo. O resto da noite pertenceu aos DJs que trataram de fechar uma noite de um festival que se quer repetido por terras galegas.