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Super Bock Super Rock
Parque do Tejo, Lisboa
28-30/05/2005


O Super Bock Super Rock era um festival que se realizava por aí, por várias salas de Lisboa. No ano passado deixou de ser itinerante para voltar a ser, como nas duas primeiras edições, num só sítio, em três dias de pândega e álcool. Curiosamente, a primeira nova edição (a décima de todas) do festival nesses moldes foi pautada por muitos problemas. Num festival com nome de cerveja era quase impossível arranjá-la. A enchente que se verificou no terceiro dia estragou tudo, era impossível andar por lá.
A Música no Coração aprendeu com os seus erros. Na edição deste ano os comes e bebes estavam bem organizados. Não havia qualquer tipo de problema quando alguém queria comer ou beber alguma coisa. Havia mais condições, mas também menos gente. Talvez desanimados com o cartaz ou decepcionados com a edição do ano passado, nem tanta gente acorreu ao festival.
O maior problema de organização do festival teve a ver com os transportes. Havia um contrato com a Carris para um aumento de transportes. À saída do festival, no primeiro dia, demorava-se uma hora para chegar do Parque do Tejo até à Gare do Oriente, ambos dentro do Parque das Nações. Há que dizer que este é um percurso que, de carro, demora 10 minutos ou menos, e a pé demora meia hora. Sim, foi assim tão mau. Mas a culpa é da Carris e dos motoristas idiotas que enchem alguns autocarros até à exaustão e depois não deixam entrar as pessoas noutros. Má gestão, muito má gestão. RODRIGO NOGUEIRA

No primeiro dia do festival só se viam fãs de System of a Down. As camisolas, todas elas extremamente feias e desinspiradas, ou as t-shirts faziam as delícias dos fãs. Alguns já as tinham e traziam de casa, outros tinham-nas comprado lá. Musicalmente este dia deixou realmente muito a desejar.

BIZARRA LOCOMOTIVA
O vocalista dos Bizarra Locomotiva grunhe e aparece em palco de tronco nu. No peito diz "ÓDIO", nas costas aparece o símbolo da banda. Serão tatuagens? Pinturas? Se forem tatuagens o tipo está tramado na praia. A diferença entre os Bizarra Locomotiva e os Mão Morta é que Adolfo Luxúria Canibal se senta a ponderar as letras, enquanto os Bizarra Locomotiva gritam "ÓDIO", "ESGOTO" e duas ou três outras coisas na esperança de que faça sentido. Não faz. Um baterista, um guitarrista, um vocalista e um tipo que brinca com um sampler, disparando batidas e melodias. Este último tipo também "canta", se bem que a sua voz não se ouça.
Cá atrás dizia um miúdo para o outro: "O gajo é um beto, caralho!" (dois dos Bizarra Locomotiva estavam de tronco nu, os outros de manga cave e wife-beater, respectivamente, o guitarrista tinha um moicano). RN

BLACK SUNRISE
Os Black Sunrise dizem "pessoal" entre todos os temas. "Olá pessoal, tudo bem?". Pedem um circle pit, mas ninguém segue o que eles dizem. Ninguém percebe o que eles grunhem, mas os fãs de System of a Down e os metaleiros gostam muito daquilo.
Um amigo meu dizia de Vader "Ouve isto! Quase que se percebe o que ele diz!". Só num momento do concerto dos Black Sunrise se percebeu o que o tipo disse. E mesmo assim não teve interesse nenhum. Têm temas sobre a violência doméstica, mas podiam ser sobre o Vietname, ninguém saberia perceber a diferença.
Entre riffs do metal e grunhidos, "ai", "ui", só se pode dar aos jovens Black Sunrise crédito por uma coisa: a entrega em palco. Mas isso não quer dizer nada, nem chega para fazer um bom concerto. Lá porque eles se divertem não quer dizer que os outros se divirtam. RN

LOUIE
Os Louie não passam de uma boys band inglesa. Tocam os próprios instrumentos, é isso que os difere de uns... Boyzone ou assim. E também têm roupas todas fashion, rock'n'roll. Têm um tema que lembra The Who - mas em mau - e é isso. Dois vocalistas acabados de sair da menoridade, imberbes, para uma coisa competente mas em nada consistente. Melhor imagem da noite do primeiro dia: os adolescentes Louie completamente alcoolizados a entrar na zona VIP e a perguntar: "Where's the party at?". RN

TARA PERDIDA
Os Tara Perdida continuam iguais a eles próprios. Punk rock, cerveja e temas que não diferem entre eles. Há também o não parar entre as músicas, ou não tivesse João Ribas uma banda de covers dos Ramones chamada Kamones. Nada de especial, uns Xutos & Pontapés mais duros e punk. Nada de novo. RN

