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Mão Morta
Coliseu dos Recreios, Lisboa
29/04/2010


Queixas musicais num concerto de Mão Morta com 2 horas de duração e 23 canções, com sábia e ponderada mistura de canções (bem recebidas) do novo “Pesadelo Em Peluche” com clássicos como “Anarquista Duval”, “Amesterdão” ou “Tu Disseste”, só se forem daquelas do tipo “Num concerto deles falta sempre alguma”. E o povo concordou, a julgar pela maneira como exigiu a não tocada “Lisboa”. Ou seja, os fãs de longa data (onde estão os de nova data, a sério?) que deram um aspecto respeitável, embora não de enchente, ao Coliseu, viram por bem empregues os 20 Euros pagos à entrada. Espero que o facto da presença dos Mão Morta no Alive só ter sido anunciada no dia seguinte seja uma coincidência. Porque sabe-se como é isto de dar dinheiro por bandas portuguesas. “Depois vê-se num festival”, e tá a andar.

Enfim, foi com o brinde de boas-vindas de “Oub’la” e “E Se Depois” que Adolfo Luxúria Canibal, Miguel Pedro, Sapo, António Rafael, Joana Longobardi e Vasco Vaz (tão parecido com Anton Chigurh, personagem de Javier Bardem em “No Country For Old Men”) cumprimentaram o seu público, antes de passar às novidades. E desde logo se anteveram duas coisas: primeiro – Que aquilo ia ser um concerto rock à Mão Morta, com a temperatura e a pressão elevadas ; segundo – Que era bom que várias pessoas começassem mesmo a sério a saltar ao mesmo tempo, ainda que isso obrigasse o autor destas linhas, pouco adepto de participações em moshadas, a sair do lugar de boa visibilidade perto do palco em que se encontrava. Porque se uns têm, os Mão Morta também merecem tê-lo. Porque há muito que são, e continuam a ser, a melhor banda portuguesa. Porque o seu som é tão único como o dos recentes visitantes da sala, Sonic Youth.

Adolfo Luxúria Canibal veio de casaco e camisa desta vez, mas não deixou os movimentos convulsivos em casa, contorcendo-se à grande palco afora. Nick Cave sempre esteve perto de si, desde os tempos em que os Birthday Party eram mencionados como influência. Hoje, Cave vem de fato completo para o palco, sem desmerecimento para a sua música. Adolfo também envelheceu, só que o olhar que deita enquanto canta “Cão da Morte”, “Teoria da Conspiração” ou “Barcelona” ainda é demasiado indomável. Esta música ainda não faz autópsias, nem funerais. O sangue ainda corre fresco, o corpo ainda não arrefeceu. E se é impensável não destacar Adolfo, seria um crime deixar de fora o resto da banda. Os Mão Morta têm uma série de riffs fabulosos. Não há outra banda em Portugal como riffs como os de “Oub’la” ou “Anarquista Duval”, onde células bastardas de punk, metal, industrial, post-punk , no wave e bom e velho rock foram deixadas a absorver ácido até merecerem ser assobiados por membros da Deadly VIper Assassination Squad de “Kill Bill”.

E o concerto avançou por entre visitas de Fernando Ribeiro (em “Como Um Vampiro), cânticos a pedir “1 de Novembro”, que foram satisfeitos, pseudo-enrabanços entre ALC e Vasco Vaz, o povo a cantarolar o refrão de “Tiago Capitão” já depois do fim da mesma, e a música sempre a soar fresca e imponente. Foram precisos três encores, o último com “Velocidade Escaldante” e a estranha celebração hedonista de “Charles Manson”, para que o concerto conhecesse o fim. E no entanto teria sido tão fácil transformar aquilo num delírio absoluto. Cantou-se muito, aplaudiu-se muito, festejou-se muito. Só não se enlouqueceu muito. Ninguém matou a chabala, mas ela não se pode, nem deve, acalmar.

Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
02/05/2010