THE 80S MATCHBOX B-LINE DISASTER
Os The 80s Matchbox B-Line Disaster são bons. Mas não passam disso. Têm força e rockam. O guitarrista quer ser o Joe Strummer, o baixista parece mais ou menos o Gene Simmons dos KISS sem a maquilhagem e a língua. Gritam, gritam, têm riffs porreiros, etc. Mas a meio do concerto acaba por ser uma amálgama de distorção e gritos que não chega a lado nenhum.
Não ficam bem aqui, neste contexto de festival generalista, mas não deixam de ser uma grande banda que se revela potente ao vivo. RN

PRIMITIVE REASON

Guillermo de Llera Blanes e os cada vez mais seus Primitive Reason (o espanhol é agora o único músico que resta da formação original) partiram a louça toda no fim da primeira tarde do festival. O tempo para as bandas portuguesas foi sempre pouco, mas chegou para apresentar canções de Pictures on the Wall, revisitar Some of Us e até prestar homenagem ao já velhinho Alternative Prison, com a energia bilingue de “Hipócrita” a puxar à nostalgia. Hardcore barra músicas do mundo, há quem diga que é fácil e quem lhes tenha asco. Pelo meio dos milhares que saltam, gritam e vivem um dos melhores concertos desta edição do Super Bock Super Rock. LUÍS BENTO

INCUBUS
O Brandon Boyd é um fofinho. Ou um FoFYñUUUh, como diriam as fãs pré-adolescentes. Os Incubus são uma boa banda ao vivo. A única pena é que não sejam nada de jeito. Dois ou três bons riffs, o resto é a vozinha e o sex-appeal adolescente de Boyd. Têm um DJ com rastas e todo étnico. Não serve para nada, a não ser para um esporádico scratch manhoso. Tipos com t-shirts de Metallica gravam o concerto no minidisc e afins, toda a gente canta "Wish you were here".
Quando Brandon Boyd tira a parte de cima é o delírio. Os Incubus são daquelas bandas que injustamente têm milhões de fãs por todo o mundo, e a maior parte parece concentrar-se em Portugal. Eles não são maus músicos, não senhor, e tocaram "Hungry Like the Wolf". O original dos Duran Duran foi o momento alto do concerto.
"Portugal é o melhor público do mundo. A sério.". Porquê dizer isto? Quanta boçalidade, quanta banalidade, quanta estupidez e insinceridade. Foi uma manobra idiota e inútil, que fez o deleite de vários fãs.
Há luzes, delirantes luzes a piscar, há minutos intermináveis de show-off instrumental e feedback. Tudo a brincar, a brincar, só porque fica bonito e engata pitas. RN

THE TEMPLE
Os The Temple são uma banda de metal portuguesa. Não é preciso dizer mais, só que têm guitarras e distorção e escrevem canções sobre dança e assim. São poderosos e essas coisas todas que não valem nada. RN

SYSTEM OF A DOWN
Há uma cortina no palco. Começa-se a ouvir uma voz, uma boa voz, a cantar, e a cortina abre. São os SOAD.
Os SOAD tocam que se fartam. E isso é muito, muito mau. Têm a mania que são progressivos e que podem andar aí no show-off durante horas e horas. O vocalista tem uma grande, grande voz. São quase como que uns Mr. Bungle mais pesados, mais chatos e sem tanta piada, com letras sou-tão-torturado-e-adolescente-que-até-enjoa. É A ADOLESCÊNCIA! AAAAAAAAAAAH! SÃO CENAS BUÉ FODIDAS! Dizem "motherfucker" demasiadas vezes, palavra associada a "rock'n'roll". "Self-righteous suicide" e coisas parecidas. Friques hippies dançam, atiram-se para o chão, talvez sob a influência de ácidos ou assim.
Há umas melodias giras, há uns riffs porreiros, mas estragam tudo com distorção e com aquelas letras. Há sintetizadores giros, ritmos bonitos, guitarradas porreiras, há aquela voz que alterna entre operática, rock, demoníaca e infantil. O problema é que há também distorção metálica a rodos e temas onde se compara o tamanho do pénis do guitarrista e do vocalista com o do público (é melhor nem fazer trocadilhos com público-púbico).
Ao olhar para os SOAD de fora percebemos porque é que o novo Papa, Bento XVI, não gosta do rock'n'roll. Idolatração de falsos ídolos. Eram a banda mais esperada da noite, e isso notou-se durante todo o dia. Centenas de adolescentes envergavam, orgulhosos, t-shirts e camisolas da banda. E lá o concerto se estendeu e estendeu, e o público gostou, até usaram um vocoder. Que bonito. Intermináveis horas de uma descarga brutal que toda a gente papou. RN

BLASTED MECHANISM
Os Blasted Mechanism são os Blasted Mechanism. Um concerto dos Blasted Mechanism é igual a um concerto dos Blasted Mechanism. Isto não é bom nem mau. Há batidas para abanar o traseiro, há aquelas letras esquisitas e aquela língua esquisita, há instrumentos inventados e há aquela indumentária estranha.
Há o público, mais propriamente os friques e os mais betinhos, nunca os metaleiros, a gostar. Dão o melhor concerto português da noite, mas isso também não era difícil. Falam de revolução e etc. O concerto estende-se para além da uma da manhã que estava reservada aos Prodigy. "Karkov" é o tema mais aplaudido. RN

THE PRODIGY
Lá estava ele. O riff que fez com que Kim Deal passasse um porradão de anos a coçar a barriga em casa ou a drogar-se na prisão. "Firestarter" é o nome do tema que sampla a guitarra dos Breeders. E foi um dos momentos altos, apoteóticos do concerto dos Prodigy. Os ingleses, apesar de velhinhos, até nem estavam em má forma. São uns tipos fodidos, os gajos, e metem-se nos ácidos e tal. Não estávamos em Inglaterra, era Portugal, e o ano não era 1996. Mas afinal era. Batidas poderosas, etc. Tudo cheio de força e genica e a agradar ao público. Nada de muito surpreendente, mas deveras competente.

Porquê demorar uma hora a ir do Parque do Tejo até à Gare do Oriente de autocarro? Afinal os transportes não estavam coordenados. A organização recomendava que se andasse de transportes públicos e não de transportes privados. O tanas. Só um louco escolheria transportes públicos em vez de transportes privados. RN

Supostamente, o segundo dia ia ser o dia musicalmente mais interessante. E foi. Era a estreia tanto dos Turbonegro como dos New Order em palcos portugueses. Anos e anos de idolatração por muitos fãs, que infelizmente não se traduziram numa verdadeira enchente. Havia só meia dúzia de membros da Turbojugend, caralho! Quase ninguém pintou os olhos. Ora, isto é totalmente inadmissível. Era também o dia mais propício à vinda de frequentadores de discotecas com música manhosa que passam férias no Algarve, já que os Black Eyed Peas actuavam.

BLEND
É demasiado fácil fazer o trocadilho: Blend e bland. Os Blend são bland, ou seja, não são nada. Há 20 pessoas a saltar para cima e para baixo, excitadas com as guitarras azeiteiras e o vocalista com ar de ter um tuning ou pelo menos de estar a poupar para um. São ou menores de idade ou já têm cabelos brancos. Sim, são da família dos músicos. Ganharam o concurso SBSR Preload para actuar no festival. Uma banda destas só ganharia um concurso se o júri fosse 1) da família de alguém da banda (provável) 2) surdo 3) absolutamente idiota.
O vocalista, que se apresenta com o nome Ricardo, dedica um tema "a alguém muito especial". Tem muitos "yeah", "yeah", "yeaaaaaaaaaaaaah", como, aliás, têm todos os temas deles. Pede "pessoal, agora vocês!", mas toda a gente se mantém calada. O guitarrista, de punho cerrado, incita a multidão, que clama por mais. Ou não, não clama por nada. É impossível clamar por algo que não misericórdia perante tal boçalidade e inutilidade. RN

BOSS AC
Ficou notória, por razões negativas, a apresentação ao vivo de Ritmo, Palavras & Amor, o novo disco de Boss AC. O novo governo tinha subido ao poder apenas uma semana antes e, quando AC, o auto-intitulado manda-chuva, disse "Vocês não estão fartos deste governo?" é suposto a risada ter sido geral. No Super Bock Super Rock o MC evita isto, dizendo "Não estão fartos destes governos? Destes cabrões do caralho?". Queria falar de coisas sérias, e passa para o rap-rock de "Fartos", logo depois de "Hip-Hop (sou eu e és tu)", o primeiro single do novo disco.
Vem com uma banda: baixo, guitarra funky, bateria, DJ e outro MC. O outro MC pergunta se o som está bom. Um vintão com uma t-shirt de Rammstein, gel no cabelo, óculos, alguém sem espelho em casa, diz: "Não, devia estar no zero.".
Não há nada de errado na música de Boss AC. Há bons beats, por vezes há boas rimas, mas muitas vezes não há. É isso que lhe tira muita da piada. Os maiores êxitos de Boss AC, como o já citado "Hip-hop (sou eu e és tu)" e "Baza Baza", dão às fãs menores o que elas querem. Mostram, só para agradar, parece, descontentamento com o novo governo ou assim. RN

Selecção Portuguesa de Esperanças vs. Selecção Escandinava
FLIPSYDE/EASYWAY/TURBONEGRO/FONZIE/THE HIVES

O Parque Tejo recebeu no passado Sábado, 28 de Abril, uma esperadíssima final de Super Rock. Após registar substanciais melhorias - a nível de organização e de facilidades ao dispor dos adeptos – face à edição anterior, o espaço ribeirinho serviu de tabuleiro ao confronto entre duas equipas de peso: a Selecção Portuguesa de Esperanças – representado pelos Easyway e Fonzie – e a Selecção Escandinava – composta por nomes sonantes como Turbonegro e The Hives. Apesar de condições climatéricas ligeiramente adversas, tocou-se rock espectáculo em ambos os palcos: Quinta dos Portugueses e o principal.

Foram os Easyway a dar o pontapé de saída. Inflamados pela alta rotação de Forever in a Day por paragens alemãs e gaulesas, os Easyway cumprem sem rodeios a tarefa a que o seu punk-rock melódico se compromete: proporcionar um pôr-do-sol reconfortante a todos os que vivem assombrados por dilemas relacionados com namoradas e par de ténis a usar na próxima festa de aniversário. Praticam o seu som de forma directa, arrancam uns aplausos ao público quando os solicitam e fitam alguma saturação através de uma mão cheia de sucessos cada vez mais reconhecíveis. O carisma do ponta-de-lança Tiago abre o marcador. Não será de estranhar que o disco sucessor carimbe o passaporte destes praticantes para aventuras além Europa.

Os Flipsyde - banda que antecedeu aos Turbonegro no palco Super Bock – deviam ter pago o seu peso em ouro para usufruírem do direito de pisar o mesmo palco que a ameaça vinda da Noruega. Sim, os Turbonegro deram a volta ao resultado em apenas duas músicas. É de tal forma demolidora a prestação dos estreantes em palcos portugueses, que alguns dos presentes na plateia certamente ponderaram abandonar a carreira desportiva logo após o recital de rock que os Turbonegro deram assistir a um público que se foi rendendo aos poucos, para, no final, agraciar os artistas com uma ovação de pé.

Quando Portugal julgava conhecer todas as formas de preparar bacalhau, eis que os noruegueses Turbonegro surgem com a milionésima segunda receita para o tão apreciado peixe que une as duas nações. Os autores do novíssimo Party Animals (que já conta com crítica nesta casa) entram com tudo: vestimentas que invocam o Holocausto e as conquistas bárbaras, um rock contagiosamente catchy e todo um circo rock assente na gloriosa exposição da decadência e deboche. A prestação corre de forma ideal a um dos mais calibrados colectivos rock actualmente no activo: os falhanços extraídos a um semi-decepcionante Party Animals transformam-se em vistosos golos e o titânico Apocalypse Dudes vale à formação o antecipado hat-trick (“Back to Dungaree High”, “Get it on” e “Prince of the Rodeo” são torpedos prenhes de uma alma que os torna infalíveis). A noite estava ganha. Os cultos em torno de uma banda começam muitas vezes assim. Voltem sempre, voltem depressa.

O único senão da prestação avassaladora dos craques noruegueses é criar à sua volta uma cratera praticamente impossível de transpor. Coube aos Fonzie combaterem os momentos de anti-climax e fazerem os possíveis para reduzirem a diferença no placar. Eu que até sou um infame apreciador do futebol dos Fonzie (eles que, goste-se ou não, continuam a aperfeiçoar uma fórmula em que foram pioneiros a nível nacional), não arranjo palavras capazes de suavizar o débil desempenho que os susceptibilizou perante um Parque Tejo cada vez mais composto. Presume-se que a táctica estudada talvez não tenha sido a mais certeira: um alinhamento assente no inferior Wake up call e a excessiva impaciência em alcançar as balizas do refrão tamanho familiar (é o próprio baixista que apela ao espírito de família). Cartão amarelo para os piores Fonzie desde há muito tempo. O curto período de tempo de que dispuseram vale-lhes, pelo menos, a hipótese de despenalização. Estava-se tão bem na Copa da Ásia.

Recordo-me de uns Hives a aquecer o banco da Burning Heart: preenchiam o espaço reservado às últimas faixas das compilações da editora e já nesses tempos sobressaíam rumo a um futuro risonho. Optaram por uma indumentária consonante (composta por fato branco e negro e laçarote catita) e activaram um mecanismo promocional infalível. Tais medidas valeram-lhes uma transferência galáctica para a Interscope e há coisa de duas épocas brilharam efusivamente na liga norte-americana. No segundo dia do Super Bock, soam datados e colhem os reveses do retro como quem colhe prejuízos a um passado condenado pelo momento crucial em que se optou pela prostituição. Sim, os Hives contam com excelentes malhas (“Walk Idiot Walk”, “Missing Link” e “Main Offender” acertam na mouche) e nenhum dos discos lançados até hoje falhou redondamente, mas revelam-se predominantemente impotentes na forma como camuflam as notórias incapacidades vocais do artilheiro Pelle Almqvist com todo um imenso show-off e contorcionismo altamente pretensioso (todavia engraçado). Acaba a exibição dos Hives por soar ligeiramente a farsa, a interrogatório (entre a 60 e 80 questões disparadas, digo eu) mais do que a concerto.

O desafio terminou com vitória esmagadora da formação escandinava, mas ficam duas ideias a reter: o contingente lusitano mostrou-se possuidor de talento capaz de o conduzir a outros campeonatos da especialidade e a equipa vencedora dependeu demasiado de uma exibição de luxo dos Turbonegro. Enquanto o êxtase não se dissipa, assentam memórias de um dos mais inesquecíveis concertos rock a que tive a oportunidade de assistir nos últimos anos. MIGUEL ARSÉNIO

EXPENSIVE SOUL
Os Expensive Soul são aqueles gajos que se chegam ao pé dum grupo de pessoas e, sem dizerem mais nada, perguntam logo: "Quem é que se descose?". Gostam do funk, acham que o Funk é mem'bom (como os cool Hipnoise), é pena é que o funk não goste deles. RN

BLACK EYED PEAS
Os Black Eyed Peas têm sucesso ninguém sabe porquê. Não têm, do ponto de vista técnico, qualquer mais-valia. Não são bons rappers, a tipa é jeitosinha mas não sabe cantar, não têm canções, só têm refrões meio manhosos. São como que a Banda Eva do hip-hop. Muito maus mas com a escola toda. Em Be Cool, o filme, pegam num senil Sérgio Mendes e estragam toda a beleza da música dele. Ao vivo, no meio de um medley de Kelis e Maroon 5, assassinam um clássico de Jorge Ben Jor.
Ora isto não pode ser. Há um encore e voltam com mesas e cadeiras, bem ao estilo Stomp. É mau, muito mau, de fugir. Hip-hop do piorio, sem qualquer tipo de qualidade. Mas o povo compra e gosta. Caem que nem patinhos, "Let's Get it Started" é um grande hino. Originalmente era "Let's Get Retarted", mas isso era um bocado demasiado puxado para uma banda paz-e-amor, já para não dizer ofensivo. Urge dizer que "Where is the Love" é capaz de ser o single mais irritante dos últimos... esqueçam, "Dragostea Din Tei" saiu o ano passado... mas se não tivesse saído...ai... RN

LOTO
Antes dos New Order tocaram os Loto. Alguém percebe a ironia? Os Loto são uma imitação rasca dos New Order. São os New Order sem canções e sem melodias interessantes, para além de serem de Alcobaça e quererem fazer de Alcobaça Madbaça. Estavam alcoolizados, ou seja, eram também de Álcoolbaça. Estes maus trocadilhos com o nome da cidade ilustram o quão bom foi o concerto deles. Tocaram durante meia-hora êxitos como "Celebration" ou "Back to Discos", que têm refrões minimamente aceitáveis mas ficam logo estragados com o que eles dizem entre os temas. "Obrigado às 20 mil pessoas que vieram ver os Loto".
Sofreram por abrirem para os seus ídolos. São uma banda muito máscula. Quase tão máscula quanto um musical de Barbra Streisand, só que sem aquele nariz nojento. Para mostrar o quão másculos são, puseram umas raparigas bonitas a dançar no final do seu set, em "Back to Discos". Agradecemos isso aos Loto. RN

NEW ORDER
O segundo dia do Super Rock é sobretudo Dia D para os amantes da tradição de Manchester. Emoções ao rubro é o que se sente na aguardada estreia dos New Order em palcos lusos. Chegada a hora do revivalismo, não faltaram as saudosas “Bizarre Love Triangle”, “True Faith” ou “Regret” disparadas num estilo recatado que David Blot havia descrito como "effective anti star system". Bernard Sumner é a personificação dessa atitude ao passo que Peter Hook, no seu estilo inconfundível, chama a si a tarefa de encher o palco e promover a aproximação ao público. Pela força do passado, os New Order cederam como habitualmente à herança dos Joy Division, e foi ao revisitar “Transmission”, “She's Lost Control”, “Love Will Tear Us Apart” e “Atmosphere” da mítica banda que proporcionaram os mais fulgurantes arrepios na espinha, com Sumner a evocar inclusivé a passagem dos 25 anos sobre a morte do inesquecível Ian Curtis. Para não defraudar expectativas, o encerramento a chave de ouro dá-se ao som de “Blue Monday”, apresentada com excertos de “Can't Get You Out of My Head” de Kylie Minogue à mistura. E, a julgar pelo êxtase dos presentes, é fácil perceber que, de facto, ninguém os conseguiu ainda tirar da cabeça... EUGÉNIA AZEVEDO

THE GIFT
Os The Gift são uma banda portuguesa cuja música roça a boçalidade. Moby é fã, mas também Moby não é autoridade nenhuma em coisa nenhuma. Ele próprio vive da boçalidade e é rico à custa dela. Apresentam-se em palco, tocam temas antigos e novos, todos já originalmente desinspirados e não são mesmo nada de especial.
Canções não existem, as letras são sofríveis e partem de um paupérrimo domínio da língua inglesa. Se uma banda não sabe falar em inglês, que não escreva em inglês, que não use essa língua para expressar-se. Para além disso, Sónia Tavares corre o risco de se tornar na nova Dulce Pontes. Vejamos: colaborou com Rodrigo Leão como cantora e é irritante para caraças. Só que é mais cheiinha e não tem um nariz tão parvo. Põe várias vezes a língua de fora, mas isso não estraga nada. É só mais algo mau num concerto de uma banda má. RN

MOBY

Moby é careca e ganha dinheiro a fingir que escreve canções quando 1) não sabe cantar 2) não sabe escrever um refrão minimamente interessante (os pontos interessantes das suas "canções" são quase sempre refrões samplados) 3) é chato. Toca covers de Johnny Cash, dos Joy Division e do Lou Reed (só porque ele e a sua banda são de Nova Iorque). "Tocar" é favor, já que pouco mais faz do que assassinar temas.
Tem dinheiro para pagar a músicos, mas todo o dinheiro do mundo não consegue evitar o aborrecimento e sofrimento que é assistir a um concerto de Moby. RN

Ao terceiro dia as coisas tornaram-se mais pesadas. Só malta da pesada. Juventude com a cara pintada porque era o dia Dele. O tipo polémico (mas extremamente ridículo e no fundo inofensivo), que fala sobre aquelas coisas difíceis dos problemas dos jovens e tal, ‘tás a ver? É mesmo assim, ele não vê o mundo como um sítio bonito e fala dos problemas. Sim, era o dia do execrável Marilyn Manson. Só se viam mansonites pelo recinto. Que bocejo. Era também o dia dos Mastodon e dos Slayer. Os primeiros fazem do mais interessante metal da actualidade, os segundos são verdadeiras instituições do trash. Rápidos e barulhentos, é fácil ver porque é que fizeram o barbas do Rick Rubin esquecer o hip-hop por uns momentos para produzir Reign in Blood. RN

WEDNESDAY 13
Wednesday 13 é o gajo dos Murderdolls, o vocalista. Há que dizer que Murderdolls é um projecto com membros dos Slipknot e dos Static-X, ou seja, nada de interessante vem dali.
No palco há gajos pintados, com cabelo comprido e guitarras do metal, microfones com caveiras e o caraças. No dia anterior tínhamos tido os Turbonegro, também pintados, com o seu quê de diabólico, mas os Turbonegro não se levam a sério, nem os fãs os levam a sério. Wednesday 13 é um gajo que se leva a sério e cujos fãs levam a sério. Ora isto não pode ser, é uma caricatura do metal, é algo extremamente nojento e extremamente parolo. Ser parolo é muito bom, dá fãs e dá para entreter os putos até vir o Marilyn Manson. RN

MORE THAN A THOUSAND
Os More Than a Thousand são uma banda portuguesa de metalcore, ou seja, aliam riffs e tapping do metal à brutalidade do hardcore. São competentes, nada mais. Sabem, acima de tudo, dar um concerto. Não que se perceba alguma coisa do que dizem, mas isso não interessa nada. Está tudo bem até que abrem a boca e percebemos o que dizem. "Obrigado, pessoal". O uso da expressão "pessoal" não fica bem em bandas de metalcore. Já tinha acontecido no primeiro dia do festival com os Black Sunrise, e volta agora a acontecer. Assim não dá. Duas ou três pessoas mostram-se interessadas e vibram com o concerto. Nada mais que isso. RN

MASTODON
Os Mastodon são uma banda que devia ser instrumental. Seria uma ideia boa, a do instrumetal. Vão buscar brincadeiras ao rock progressivo, sempre com a brutalidade extrema do metal. É nos trechos instrumentais, nas guitarras e afins que se nota a sua qualidade. O vocalista que também é guitarrista grunhe coisas incompreensíveis, mas não é necessário aqui.
Claro que se pode argumentar que todo o metal devia ser assim, tirar aquelas vozes guturais que nem letras têm... mas a maior parte do metal não tem metade do interesse que os Mastodon têm.
Apesar de bons, há apenas 20 pessoas com os braços no ar a gostar, enquanto as outras ficam atrás paradas ou andam a passear as suas roupas dos System of a Down, Rammstein, Slayer ou Marilyn Manson. RN

RAMP
Os Ramp são portugueses e brutais. São do metal, e sendo do metal podem abrir para os Slayer que ninguém se chateia. O vocalista parece António Freitas, radialista e apresentador do programa Hyper Tensão da SIC Radical. Não há nada de novo ali, só algum poder. RN

SLAYER
Quando entram os Slayer em palco, o som e a brutalidade sobem até níveis inéditos neste festival. Têm muitos anos de carreira, bem como muitos fãs, e o mosh pit que já se adivinhava em Mastodon toma proporções incontroláveis. É só brutalidade, quase que há feridos e mortos. Dave Lombardo mostra que é um dos melhores bateristas da actualidade e parte tudo, tudo, tudo. Os momentos em que está sozinho são as melhores parte do concerto. RN

BUNNYRANCH
Os Bunnyranch tocam rock'n'roll puro e duro. São mais uma das bandas que saíram das cinzas dos Tédio Boys. Aqui o baterista é vocalista e os teclados são reis. Um set competente, com covers, para abrir para os Stooges. RN

THE STOOGES
Outrora revolucionários e um murro no estômago de qualquer apreciador de música, os ensinamentos dos Stooges já estão velhinhos. Mais de 30 anos já passaram, e entretanto também passou a revolução do punk. Hoje em dia muito do caminho que desbravaram é normal, banal, trivial.
Iggy e os seus Stooges pedem música e não espectáculo. Já velhinhos, sobreviventes de muitas e muitas drogas, talvez demasiadas, o seu tempo basicamente já foi. Dizem que o rock'n'roll está consumido pela indústria. Iggy, filho, detesto ter de ser eu a dizer, mas... err... tu fazes parte dessa indústria. Estás num festival da indústria.
Para além dos irmãos Asheton na guitarra e na bateria, Iggy traz um baixista novo - o grande Mike Watt, dos Minutemen, dos Porno for Pyros, dos fIREHOSE e dos Dos, bem como colaborador dos Sonic Youth - quem consegue esquecer o seu telefonema no tema "Providence" de Daydream Nation? - e Steve MacKaye, um saxofonista free que tem uma óptima relação com Portugal. O saxofone que apareceu em Fun House traz umas linhas giras à cena. É estranho que o melhor que sai do palco venha dos dois membros extra-Stooges, do baixo de Watt e do saxofone de MacKaye. Mas há coisas assim...
Do alinhamento não constou nada de Raw Power. Iggy Pop, velho, contorce-se em palco, salta de um lado para o outro, faz amor com o amplificador e diz que quer ser o nosso cão.
Não há muitos fãs a sério que estejam lá só pelos Stooges, tirando umas dezenas irritantes que gritam e gritam cada canção, cada grito e irritam tudo e todos. Mas é assim quando se trata duma banda antiga de culto. Já no dia anterior, nos New Order, estava uma tipa com um cartaz a dizer "Ian Curtis, I am here in Heaven with you and NEW ORDER". Punha sempre o cartaz em frente das pessoas que queriam ver o concerto. Chata, chata, chata. Há fãs destes, fãs irritantes, estúpidos, que só sabem chatear. Alguns desses fãs são chamados ao palco, e quando os seguranças não os deixam subir, Iggy chama-lhes nazis.
Falta ali qualquer coisa, uma qualquer chama que existia há 30 anos e agora se apagou. Contudo, há um concerto competente, teatral dizendo que não quer sê-lo, e rock’n’roll. RN

WRAYGUNN
Logo depois vieram os Wraygunn, que são uma das melhores bandas portuguesas. São a melhor banda de rock'n'roll portuguesa, isso sim. Paulo Furtado é um grande, grande frontman, Raquel Ralha uma grande cantora e, acima de tudo, uma grande mulher. Bonita, com espírito e garra em palco, com uma voz linda, um deleite, um regalo. Ainda por cima também toca cow-bell, que é talvez o melhor instrumento de todo o sempre. Alguém devia dedicar-lhe um poema. Um soneto de amor. Ainda por cima tinha um vestido bonito. Para além deles há um baterista, um percussionista, um DJ, um baixista, um teclista e ainda uma rapariga negra muito bonita e com uma voz também bonita, cheia de soul, que às vezes canta. Faz o que tem a fazer e vai-se embora do palco. Podia ficar em palco, e o DJ podia ir-se embora, já que não faz absolutamente nada a não ser um scratch manhoso de vez em quando e fica lá atrás o tempo todo. A rapariga, pelo contrário, tem uma bela voz e é uma presença em palco que devia ser mais bem aproveitada.
Rock'n'roll, poder, tudo. Não há nada a dizer, partem tudo. Em apenas três caracteres: \m/. RN

AUDIOSLAVE
Os Audioslave são os Rage Against the Machine com o vocalista dos Soundgarden. E soam exactamente assim. Chris Cornell é mais cantor - e sobretudo tem mais a mania que é cantor - do que Zack de La Rocha. Por isso, ao interpretar clássicos dos RATM, que a banda tem tocado durante a sua tournée, há sempre aí qualquer coisa que não funciona. Mas acabam por ser as partes mais interessantes dos concertos, já que os originais dos Audioslave não são nada de especial. Até porque às vezes, mas só mesmo às vezes, como em "Killing in the Name Of", se fecharmos os olhos, parece que é mesmo Zack de La Rocha. Mas são só momentos, breves momentos, que se acabam logo e percebemos que não. São meras versões, covers, já que os músicos não têm metade da pujança que tinham na banda original. O mesmo se passa com os temas de Soundgarden, quando Cornell pega na guitarra acústica e canta "Black Hole Sun". O domínio dele da guitarra acústica deixa muito a desejar, mas o público adora. Isqueiros no ar e mãos de um lado para o outro a abanar. Há, quase de certeza, quem chore durante aquilo. Meras versões. A organização da Música no Coração dizia: "Vês? Pagámos uma banda e tivémos três." Mas isso não era verdade. Pagaram uma banda e tiveram versões de duas. Parece que Chris Cornell está lá apenas a contrato (e está), para substituir Zack de La Rocha. É a dicotomia cantor/vocalista. Aquilo não dá com um cantor ali.
Para além disso, os solos intermináveis de Tom Morello estão cada vez mais insuportáveis. Nos RATM a banda era uma boa banda, nos Audioslave irrita. Falta sal à coisa, vida, cor, luz. RN

BLIND ZERO
Os Blind Zero não são uma banda boa. Mas também não são uma banda má. São medíocres. Longe vão os tempos em que eram uma imitação dos Pearl Jam. Hoje em dia (já) não são. Têm um som mais ou menos próprio.
Pena que, para além dos originais, tenham vontade de fazer um cover de Jesus & Mary Chain. Há um velho provérbio chinês (acabado de inventar por uma amiga) que diz: "Se não és os Pixies, não mexas dos Jesus & Mary Chain". E é verdade. RN

MARILYN MANSON
Marilyn Manson é um chato. É, para além disso, a pior criação musical de Trent Reznor, o cérebro por detrás (esperemos que não haja brincadeiras com esta expressão e o facto de Manson ter um aspecto andrógino) dos Nine Inch Nails. Era um menino bem comportado dos subúrbios que um dia ouviu Alice Cooper e pensou que seria uma boa maneira de sacar dinheiro aos putos. Entretanto deixou uma ou outra canção, um ou outro álbum, mas tudo com cheiro a farsa e a teatro. Os dólares começaram a entrar e a polémica também. Mas encaremos os factos: Marilyn Manson é tão inofensivo quanto a playlist do Rádio Clube Português.
Sabe é dar aos putos o que querem. Dá um bom espectáculo, para eles, começando calminho e depois entrando naquelas cenas foleiras que os fãs adoram. Tem dois ou três covers que seriam interessantes se não conhecêssemos as versões originais, tipo “Tainted Love”, “Personal Jesus” ou “Sweet Dreams”.
Acaba com “Suicide is Painless”, da série M*A*S*H. O suicídio pode ser indolor, mas ver Marilyn Manson ao vivo não o é certamente. RN